“Vá e não peques mais”
No 5º Domingo da Quaresma (Ano C), a Liturgia da Palavra da Santa Missa nos convida a nos pormos de pé, vivendo de maneira diferente, acolhendo a Palavra de Jesus que foi dirigida à pecadora surpreendida em adultério: “vai e não tornes a pecar”.
É o grande convite para fortalecermos o dinamismo de conversão que iniciamos com a Quarta-feira de Cinzas, voltando-nos para um Deus que nos ama e nos desafia a romper as escravidões que nos afastam de Seu Amor e nos colocando a caminho numa vida nova, até que alcancemos a Ressurreição.
A primeira Leitura (Is 43, 16-21) é uma passagem contida no “Livro da Consolação”, que retrata um contexto de exílio na espera de um novo êxodo (séc. VI a.C.).
O Povo de Deus não podia ficar ancorado numa fuga nostálgica do passado, tão pouco ficar inerte numa saudade que não levasse a uma nova realidade, menos ainda refugiar-se com medo do presente. A lembrança do passado somente é valida quando alimenta a esperança e prepara um futuro novo. Este só será possível quando o Povo de Deus se volta para Ele em fidelidade incondicional.
Deus, de fato, é um Deus libertador que não se conforma com qualquer escravidão que roube a vida e a dignidade do homem e da mulher, e nos acompanha e nos fortalece para que lutemos contra toda forma de sujeição.
A segunda Leitura (Fl 3,8-14) é uma pequena e densa passagem em que o Apóstolo Paulo exorta os fiéis da comunidade a jogar fora todo “lixo” que impeça a mais bela descoberta de Cristo, para se viver a comunhão e a identificação com Ele.
Paulo está preso e escreve esta Carta terna e afetuosa, com palavras de gratidão e exortação à fidelidade a Cristo Jesus, para que a comunidade não se desvie pela pregação dos falsos pregadores.
Somente Cristo importa. Conhecê-Lo numa intimidade de vida, viver em comunhão com Ele, assumir o mesmo destino para Ressuscitar para uma vida nova. É preciso se apaixonar por Cristo e Sua Palavra.
O episódio descrito na passagem do Evangelho (Jo 8,1-11) revela-nos um Deus de Misericórdia que age por meio do Filho, Jesus.
O cenário de fundo nos coloca frente a uma mulher apanhada em adultério, e de acordo com o Levítico (Lv 20,10) e o Livro do Deuteronômio (Dt 22,22-24), a mulher devia ser morta (lapidada).
Aplicar a Lei ou não, eis a questão colocada para Jesus, que é posto em face à Lei e, ao mesmo tempo, em face de uma mulher adúltera.
Jesus não rejeita a Lei, pede tão apenas que escribas e fariseus se voltem para sua própria vida antes de olhar a mulher e de sentenciar a condenação.
Que se vejam “no espelho” e também vejam quão pecadores também o são. E, assim, a partir dos mais velhos retiram-se.
A ação de Jesus diante da questão posta revela que a Misericórdia Divina não condena, não elimina, não julga e não mata.
A lógica divina é sempre a possibilidade de uma vida nova. De fato, o amor liberta, renova e gera esta vida nova que tanto ansiamos.
Embora nossa vida pareça, por vezes, um deserto árido, Deus se apresenta como a Fonte de Água Viva; por Seu Amor faz surgir um rio de Água Viva. A aridez do deserto é vitalizada pela intervenção divina, que nos acompanha e nunca desiste de nós, apesar de nossas infidelidades.
Somos interpelados a rever a lógica sobre a qual se organiza a sociedade, passando da eliminação sumária à reeducação e a reintegração daquele que pecou, ainda que o caminho pareça mais difícil, mais longo.
Somos desafiados a viver a lógica da misericórdia que é criativa. É preciso superar a lógica simplista - “errou, pagou...”. A lógica divina é infinitamente superior: “errou, dê conta do erro e não peques mais, e entre num caminho comunitário de conversão”.
Neste Tempo Quaresmal, somos convidados a rever também nossos pecados, e confessá-los diante da Misericórdia de Deus, sobretudo, através do Sacramento da Penitência.
Também convidados somos a cuidar melhor de nossos “telhados de vidro”, sem conivência com o pecado do outro, mas crendo que a Misericórdia Divina é a possibilidade de vida reconciliada, de vida nova para todos.
A alegria de Deus é a conversão do pecador. Deus abomina o pecado e ama o pecador. Ele não quer que ninguém se perca e naufrague no mar imenso de pecado.
É preciso que esvaziemos nossas mãos das pedras, sempre prontas para as lapidações sumárias do outro. Por vezes estas pedras se encontram em nossa língua e em nossos gestos, se nosso coração estiver cheio de rancores, ressentimentos, autossuficiência, soberba...
Libertemo-nos das pedras, revistamo-nos da Misericórdia Divina que em Cristo nos reconciliou e nos fez novas criaturas.
Caminhemos com Jeus, o rosto da misericórdia divina. Amém.
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