domingo, 29 de outubro de 2023

Amor a Deus e ao próximo, dois Amores inseparáveis (XXXDTCA)

                                              

Amor a Deus e ao próximo, dois Amores inseparáveis

O Mandamento do Amor é a essência da vida cristã

Com a Liturgia do 30º Domingo do Tempo Comum (ano A) refletimos sobre a inseparabilidade do amor a Deus e ao próximo, que são os maiores Mandamentos da Lei Divina.

Amor que está no centro da experiência cristã, pois Deus espera que cada coração humano esteja submergido no Seu Amor.  

É preciso a imersão no Amor de Deus para transbordar, comunicar o amor ao próximo: eis o sentido do existir e do ser cristão em todo tempo.

A passagem da primeira Leitura (Êxodo 22,20-26) nos remete ao “Código da Aliança” que se trata de um conjunto de prescrições, soluções, disposições justas, sãs e sólidas que norteiam, orientam a conduta humana nas mais diversas situações.

Esta passagem é como um extrato deste Código: a defesa do pobre e da viúva (desprotegidos); a acolhida do estrangeiro (desenraizado); a defesa do pobre (carente e em extrema necessidade).

Somente a defesa destes é que manterá viva a Aliança de Deus com a humanidade. 

A dura experiência vivida no exílio leva ao aprendizado e a compromissos renovados, para que a vida e a liberdade sejam resplandecentes em cada amanhecer, de modo que é preciso ver no rosto do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro o rosto de Deus.

Reflitamos:

- Onde estão os pobres em nossas comunidades?
- Como os amamos e os defendemos?
- Quais os espaços que ocupam em nossas preocupações, organizações e pastorais?
- Como não compactuar com situações que favoreçam o roubo da vida e da dignidade dos pobres?

Na passagem da segunda Leitura (1Ts 1,5c-10), voltamos a refletir sobre a comunidade de Tessalônica: uma comunidade entusiasta e exemplar, pela fé ativa, caridade esforçada e de firmeza na esperança. 

A comunidade é convidada a dar mais um passo, ou seja, manter a alegria apesar dos sofrimentos, das dificuldades, das perseguições, pois este é necessariamente e inevitavelmente o dinamismo do Evangelho.

A alegria e o sofrimento fazem parte do dinamismo da missão evangelizadora, de modo que na obscuridade, o Evangelho é luz. Na secura, Água Cristalina. Na fome de amor e vida, o Pão. Em situações de opressão, a Palavra que liberta...

A comunidade de Tessalônica, apesar de toda dificuldade, não é uma ilha. Confiando em Deus ela se tornou a semente de fé e de amor que gerou frutos em outras comunidades. 

De fato não somos uma ilha, pois a fé nos faz uma só Igreja: missionária, misericórdia, viva e solidária.

Na passagem do Evangelho (Mt 22,34-40), mais uma vez, Jesus enfrenta os líderes religiosos de Seu tempo. 

Após as questões polêmicas do tributo a César e da Ressurreição (não acreditada pelos Saduceus), Jesus é interrogado sobre qual é o maior Mandamento.

Consideremos que os fariseus conservavam 613 mandamentos (sendo 365 proibições e 248 prescrições). Um verdadeiro emaranhado de preceitos e prescrições. 

Evidentemente, os pobres estavam impossibilitados deste conhecimento, e por eles eram considerados impuros e distantes de Deus.

A resposta de Jesus unifica e equipara os dois Mandamentos: “’Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior Mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’”. 

Com isto podemos afirmar que toda revelação de Deus se resume no amor: amor a Deus e ao próximo. A Lei e os Profetas são apenas comentários, desdobramentos destes dois Mandamentos.

O Mandamento do Amor é o resumo de toda Lei, pois a vida cristã consistirá em amar como Jesus ama ao Pai, com Seu Espírito – o Amor Trinitário. 

Tudo que Deus faz é simplesmente por amor, e esta é essencialmente a marca de Seu agir. Assim, tudo quanto fizermos, tanto os gestos mais grandiosos de fidelidade quanto os menores, se ausente o amor, perdem a sua beleza e consistência.

Na verdade, os dois Mandamentos são o resumo de toda a Bíblia: que a vontade de Deus seja feita, numa entrega quotidiana de amor em favor do Reino, fazendo da vida um dom total de si mesmo, como Jesus o fez - o Missionário amado pelo Pai, na força do Espírito, o Amor que nos acompanha em todo momento.

Amando a Deus escutaremos Sua palavra e haveremos de nos empenhar no cumprir da vontade divina. No amor aos irmãos haveremos de nos solidarizar com todos os que encontrarmos pelo caminho. O amor, a solidariedade, o serviço, a partilha, o dom da vida em favor do outro nos fazem adoradores de Deus, em espírito e verdade.

Na vivência do Amor a Deus e ao próximo Jesus fez cair as máscaras da hipocrisia de Seus opositores, que conhecedores da Lei, do Mandamento divino, mas tão apenas conhecedores, pois não os colocavam em prática, como Ele o fez em relação aos pequeninos, aos pobres, aos enfermos, aos marginalizados. 

Bem sabemos que este Amor que ama até o fim incomodou aqueles bem estabelecidos, porque com os preferidos de Deus jamais comprometidos.

Concluo com a afirmação do Missal Dominical:

“O Mistério de Cristo, no seu todo, é vivido na Igreja, no conjunto de seus membros em todos os séculos.

O contemplativo serve aos homens servindo a Deus; o ativo serve a Deus servindo aos homens...

O Santo Cura D’Ars suspirava por um convento e pela solidão, enquanto se dedicava inteiramente aos homens; e os conventos deram à Igreja grandes Papas, Bispos, Reformadores e Missionários, que passaram da contemplação e da solidão à ação mais perseverante e ininterrupta”. (1)


(1) Missal Dominical - Ed. Paulus - p. 841

“Nisto conhecerão que sois meus discípulos" (XXXDTCA)

                                                            

“Nisto conhecerão que sois meus discípulos" 

“Vede como se amam" (Tertuliano - séc. III)

Vejamos o que nos diz o Comentário do Missal Dominical sobre o amor dos cristãos testemunhando a presença do Cristo Ressuscitado, de dois modos:

- “Primeiramente, o amor dos cristãos entre si. ‘Vede como se amam’, diziam os pagãos sobre os primeiros cristãos.

Hoje, os novos pagãos pós-cristãos poderão dizer o mesmo ao olhar-nos? Ou o nosso comportamento só levará a menosprezar e desconfiar do cristianismo e de sua insistência sobre o amor?

Certamente, falamos demais de amor, dele fazendo quase um gênero literário; mas não o vivemos sinceramente entre nós, divididos como somos por preconceitos, sectarismos, guetos diversos.

- Em segundo lugar, o amor dos cristãos pelo mundo. Em cada época da história, a Igreja é chamada a dar uma contribuição específica.

Nos séculos passados empenhou-se em salvaguardar e difundir a cultura, entregou-se às obras assistenciais em benefício dos pobres e indigentes, fundou hospitais, cuidou da instrução do povo, criou os primeiros serviços sociais.

Hoje tudo isso é em geral assumido pelo Estado, e a obra que a Igreja ofereceu durante séculos tende a terminar. O Estado deve preocupar-se com a difusão da cultura, com a instrução, a escola, a assistência e todo tipo de serviço social.

Liberada dessas tarefas, cabe agora à Igreja oferecer à humanidade sua contribuição original e única: o sentido e o valor construtivo do amor”

O Missal Dominical prossegue refletindo sobre o que o mundo pede ao cristão hoje, no contexto de pós-modernidade, com múltiplas inquietações que desafiam a história da humanidade:

“A mais importante exigência a que devemos atualmente responder não está acaso em contribuir para suprimir as divisões entre os homens e lutar contra todos os ódios?

Se a humanidade que não crê mais em Deus, se o homem racional e ateu está mais avançado em outros pontos, não estará talvez menos avançado neste?

