quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Revestidos da armadura divina

Revestidos da armadura divina

Os dias passam, consomem-se e nós nos consumimos. A cada dia, uma batalha, uma conquista, decepções e surpresas agradáveis; encontros e desencontros; ganhos e perdas; derrotas, vitórias. Assim é a vida: comporta o movimento dos contrários.

A vida não é feita de apenas uma nota, um tom, um som, uma palavra, uma rima, um parágrafo. A vida é percurso, desafio, superação, eterno recomeço, morte e Ressurreição.

Neste sentido, a passagem da Carta de Paulo aos Efésios (Ef 6,10-20) é riquíssima, para nos fortalecer no bom combate da fé.

Paulo fala do cristão à luz de uma metáfora: o guerreiro, um gladiador que se coloca intrepidamente no combate consagrando e confiando a sua vida ao Senhor.

“Fortalecei-vos no Senhor, pelo Seu soberano poder” (Ef 6,10). A nossa força vem de Deus.

“Revesti-vos da armadura de Deus” – revestidos de Cristo pelo Batismo não há nada a temer. O Senhor é escudo, proteção, refúgio e muito mais, como rezou o Salmista (Sl 143).

Lutamos a todo instante contra as forças espirituais do mal, espalhadas nos ares, afirma o Apóstolo. É preciso vigiar e orar a todo instante, para que sejamos conduzidos, animados, iluminados pelo Santo Espírito no combate e para que vencedores sejamos.

Com a armadura de Deus mantemo-nos inabaláveis, assegura o Apóstolo, no cumprimento de nosso dever (Ef 6,13).

Ele ainda nos exorta: sejamos cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para incansavelmente anunciar o Evangelho (Ef 6,15).

Nosso escudo é a fé, e com ele apagamos todas as flechas da maldade, da mentira, da hipocrisia, da injustiça.

Nosso capacete é o divino capacete da salvação, tendo nas mãos a espada do Espírito que é a própria Palavra de Deus (Ef 6,18).

Finaliza exortando à indispensável Oração em todas as circunstâncias, numa vigília permanente, Oração feita incessantemente uns pelos outros.

Que tenhamos sempre coragem em cada amanhecer de nos revestirmos de Cristo, de sermos  Sua presença no mundo, comunicando a Sua imprescindível luz em meio às trevas, dando gosto de Deus a quantos possamos, como sal da terra.

Revestidos da armadura de Deus, fermentaremos o mundo novo, não recuaremos na vida de fé, avançaremos corajosamente, enfim, nossa fé será verdadeiramente fecunda.

Calcemos as sandálias da prontidão

                                                      

Calcemos as sandálias da prontidão

Na Carta do Apóstolo Paulo aos Efésios (Ef 6,10-20), ele nos fala da vida cristã como um combate, no qual a pessoa deve se armar como um “soldado”, defendendo-se dos inimigos que estão por toda parte.

Esta imagem de soldado é recorrente na Sagrada Escritura, como vemos na passagem do Antigo Testamento, em que o próprio Deus é comparado a um guerreiro que empunha armas (cf. Sl 7 e 18).

Para o combate, precisamos ser fortalecidos no Senhor, como ele mesmo assim o diz:

Vistam a armadura de Deus, para conseguirem resistir às manobras do diabo” (Ef 6,12); e repete “Por isto, vistam a armadura de Deus, para conseguirem resistir no dia mau e permanecerem firmes depois de superar tudo” (Ef 6, 13).

Para isto, o cristão precisa ficar firme. E completa:

Vistam a couraça da justiça. Calcem os pés com a prontidão para o Evangelho da paz. Estejam sempre com o escudo da fé, pois com ele vocês conseguirão apagar as flechas inflamadas do Maligno. E peguem o capacete da Salvação e a espada do Espírito que é a Palavra de Deus” (Ef 6, 14-17).

Mas é preciso a oração e a vigilância neste combate em todo o tempo:

“Rezem no Espírito, em todo tempo com orações e súplicas de todo tipo. Para isso, vigiem com toda a perseverança, rezando por todos os santos” (Ef 6, 18).

Retomo um versículo para iluminar esta reflexão“Calcem os pés com a prontidão para o Evangelho da paz” (Ef 6,15).

Calçar os pés, colocar as sandálias é uma imagem facilmente compreendida. Calçar os pés para pôr-se a caminho, e defender os pés das “pedras” e perigos que nele se possa encontrar. Assim como o filho pródigo recebeu, entre outras coisas, as sandálias, também precisamos delas para nos pormos a caminho (cf. Lc 15,11-32).

Sandálias nos pés, caminho a percorrer, a Boa-Nova do Reino anunciar. Prontidão sempre! Sem desculpas, adiamentos, medos, omissões, covardias, ausência de comprometimentos.

Prontidão, para o Evangelho da paz, significa disponibilidade, coragem, dedicação, formação, empenho, sabedoria, ousadia, profecia.

Pés calçados para evangelizar na família e em todos os âmbitos. Calçar os pés e prontidão para evangelizar nos desafiadores novos areópagos (escolas, universidades, meios de comunicação...).

