A passagem dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) marca profundamente nossa Espiritualidade genuinamente Pascal, e por nos sentirmos, por vezes, profundamente com eles identificados, sejamos enriquecidos por este Comentário.
“A caminhada dos dois discípulos de Emaús coloca-nos perante o Mistério da Ressurreição de Jesus e o nosso modo de O reconhecermos.
É importante, em primeiro lugar, não banalizar esta realidade central do cristianismo com representações insuficientes: a Ressurreição de Jesus não é como a de Lázaro, o qual regressa à vida com um corpo igual ao precedente, para depois morrer de novo.
Neste caso, os discípulos teriam certamente reconhecido o Homem que até três dias antes tinham visto vivo, se a Sua Ressurreição fosse semelhante à de Lázaro. Pelo contrário, Jesus Ressuscitado entrou numa condição radicalmente nova e inconcebível para os recursos humanos apenas, à qual Ele dá origem precisamente com a Sua Páscoa.
Jesus está vivo para sempre e por isso pode aproximar-Se de cada homem. É verdade que a Sua aproximação e o Seu caminhar conosco não é reconhecível por nós só com os olhos do corpo: é preciso que o próprio Ressuscitado nos abra os olhos fazendo-nos percorrer um caminho de conversão [...].
O texto quer refletir precisamente acerca disto: como podemos encontrar o Ressuscitado, cuja presença não nos é dada na forma de uma realidade que podemos ver e tocar?
Os olhos do corpo já não bastam (como não foram suficientes para os discípulos da primeira hora), e então é preciso refletir sobre a condição mediante a qual o Ressuscitado Se apresenta, sobre o modo no qual Ele concede também a nós que O reconhecemos [...].
Os discípulos estão dominados pelas suas desilusões, mas ao mesmo tempo compreende-se que a sua vida não fora até então uma vida de pessoas superficiais: eles tinham-se deixado inflamar pelo Projeto de Jesus (“Esperávamos”; Lc 24,31).
Ambos representam uma Humanidade que procura, deseja ou que pelo menos soube a certa altura desejar coisas grandes; são pessoas dispostas a gastar a sua vida por coisas grandes, e embora na desilusão não se fecham, confessam a sua tristeza (“entristecidos”: Lc 24,17), aceitam qualquer palavra que possa eventualmente chegar até eles e abrem espaço a um desconhecido que se intromete e se põe a caminho com eles. [...]
É importante então compreender que os olhos não veem, não porque o Ressuscitado não está realmente presente, mas porque estão ainda prisioneiros e devem ‘adaptar-se’ à nova luz, porque o coração ainda não sabe arder.
Não veem porque ainda não descobriram a fulgurante sabedoria divina da Cruz, de um Deus que Se ofereceu aos homens sofrendo e morrendo de modo que compreendessem toda a Sua ‘Paixão’ por eles.
Pois bem, só a familiaridade com a Palavra de Deus pode introduzir-nos nesta sabedoria. A Escritura é a meditação contínua dessa Palavra que nos torna acessível o conhecimento do Amor Crucificado por Deus; a Escritura não tem mais para dizer senão o Amor do Pai em todas as suas cambiantes.
É depois na Fração do Pão que nos é entregue, num modo real e imediato, o gesto que abrange e exprime o sentido da vida de Jesus, inteiramente marcada pelo dom total de Si mesmo.
Com estes meios, ainda hoje Jesus Ressuscitado liberta os olhos e o coração do homem e permite-lhe reparar n’Ele, o Vivente, que partilha a caminhada conosco.” (1)
Concluindo, que sintamos renovar em nosso coração, o desejo de caminhar com Jesus Ressuscitado, com a comunidade, espaço privilegiado para ouvir, acolher Sua Palavra, e nos alimentarmos de Sua Divina presença no Pão da Eucaristia, que se partilha na mais bela Mesa da comunhão e da Vida Plena: o Altar do Senhor.
Amém. Aleluia! Aleluia!
(1) Lecionário Comentado - Editora Paulus - Lisboa - pp. 441/443.
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