O Estado assistencial poderá criar estruturas perfeitas. Mas de que servirão se os homens que as devem animar não forem movidos por um profundo amor pelo homem?

Esta é a ação dos cristãos, engajados ao lado dos outros homens no esforço por criar um mundo novo, mais justo e com mais respeito pelo homem.

Lembrar que o motor de todo verdadeiro progresso é o amor e só o amor. Sem amor o próprio progresso pode se voltar contra o homem e destruí-lo ou aliená-lo.

Procura-se um amor que salve o homem todo: sua dignidade, sua liberdade, sua necessidade de Deus, seu destino ultra terreno. Um amor concreto, que se interesse pelos que estão perto e a quem se pode prestar algum auxílio. Um amor que vai até onde nenhum outro pode ir.”

Eis o grande desafio para todos nós:

“Se me amais, guardareis os meus Mandamentos, e Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não O vê nem O conhece. Vós O conheceis, porque Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14, 15-21)

E um pouco antes, Jesus havia dito – “Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amarem uns aos outros, assim como Eu vos amei” (Jo 13, 35).

Renovemos, como Igreja, a graça de continuar a missão confiada por Jesus: proclamar e testemunhar o Evangelho em todos os lugares e em todos os tempos, com a marca fundamental e que nos identifica como cristãos: o testemunho do amor.

Vivendo o Mandamento do Amor que Ele nos deixou, daremos à nossa vida e à vida da Igreja, matizes Pascais, até que um dia possamos vislumbrar o novo céu e a nova terra, firmados numa sólida fé, firme esperança e vivificante caridade, porque movidos pelo Espírito de Deus que nos assiste e nos conduz nos caminhos da história.



PS: Missal Dominical - Editora Paulus -1995 – pág. 390. 

Progredir na Lei do Senhor Deus (XXXDTCA)

Progredir na Lei do Senhor Deus

Retomemos o refrão do salmo (Sl 118, 1), da Missa do 6º Domingo do Tempo Comum (ano A), para reflexão:

“Feliz o homem sem pecado em seu caminho, que Lei do Senhor Deus vai progredindo!”

A vida mais que uma sucessão de dias, é uma escrita que vai deixando a marca do caminho. De vez em quando, é preciso olhar retrospectivamente para ver o caminho feito, e para onde ele nos conduz; se marcado pelo pecado ou pela graça, por sábias escolhas, ou se nem tão sabias assim, porque nos fechamos à Sabedoria do Alto, onde Deus habita.

Não basta que vivamos, precisamos progredir em todos os aspectos, sobretudo “na Lei do Senhor”.

É preciso que progridamos, incessantemente, na fidelidade ao Senhor, por isto a felicidade é diretamente proporcional ao progresso que fizermos no conhecimento e na observância da Lei do Senhor, ou seja, em sua prática.

Deste modo, Deus, pacientemente, volta para nós Seu olhar e espera o melhor de nós, na correspondência ao seu Amor, pois é próprio de quem ama criar o bem no coração do amado.

Silenciemo-nos, e certamente Deus nos dirá:

“Seja feliz, e na minha Lei vai progredindo, sem jamais desistir, sem cansaços, sem resistências. Confie apenas e trilhe o caminho. Sim, vai progredindo em minha Lei, e seja feliz.

Vai progredindo na Lei do Senhor e não matarás...
Nem com armas, propriamente, atitudes de desprezo, preconceitos, indiferenças.

Não matarás com as palavras, que podem ser caladas, nem com a omissão que gere dor, morte e sofrimento.

Não matarás a esperança, a alegria, a paz, os valores sagrados que devem nortear a vida.

Não matarás os sonhos, a esperança e as mais belas utopias, que  impulsionam em incansáveis e eternas buscas.

Não matarás a semente da Palavra que cai no chão do teu coração, para que ela produza os frutos que tanto espero de ti.

Não matarás com o olhar o teu próximo, ou com o teu fechamento, como quem não quer ver desafios, compromissos, trabalhos a serem realizados, para que o mundo seja melhor.

