sexta-feira, 22 de março de 2024

A chama profética

A chama profética 

Reflitamos sobre a vocação profética a ser vivida, sobretudo, pela graça recebida no dia do Batismo, à luz da passagem do Livro do Profeta Jeremias ((Jr 20,10-13).

Assim lemos no Missal Dominical:

“O Povo de Deus experimentou, durante toda a sua história, a violenta oposição dos povos vizinhos.

O mistério da perseguição, embora estando ligado ao do sofrimento em geral, distingue-se dele.

O sofrimento constitui um problema angustiante, porque atinge todos os homens, também os justos e os inocentes.

A perseguição atinge os justos precisamente porque justos; dirige-se especialmente aos Profetas por causa do seu amor a Javé e da fidelidade à Sua Palavra.

Jeremias ocupa entre os perseguidos um lugar especial: exprimiu melhor do que os outros a estreita ligação entre perseguição e missão Profética”. (1)

A figura de Jeremias (Jr 20,10-13) nos remete à figura profética do Servo sofredor, que “realiza o Plano de Deus com a aceitação dos maus-tratos que o povo lhe inflige. A razão profunda do drama do justo perseguido é ressaltada pelo livro da Sabedoria: tornou-se insuportável para os ímpios até mesmo ver os justos (cf Sb 2,14); é "incômodo" (Sb 2,12) um testemunho do Deus vivo que se prefere desconhecer.

Condenando Jesus ao suplício da Cruz, os judeus continuam a  injustiça  de  seus  antepassados   que   perseguiram  os Profetas, e assim tentam opor-se ao Plano de Deus.

Mas o cálculo do homem pecador se revela errado. Os ‘príncipes deste mundo’, crucificando o ‘Senhor da glória’, tornam-se, na verdade, os instrumentos da Sabedoria divina (1Cor 2,8), porque a morte de Cristo se torna salvação do mundo e glória de Deus”. (2)

No ensinamento de Jesus, à luz do Sermão da Montanha (Mt 5,1-12), a perseguição “se torna objeto de bem-aventurança: ‘Bem-aventurados vós quando vos insultarem, vos perseguirem (Mt 5,11). É inevitável: ‘O servo não é maior que seu Senhor. Se perseguiram a mim, perseguirão também a vós’.

Comprometer-se a viver no caminho de Deus significa encontrar no próprio caminho dificuldades sempre novas e cada vez maiores.

Num mundo dominado pelo egoísmo e pela busca do próprio interesse, quem rega o amor, a pobreza e o perdão será inevitavelmente perseguido, porque o pecado está profundamente radicado no coração do homem.

Mas o perseguido não teme. Tem confiança no Senhor. Os perseguidores podem matar o corpo; não têm poder para arruinar a alma.

O cristão enfrenta a perseguição com alegria: os Apóstolos ‘saíram do sinédrio contentes por terem sido ultrajados por amor do Nome de Jesus’ (At 5,41), e São Paulo: ‘Transbordo de alegria em todas as nossas tribulações’ (2 Cor 7,4)”(3).

Mas o Missal acentua a diferença que existe entre a verdadeira e a falsa perseguição:

“O Concílio pediu à Igreja mudança de atitude perante o mundo; ela não é mais a fortaleza isolada: é o fermento que quer animar e impregnar a massa com o Evangelho.

Não devemos pensar que esta reconciliação seja fácil, e que, depois dela, os homens irão se estender as mãos com espontaneidade.

À medida que alguns puserem verdadeiramente em prática as Bem-Aventuranças evangélicas por uma autêntica promoção humana, outros sofrerão perseguição. A oposição entre a sabedoria do mundo e a de Cristo é inevitável e irredutível.

No entanto, nem todas as vezes que a Igreja sofre perseguição isso se dá por sua fidelidade ao Evangelho e pela imitação de Cristo no caminho da Cruz, algumas vezes foi perseguida e hostilizada em virtude de seu atraso com relação à história, por comodismo ou falta de confiança e coragem. É doloroso constatar como encontraram resistência, suspeitas e às vezes posição em alguns setores da Igreja, ideias cristãs e evangélicas como: liberdade, igualdade, direitos humanos, democracia.

Outras vezes, a hostilidade contra a Igreja nasceu de um amor ilusório para com ela. As limitações humanas da Igreja e dos cristãos, as conivências-inconsciência talvez, mas reais - com situações de injustiça e de poder, os medos e as hesitações, os silêncios, a falta de coragem e de confiança... fizeram que contra ela se revoltassem homens honestos e de boa vontade.

Em muitos casos, as perseguições contra a Igreja têm sua origem numa concepção errada da religião, que parece restringir a liberdade e autonomia do homem.

Mas, enfim, há também uma perseguição que podemos denominar; ‘satânica’. É o fermento funesto do mundo, que se difunde e ramifica como um câncer que corrói os tecidos da humanidade; é como um corpo místico do mal, com o qual, apesar de todos os gestos de boa vontade, a Igreja não pode entrar em diálogo, porque se trata do inimigo irredutível, do adversário que luta contra Cristo e Seu Reino. E isto, apesar de tanto ceticismo, é um mal que existe”. (4)

Celebrando a Eucaristia, acolhamos a Palavra proclamada, e peçamos a Deus a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, e os dons do Santo Espírito, para que vivamos a vocação profética, como Igreja que somos, e nos tornemos instrumentos que favoreçam a realização do Reino de Deus, e não obstáculo para tal.

Em tempos difíceis que vivemos, tenhamos a confiança e a coerência dos Profetas, que a Bíblia nos apresenta, entre eles Jeremias, vivendo fidelidade incondicional a Deus e a Sua Nova e Eterna Aliança de Amor, selada conosco pelo Sangue de nosso Redentor, como celebramos em cada Eucaristia, e um apaixonamento indiscutível e perceptível pela Palavra de Deus.

Acesa chama do Espírito em nosso coração, apesar de nossas fragilidades, comunicaremos às situações mais obscuras da vida, o raio da luz divina, porque a Divina Fonte de Luz em nós fez morada, Se fez um Hóspede, nos divinizou.
  

(1); (2); (3); (4) -  Missal Dominical ©Paulus, 1995 – pp. 723-724.

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG