sexta-feira, 29 de março de 2024

Diálogo aos pés da Cruz

Diálogo aos pés da Cruz

Meditemos sobre a relação profunda e intensa de amor entre Maria e Jesus, a partir do Hino “Mãe Dolorosa”, escrito pelo Diácono São Romano, o Melodioso (séc. VI).

“Venham todos, celebremos Àquele que foi crucificado por nós. Maria O viu atado na Cruz: “Bem que você pode ser colocado na Cruz e sofrer – ela lhe disse -, mas nem por isso és menos meu Filho e meu Deus”.

Como uma ovelha, que vê ao seu pequeno arrastado ao matadouro, assim Maria O seguia, abatida pela dor. Como as outras mulheres, ela O acompanhava chorando:

Aonde você vai meu Filho? Por que este passo apressado? Acaso há em Caná outra boda, para que te apresses a converter a água em vinho? Eu Te seguirei, meu Menino? Ou é melhor que Te espere?

Diga-me alguma palavra, Tu que és a Palavra; não me deixes assim, em silêncio, ó Tu que me conservaste pura, meu Filho e meu Deus”.

“Eu não pensava, Filho de minha alma, ver-Te um dia assim como estás: não teria acreditado nunca, mesmo quando via aos ímpios estender suas mãos para Ti. Porém, suas crianças ainda têm nos lábios o clamor: Hosana! Bendito seja!

As palmas do caminho ainda mostram o entusiasmo com que Te aclamavam. Por que, como aconteceu esta mudança? Ó, é necessário que eu o saiba. Como pode acontecer que cravem em uma Cruz ao meu Filho e ao meu Deus?”.

“Ó Tu, Filho de minhas entranhas: Vais para uma morte injusta, e ninguém se compadece de Ti. Pedro não Te dizia: mesmo que seja necessário morrer, nunca Te negarei? Ele também Te abandonou.

E Tomé exclamava: 'morramos todos contigo'. E os outros Apóstolos e discípulos, aqueles que devem julgar as doze tribos, onde estão agora? Nenhum está aqui; mas Tu , meu Filho, morres em solidão por todos. Abandonado. Contudo, és Tu quem os salvou; Tu satisfizeste por todos eles, meu Filho e meu Deus”.

Assim é como Maria, cheia de tristeza e aniquilada de dor, gemia e chorava. Então seu Filho, voltando-se para Ela, respondeu-lhe desta maneira:

“Mãe, por que choras? Por que, como as outras mulheres, estás oprimida? Como queres que salve a Adão, se Eu não sofro e não morro?

Como serão chamados de novo à vida os que estão retidos nos infernos, se não  permanecer no sepulcro? Por isso estou crucificado, tu o sabes; é por isto que Eu morro.

Por que choras, Mãe? Diga antes, em tuas lágrimas: é por Amor pelo que morre meu Filho e meu Deus”.

“Procura não encontrar amargo este dia no qual vou sofrer: é para isto que Eu, que sou o próprio deleite, desci do céu como o maná; não sofre o Sinai, mas ao teu seio, pois nele me recolhi.

Segundo o Oráculo de Davi: esta montanha recolhida sou Eu; o sabe Sião, a Cidade Santa. Eu, que sendo o Verbo, em ti me fiz Carne.

Nesta Carne sofro e nesta Carne morro. Mãe, não chores mais; diz somente: se Ele sofre, é porque o quer, meu Filho e meu Deus”

Ela respondeu: “Tu queres, meu Filho, secar as lágrimas de meus olhos. Somente  meu coração está perturbado. Não podes impor silêncio aos meus pensamentos. Filho de minhas entranhas, Tu me dizes: se Eu não sofro, não há salvação para Adão... Mas, contudo, curaste a tantos sem padecer.

Para curar o leproso te foi suficiente querer sem sofrer. Tu curaste a enfermidade do paralítico, sem o menor esforço. Também fizeste o cego enxergar com uma única Palavra, sem sentir nada por isto. Óh própria bondade, meu Filho e meu Deus”.

Aquele que conhece todas as coisas, mesmo antes que existam, respondeu a Maria: “Tranquiliza-te, Mãe: após minha saída do sepulcro, tu serás a primeira a me ver; Eu te ensinarei de que abismo de trevas fui libertado, e quanto custou.

Meus amigos o saberão: porque Eu levarei a prova inscrita em  minhas mãos. Então, Mãe, contemplarás a Eva rediviva, e exclamarás com júbilo: São meus pais!, e Tu lhes salvaste, meu Filho e meu Deus”.

Impossível a indiferença e a insensibilidade diante deste diálogo, porque nos leva a refletir sobre o Mistério da Paixão e Morte de Nosso Senhor; tão imenso Amor por nós, e também a tão imensa dor que Sua Mãe sentiu naqueles dias ao ver o rebento de seu ventre sendo crucificado, morto, e ela impotente diante de tal desígnio, aos olhos humanos incompreensível.

Como Maria, a quem chamamos de Nossa Senhora das Dores, também em diálogo sincero, amoroso e confiante, apresentamos a Deus nossas inquietações, dificuldades, que por vezes não as compreendemos, e até mesmo quase que não as suportamos.

Aprendamos com Maria, a Virgem Dolorosa, aos pés da Cruz, a viver mesma atitude diante do Mistério da dor e da morte, crendo na última Palavra que é sempre de Deus.

Contemplando as Chagas Vitoriosas de Nosso Senhor suportemos as chagas dolorosas do quotidiano, certos de que, se assumidas com amor, como a cruz que Ele nos propôs, serão propícias para o alcance da verdadeira felicidade e eternidade.

Com Jesus, Aquele que suportou as Chagas Dolorosas, por Suas Chagas Gloriosas, Ressuscitado, renovemos nossas forças na Ceia Eucarística que celebramos, fonte e ápice de todo o nosso existir, porque nela somos iluminados e alimentados com O Pão da Eternidade, Pão de Imortalidade, antídoto para não morrermos, remédio para todos os males, bálsamo para todas as nossas dores.

PS: Lecionário Patrístico Dominical – Ed. Vozes – pp.332-334. 

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