Não matarás as pequenas atividades, fazendo-as sem amor, empenho e alegria. Sê fiel nas pequenas, para que também o sejas nas grandes.

Amarás a beleza da vida, o planeta em que habitas, e tudo farás para que vivam todos bem, dando aos que virão à mesma possibilidade.

Não matarás a ética, a sacralidade da vida, a terra, tua casa comum e tudo mais que se possa dizer, como que pulsando e gritando para não morrer, porque se assim o for, será a morte da humanidade, portanto, a tua própria também.

Vai progredindo na Lei do Senhor e amarás a Deus e ao teu próximo...
Amarás tua família, teus filhos e todos os que te rodeiam, e também amarás os da família maior, que se liga pelos laços da fé, ouvindo e pondo em prática a minha Palavra.

Amarás o outro sem olhares de cobiça, de instrumentalização e posse.

Amarás gerando o bem no coração de quem tu amas, ampliando teu horizonte e laços de amizades possíveis.

Amarás e não farás o outro objeto de prazer, e não compactuarás com uma sociedade que vê o outro como descartável.

Amarás na contramão do líquido mundo moderno, que anuncia a liquidez do amor, estabelecendo e mantendo relacionamentos duradouros, próximos, fraternos e eternos e não apenas midiáticos, em que se pode deletar, excluir sem crise de consciência ou constrangimento, porque não acompanhados de verdadeiros sentimentos.

Amarás a mim sobre todas as coisas e não se dobrarás diante da idolatria de mil nomes: poder, riqueza, dinheiro, sexo, fama, prestígio, sucesso a qualquer custo.

Amarás como meu Filho te mandou: amar como Ele, ao próximo e  toda a humanidade.

Amarás como o meu Apóstolo te ensina em sua Carta (1 Cor 13,1-13).

Vai na Lei do Senhor progredindo, não jurarás falso...
Farás progressos nos relacionamentos, porque serão marcados pela sinceridade e transparência.

Não precisarás longos discursos para provar nada, porque a verdade transparecerá, não apenas no falar, mas, sobretudo, no próprio agir, no caminho que se fez, nos legados que deixou.

Teu sim será sim, e o não será não, como disse o meu Filho, dispensando explicação de contradições, que devem ser evitadas, porque fragilizaria o testemunho do Evangelho que crês, anuncias e testemunhas.

Serás feliz em teu progresso espiritual e tuas amizades sobreviverão porque foram construídas em bases sólidas da confiança, da mútua ajuda, seja nos momentos em que o voo foi mais alto, ou na iminência do cair num abismo: amigos voam com os sonhos e projetos do amigo, e tudo fazem para que não vejam o limite profundo do abismo.

Progredirás na Lei do Senhor, e não usarás nenhum meio ou recurso ilícito para que não acumules riquezas pecaminosas, alcance prestígio ou fama, contrariando os princípios que crês e pregas, e te embriagues com néctar do poder, com atitudes autoritárias e tirânicas”.

Vamos, com a Sabedoria Divina, na Lei do Senhor progredindo, e que se cumpra a Palavra de Deus em nossa vida: “Mas, como está escrito, ‘o que Deus preparou para os que o amam é algo que os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu’. A nós Deus revelou esse mistério através do Espírito. Pois o Espírito esquadrinha tudo, mesmo as profundezas de Deus” (1 Cor 2,9-10).

Vamos progredindo na fraternidade, no amor e na sinceridade.


PS: Continuemos a reflexão com a passagem do Evangelho de São Marcos (Mc 12,28b-34; Mt 22,34-40) sobre os inseparáveis Mandamentos do amor a Deus e ao próximo.

“Vede como se amam” (XXXDTCA)

                                                 


“Vede como se amam”

Vede como perseveram na Doutrina dos Apóstolos,
Com a luz do Espírito Santo, que a todos ilumina.

Vede como vivem a comunhão fraterna,
Compromisso com a vida, com ânsias de vida eterna.

Vede como vivem a Fração do Pão,
Solidários com todos, sem marcas de exclusão.

Vede como perseveram na Oração,
Evangelizadores com espírito, testemunhas da Ressurreição.

