terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Sejamos Profetas de um novo tempo!

Sejamos Profetas de um novo tempo!

Há outra estória, que também nos inspira diversas interpretações iluminadoras para o nosso quotidiano:       
                                                                   
“Num lugar não muito longe daqui havia um poço fundo e escuro onde, desde tempos imemoriais, uma sociedade de rãs se estabelecera.

Tão fundo era o poço que nenhuma delas jamais havia visitado o mundo de fora. Estavam convencidas de que o universo era do tamanho do seu buraco. Havia sobejas evidências científicas para corroborar essa teoria, e somente um louco, privado dos sentidos e da razão, afirmaria o contrário.

Aconteceu, entretanto, que um pintassilgo que voava por ali viu o poço, ficou curioso e resolveu investigar suas profundezas. Qual não foi sua surpresa ao descobrir as rãs! Mais perplexas ficaram elas, pois aquela estranha criatura de penas colocava em questão todas as verdades já secularmente sedimentadas e comprovadas em sua sociedade. O pintassilgo morreu de dó. Como é que as rãs podiam viver presas em tal poço, sem ao menos a esperança de poder sair?

Claro que a ideia de sair era absurda para os batráquios, pois se o seu buraco era o universo, não poderia haver um ‘lá fora’. E o pintassilgo se pôs a cantar furiosamente.

Trinou a brisa suave, os campos verdes, as árvores copadas, os riachos cristalinos, borboletas, flores, nuvens, estrelas… o que pôs em polvorosa a sociedade das rãs, que se dividiram. Algumas acreditaram e começaram a imaginar como seria lá fora. Ficaram mais alegres e até mesmo mais bonitas. Coaxaram canções novas.

As outras fecharam a cara. Afirmações não confirmadas pela experiência não deveriam ser merecedoras de crédito, elas alegavam. O pintassilgo tinha de estar dizendo coisas sem sentido e mentiras. E se puseram a fazer a crítica filosófica, sociológica e psicológica do seu discurso.

A serviço de quem estaria ele? Das classes dominantes? Das classes dominadas? Seu canto seria uma espécie de narcótico? O passarinho seria um louco? Um enganador? Quem sabe ele não passaria de uma alucinação coletiva? Dúvidas não havia de que o tal canto tinha criado muitos problemas.

Tanto as rãs-dominantes como as rãs-dominadas (que secretamente preparavam uma revolução) não gostaram das ideias que o canto do pintassilgo estava colocando na cabeça do povão.

Por ocasião de sua próxima visita o pintassilgo foi preso, acusado de enganador do povo, morto, empalhado e as demais rãs proibidas, para sempre, de coaxar as canções que ele lhes ensinara…”.

Refletindo...

É possível que, em algum momento, possamos nos encontrar como que num fundo de poço, envoltos pela escuridão e afundados na lama do pecado ou da desesperança, com falta de perspectivas, e em nada mais crendo – muito menos em “boas-novas de pintassilgos”.

Ou ainda, acomodados em nosso fundo do poço, em nossa zona de conforto, sem nenhum desejo de desinstalação, não querendo, de modo algum, ser importunados, porque, talvez, submersos em nossos desejos, planos, não havendo lugar para a busca do novo, que inquieta, desinstala, e por vezes atemoriza. É mais seguro e confortável ficar no já conhecido – por que se arriscar? Por que acreditar em outras possibilidades que nos cantam os “pintassilgos”?

No entanto, haverá os que se encontram no fundo do poço, esperando a visita de “pintassilgos”, que acenem para um universo muito maior que o universo empobrecedor e repetitivo de um fundo de poço.

Há “pintassilgos” que trazem cantos de alegria e de esperança, e os vejo em nossas comunidades, assim como também em outros lugares, porque pessoas de boa-vontade, que semeiam a verdade da beleza da vida humana, com sua sacralidade.

Há “pintassilgos” que, teimosa e corajosamente, cantam e anunciam seus sonhos, utopias de um novo mundo possível.

Há “pintassilgos” engravatados e outros esfarrapados, com seus belos cantos, pois o canto está para além das vestes e dos lugares que se ocupa, porque trazem no coração a fé de que a humanidade precisa reencontrar o caminho da dignidade promovida, felicidade para todos garantida, o bem comum como possibilidade e realidade, e não apenas princípio sacro de uma sã doutrina.

Há “pintassilgos” de idade pouca e de idade tanta, mas com mesma vivacidade, porque voam nas asas do Espírito, que nos levam ao reencantamento e reapaixonamento pela vida, e nos elevam na busca das coisas do alto onde habita Deus. Cantam que o céu já é possível aqui na terra, e não para um amanhã que se reduza apenas a uma ilusão, evasão ou quimera.

Há “pintassilgos” com cantos belos que nos querem fora do poço da mediocridade, medo, indiferença, mesmice: estão eles atrás de mesas; educando em salas de aula; assentados em reuniões de mobilização, conscientização e reivindicação...

Há “pintassilgos” embalando seus filhos no colo, acarinhando, amamentando, e um mundo melhor para os seus desejando; ou mesmo, à beira de um fogão cantarolando a mais bela melodia de um novo amanhecer, para os que em seu coração se encontram, e no fundo de um poço jamais os querem ver.

Há “pintassilgos” profetas de um novo amanhã, em templos ou fora deles, a Palavra divina proclamando, cantores do Reino, em nosso meio já presente.

Queremos e precisamos destes “pintassilgos”. Mas não basta. Sejamos para o mundo, dos que se encontram no “fundo do poço”, como “pintassilgos”, com cantos dos que sabem reler o passado, para iluminar o presente, acenando para um futuro pleno de vida, amor, alegria e esperança.

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