Quaresma: tempo de graça, gratidão e gratuidade
“...Um deles, ao perceber que estava curado,
voltou glorificando a Deus em alta voz;
atirou-se aos pés de Jesus, com o
rosto por terra, e lhe agradeceu.”
Reflexão à luz da passagem do Segundo Livro dos Reis (2 Reis 5,1-15a), em que contemplamos a cura do sírio Naamã, mencionada por Jesus na passagem do Evangelho da Missa (Lc 4,24-30).
Somos remetidos à passagem do Novo Testamento em que Jesus cura dez leprosos, e apenas um volta para agradecer (Lc 17,11-19).
As passagens citadas nos revelam a ação de Deus, que cura a todos, sem limites de fronteiras: não há limites geográficos para a ação curativa de Deus.
Não há dúvida que o Amor, a bondade e o Projeto de Salvação de Deus destinam-se a todos os povos.
O que Deus espera de nós é a acolhida, com alegria, abertura, confiança, amor e gratidão, e com a Liturgia somos convidados a rever nossa abertura à Graça Divina, acompanhada pela gratidão por tudo que Ele realiza em nosso favor.
Se de um lado a gratidão é uma virtude que enobrece, por outro nada é mais desagradável do que conviver com pessoas ingratas, nada é mais empobrecedor do que o cultivo da autossuficiência, sobretudo da relativização da presença divina.
Viver como se de Deus não precisássemos é mergulhar no vazio de si mesmo, com perda de sentido, e horizontes restritos; é condenar-se a não realização; é o sequestrar-se de si mesmo.
Somente em Deus o resgate, logo, sem voltar-se para Ele, não há alternativa, não há caminho, somente dor, desolação, vazio, sofrimento – caos jamais superável!
Este é o rosto e o ser de Deus: Ele é único, dá a vida, salva a todos, pois a Salvação carrega em si a marca da universalidade, espera a gratidão e não se deixa manipular por ninguém.
A Espiritualidade genuinamente Eucarística leva-nos a dizer “obrigado a Deus” e ao nosso próximo, por tantos bens e graças recebidas.
Pode ocorrer que a cegueira, o desejo desmedido do dinheiro, do poder, da fama, dos privilégios, nos levem a uma secura diante do Mistério do Amor Divino, que nos inebria com o mais Sublime dos Vinhos, com o mais precioso dos pães, o Pão da Imortalidade.
Pessoas eucarísticas sabem dar graças a Deus em todas as circunstâncias, como nos disse o Apóstolo Paulo: “Em todas as circunstâncias dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Jesus Cristo para convosco" (1Ts 5, 18).
E como o escritor romano Sêneca: “Só os espíritos bem formados são capazes de cultivar a gratidão!”
E também, as palavras de William Shakespeare: “A gratidão é o único tesouro dos humildes.”
O grande Bispo Santo Agostinho, sobre a gratidão, já nos dizia: “Que coisa melhor podemos trazer no coração, pronunciar com a boca, escrever com a pena, do que estas palavras: ‘graças a Deus’?
Não há nada que se possa dizer com maior brevidade, nem ouvir com maior alegria, nem sentir com maior elevação, nem realizar com maior utilidade.”
Assim completa: “Nada é nosso, a não ser o pecado que possuímos. Pois que tens tu que não tenhas recebido? (1Cor 4, 7).”
Agradecer sempre pelo que somos e pelo que temos sem nos tornarmos reféns de nossa ingratidão. Temos uma fertilidade de memória, para as nossas necessidades e carências, maior do que para os nossos bens de Deus recebidos.
Finalizando, agradeçamos a alguém pelo que significa em nossa vida. E, diante de Deus, também elevar nosso infinito “muito obrigado, Senhor!”.
A acolhida da graça, acompanhada da gratidão, leva-nos a viver cada vez mais intensamente na gratuidade: de graça recebemos, de graça devemos dar, disse-nos o Senhor!
PS: apropriada para a Liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum, quando se proclama a leitura opcional (2 Rs 5,9-14)
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