Vede como se amam!
Atentos ao Espírito para responder às urgências da evangelização.

Vede como procuram caminhos comuns de ação
Para evangelizar com amor, zelo e alegria.

Vede como reavivam a chama do primeiro amor,
Servos da divina misericórdia que são.

Para jamais perderem a força da profecia,
Na vigilância e compromisso missionário,
Na espera da grande Parusia.

Contando com a presença da estrela da evangelização,
A tão amável e desejável companhia:
A Mãe de Jesus, da Igreja e nossa, a Virgem Maria.

PS: Passagem do Evangelho - João 13,31-33a.34-35; Mt 22,34-40

“Vede como eles se amam” (XXXDTCA)

                                                           

                                 “Vede como eles se amam”

“Que Deus vos conceda, segundo a riqueza da Sua glória, serdes
 robustecidos, por Seu Espírito, quanto ao homem interior, que
Ele faça habitar, pela fé, Cristo em vossos corações, que
estejais enraizados e fundados no amor.” (Ef 3,16-17)

Tertuliano (séc. III) foi um grande autor dos primeiros momentos do cristianismo. Nascido em Cartago, na província romana da África, foi o primeiro autor cristão a produzir uma obra literária (corpus) em latim. Foi também um notável apologista cristão e um polemista contra as heresias que se multiplicavam.

Neste texto, ele nos apresenta o jeito próprio dos cristãos viverem, no qual encontramos a conhecida e célebre afirmação: “Vede como se amam”.

“Nossa congregação (dos cristãos) é um corpo de membros unidos com o conhecimento de um Deus, por uma unidade de doutrina e por uma comunhão de uma esperança.

Reunimo-nos em assembleia ou congregação, e, como que vinculados e preparados para a batalha, colocamos Deus sitiado com nossas Orações. Esta força é agradável a Deus.

Oramos também pelos imperadores, por seus ministros e autoridades, pelo bem-estar temporal, pela paz geral, e para que o juízo final seja adiado.

Reunidos, temos lição da Sagrada Escritura, e se dão avisos e advertências segundo os acontecimentos e as ocupações, e aconselhando se determina (o que fazer).

Ali, com as Palavras da Santa Escritura, apascentamos a fé, elevamos a esperança, arraigamos a confiança, e os ensinamentos dos divinos Preceitos os ajustamos com novos complementos.

Nestas reuniões tem lugar as exortações, as reprovações, e se fulminam as censuras. Porque se julgam as coisas com grande severidade, como aqueles que sabem que estão sob o olhar de Deus...

Nossos presidentes são presbíteros anciãos que alcançaram esta honra, não com dinheiro, mas com o testemunho e vida: porque aqui a honra não se compra a não ser com bons hábitos.

Ainda que tenhamos uma espécie de caixa, isto não traz honra, nem se compra ou redime-se a dignidade cristã, mas são doações  voluntárias dos membros. Que cada um dê uma moedinha cada mês, ou quando quer ou quanto pode, ou da maneira que quer: porque a doação é agradável (a Deus).

Esta soma é o depósito da piedade que dali se tira, não para gastos com banquetes, bebidas exageradas, nem glutonarias, mas para alimentar ou enterrar aos pobres, ou ajudar aos meninos e meninas que perderam os seus pais e seus ganhos, ou aos anciãos confinados em suas casas, aos náufragos, aos presos nos cárceres, ou os que trabalham nas minas, ou estão desterrados, nas ilhas unicamente por causa da religião. Todos estes são afilhados que a religião cria, porque sua confissão os sustenta.

Mas é justamente esta demonstração de grande amor entre nós o que nos atrai a aversão de alguns, pois dizem: ‘Vede como se amam’, enquanto eles somente se odeiam entre si. ‘Vede como estão dispostos a morrer uns pelos outros’, enquanto que eles estão mais dispostos a matarem-se entre si.

Caluniam-nos pelo fato de que nos chamemos ‘irmãos’, a meu entender somente porque entre eles todo nome de parentesco não são demonstrações de amor, usa-se somente com falsidade disfarçada.

Contudo, somos inclusive irmãos vossos em virtude da natureza, mãe comum dos homens, por mais que vós não pareceis irmãos dos homens, sendo homens sem humanidade.

Com quanta maior dignidade se chamam e são verdadeiramente irmãos os que reconhecem a um único Deus como Pai, os que beberam de um mesmo Espírito de santidade, que esperam uma mesma herança, que nasceram de um mesmo ventre da cega ignorância; que, ao nascer, com o repentino reflexo deram pavorosamente com a luz da verdade?

Por isso nos tem por irmãos menos legítimos, porque de nossa irmandade não se compuseram tragédias, ou porque as rendas que entre vós desfaz a irmandade, entre nós a estabelece e fortalece, e é desta forma que nós temos as almas e os corações unidos, não recuamos unir e partilhar os bens”. (1)

A pertinência deste texto é incontestável, sobretudo se ouvirmos atentamente os apelos que o Papa Francisco nos apresentou em sua Exortação “Evangelii Gaudium”, em que nos exorta a sermos uma Igreja em saída, verdadeiramente missionária.

Para isto é preciso que se fortaleçam os vínculos da comunidade em efetiva e afetiva vivência da fé, caridade e esperança, enraizados e fundados no Amor de Cristo, como nos falou o Apóstolo Paulo (Ef 3,17).

Toda comunidade apesar de suas fraquezas e limitações deve se empenhar para ser uma comunidade em que seus membros se amem, e sejam no mundo sinal deste amor, tão somente assim serão sal, fermento e luz do mundo, fortalecidos pela ação e presença do Espírito Santo.



(1) Lecionário Patrístico Dominical - Editora Vozes - 2013 - pp.239-241.

“Misericórdia, Senhor” (XXXDTCC)

“Misericórdia, Senhor”

“Meu Deus, tende compaixão de mim,
que sou pecador” (Lc 18,13)

A Liturgia do 30º Domingo do Tempo Comum (ano C) nos apresenta a conhecida passagem da Parábola sobre a oração do fariseu e do publicano, no templo (Lc 18,9-14).

Vejamos o que nos diz o Comentário do Missal Dominical sobre um e outro:
 “O fariseu diz a verdade, quando fala da sua fidelidade à Lei, em si mesma louvável. Por seu lado, o publicano é um pecador público; pelo seu ofício poder-se-ia dizer que vive ou enriquece, tal como Zaqueu – espremendo os seus concidadãos sobre quem recai o peso dos impostos para os invasores.”.

O que os diferencia é a atitude que têm diante da misericórdia divina; duas concepções distintas de religião:
“Mas o primeiro (o publicano) não só ‘batia no peito’, apelando humildemente para a misericórdia divina. Estas personagens, descritas com traços deliberadamente exagerados, encarnam duas concepções opostas de Deus e, por conseguinte, dois tipos de religião”.

A constatação de que a santidade é graça que nos vem de Deus, porque tão somente Deus é santo, e por meio do Seu Filho, nos vem graça e santificação:
“Só Deus é Santo. Se somos justos, é n’Ele e por Ele, não pelos nossos méritos”.

Deste modo, a Igreja é uma realidade santa e pecadora: santa, porque tem Jesus como seu divino fundamento; pecadora, porque formada de pecadores por Ele perdoados:
“A Igreja é uma comunidade de pecadores perdoados que dá graças pela Salvação obtida por Cristo e pelo dom do Espírito de santidade”.

Daqui decorre uma súplica do comentário, que temos que fazer constantemente por toda a Igreja, da qual somos membros pela graça do batismo:
“Que o Senhor guarde os Seus discípulos do farisaísmo que constantemente os ataca”.

Oremos:

Livrai-nos Senhor, do fermento do farisaísmo, e que sejamos levedados pelo fermento do Vosso amor, para amar como amastes a Deus e ao nosso próximo, na prática dos Mandamentos inseparáveis que nos destes, e sabemos que tão somente assim somos justificados e nossa oração Vos será sempre agradável. Amém.



PS: Citações extraídas do Missal Quotidiano, Dominical e Ferial – Editora Paulus – Lisboa –p.2145 

Quanto mais próximos do Altar... (XXXDTCC)



Quanto mais próximos do Altar, maior será a exigência de Deus para conosco!

Com a Liturgia do 30º Domingo do Tempo Comum (Ano C), refletimos sobre a nossa proximidade com o Altar e as exigências próprias no quotidiano, e também a nossa responsabilidade diante de Deus e da Comunidade.

A vivência da verdadeira religião consiste na fidelidade aos preceitos divinos, na defesa da vida, preferencialmente a defesa dos empobrecidos.

Contemplamos na Sagrada Escritura que Deus está sempre pronto para escutar e intervir na defesa dos empobrecidos, e por isto, a oração destes chega sempre aos Seus ouvidos e não fica sem resposta (1ª leitura – Eclo 35,15b-17.20-22a).

A proximidade do Altar pede confiança, generosidade, gratuidade, simplicidade, coerência e entrega da própria vida no bom combate da fé, como fez o Apóstolo Paulo (2ª Leitura - 2Tm 4,6- 8.16-18).

Trilhando com coragem o caminho da fé e do discipulado, Paulo tornou-se para nós modelo de crente, que nos leva a duas atitudes: reconhecimento dos nossos próprios limites e a confiança na misericórdia divina contra toda autossuficiência.

Na Parábola, da passagem do Evangelho (Lc 18,9-14), Jesus revela o rosto misericordioso de Deus, por aqueles que se reconhecem pecadores, de modo que a humildade acompanhada da confiança na misericórdia de Deus nos permite ser melhores - Deus não Se preocupa tanto com nossos pecados, mas com a autenticidade de nossa amizade com Ele. Quanto mais amigos de Deus formos, menos pecadores o seremos!

“Tende compaixão de mim porque sou pecador” há de ser nossa súplica diante de Deus. 

De modo poético, diz Santo Agostinho, referindo-se se ao pecador público nesta passagem mencionada: “... o remorso o afastava, mas a piedade o aproximava; o remorso o rebaixava; mas a esperança o elevava”.

Se de um lado o remorso sincero dos pecados rebaixa, por outro nos aproxima e nos eleva. Lição tão difícil de aprendermos, porém indispensável.

Aprendemos que não podemos nos colocar em relação ao outro como melhor, superior, perfeito.

A atitude de pequenez, para que se possa ser justificado e alcançar a misericórdia, o amor e a bondade de Deus é mais do que desejável.

Assim lemos No Missal Dominical:

“Hoje a suficiência farisaica não é mais a observância de uma lei: toma outro nome. Em muitos ela é a convicção de que o homem pode salvar-se como homem, apelando unicamente para os seus recursos.

O homem salva o homem mediante a ciência, a política, a arte... é por isso mais do que nunca necessário que os cristãos anunciem ao mundo Cristo como Salvador. A Salvação que Ele traz não se opõe a salvação humana, mas a conduz à plenitude.

Com a celebração dos Sacramentos, especialmente da Eucaristia, os cristãos dão testemunho da necessidade da intervenção divina na vida do homem, põem-se sob a ação do Deus presente, com Seu Espírito, e fazem a experiência privilegiada da justificação obtida mediante a fé em Jesus Cristo.

Devem, por isso, estar continuamente vigilantes para não participarem dos Sacramentos com espírito farisaico”.

Concluindo:

A proximidade do Altar significa proximidade com Deus? 

Não necessariamente, e aqui o perigo que a Parábola revela.

Uma boa dose dos sentimentos do publicano, nos levará a menor farisaísmo e orações mais autênticas que agradarão ao Senhor.

Firmemos os passos na caminhada de fé, no “bom combate da fé”, alimentados pela verdadeira atitude orante, na certeza de que Jesus caminha ao nosso lado e a glória de Deus é elevada sinceramente quando não separamos o culto da vida.

Quanto mais próximos do Altar,
maior será a exigência de Deus para conosco!

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