Pés calçados e prontidão para:

- renovados compromissos, numa comunidade e suas diversas pastorais, movimentos e serviços;


- evangelizar como Igreja em estado permanente de missão;

- fazer da Igreja um lugar da iniciação da vida cristã;

- a formação bíblica e animação litúrgica, com celebrações vivas, em que a Palavra e os Sacramentos são celebrados e na vida prolongados;

- fazermos da Paróquia uma comunidade de comunidades; uma família de famílias, como nos ensina o Papa Francisco;

- evangelizar no mundo da economia, da política, da cultura e em outras realidades, como nos ensina o Magistério da Igreja;

- renovar incansavelmente sagrados compromissos, construindo uma nova realidade com vida plena e feliz para todos.

É tempo de calçar as sandálias da prontidão e pôr-se a caminho, se já postos, perseverar até o fim, fortalecidos pela oração e, de modo especial, pelo augustíssimo Sacramento da Eucaristia.

Revistamo-nos da armadura divina!

                                                    

Revistamo-nos da armadura divina!

Ouvimos na quinta-feira da 30ª Semana do Tempo Comum a passagem do Evangelho de Lucas (Lc 13,31-35).

Vejamos o comentário do Missal Cotidiano sobre esta  passagem:

“Jesus era personagem incômoda para a autoridade. Não entrava em nenhum de seus esquemas, mas na longa série de incompreensões e assassínios contra os Profetas. Porém não brinca de herói.

Sua contestação não é objeto de propaganda ou publicidade. É árdua vida de Profeta. Toda a Sua existência constitui longa caminhada rumo a Jerusalém, como Lucas tem o cuidado de sublinhar.

Se a viagem de nossa vida é participação na vida de Jesus, deve tender para Jerusalém, a ‘cidade que mata os Profetas’”.(1)

A missão de Jesus é a revelação radical do rosto de Deus, que Se despoja de toda onipotência para Se nos dar a conhecer na escandalosa impotência de um Crucificado:

“O Senhor revela-Se num aspecto impensável: não como soberano vencedor, garantia de possíveis projetos de poder, mas como um Deus derrotado, segundo as categorias humanas. E essa crise renova-se diante de cada crucificado da História, das muitas situações de sofrimento que levantam perguntas: por que é que Deus o permite? Por que é que não mostra Sua onipotência para as remediar?”

E, assim, muitas outras interrogações semelhantes são feitas. Deus que fica escandalosamente impotente sobre a Cruz, revela um poder inesperado:

“Ele permanece na Cruz, não porque não possa descer dela, mas porque não quer descer; não porque procura o suplício, mas porque procura a solidariedade extrema, a partilha incondicional conosco, com os nossos sofrimentos, com as nossas crucifixões, para nos dizer que através dessa partilha tem início a aurora de uma vida nova”. (2)

Para quem crê a Cruz não se revela como poder domínio, mas como poder de salvação que expressa o Amor incondicional, Amor extremo, Amor incompreendido, Amor não correspondido, Amor sem limites... 

Amor incrível, indizível, sem igual, Amor que redime, liberta e aponta para um novo modo de viver e se relacionar para que seja banida toda dor, sofrimento, opressão, injustiça, miséria, lamento, lágrimas e morte (Ap 21, 3-4).

A Ressurreição do Senhor será a Suprema e Onipotente vitória da luz sobre as trevas, da graça sobre o pecado, do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte.

Jesus não brincou de herói, e foi fiel à missão confiada pelo Pai, em obediência incondicional.

O cristão, portanto, também não é herói no termo comum como se possa conceber. Ele é muito mais, é alguém que vive o escândalo da cruz, loucura para os gregos, escândalo para os judeus (1 Cor 1,18-31).

O cristão assume toda dor e sofrimento por um amor que muitas vezes não é compreendido. Mas amor não é para ser compreendido, amor é para amar, simplesmente.

Criado pelo Amor de Deus para amar, caberá ao cristão, muito mais do que título de herói, amar até mesmo anonimamente, silenciosamente, carregando com fé, coragem, confiança, resistência, a sua cruz cotidiana.

Ser cristão é viver o bom combate da fé, para tanto é imprescindível contar com a graça e a força divina, como Paulo tão bem nos exorta na Carta aos Efésios (Ef 6,10-20).

Por ora, 
vamos cantando e lutando com o Senhor, 
e como Ele o fez,
até que venha o Seu Reino, 
o novo céu e a nova terra:

“Eu confio em nosso Senhor, 
com fé, esperança e amor...”

(1) Missal Cotidiano - Editora Paulus - pág. 1439
(2) Lecionário Comentado – Editora Paulus - Lisboa - pág. 676.

Navegarei e naufragarei...

Navegarei e naufragarei...

Navegarei...
Sempre ao encontro dos que sonham
E se comprometem com um mundo novo possível.

Navegarei...
Ao encontro dos que semeiam o Paraíso
Com sementes que o Senhor em nossas mãos deposita.

Navegarei...
Ao encontro dos que não se curvam
Diante dos deuses, por mãos criadas, de tantos nomes.

Navegarei...
Sem me cansar, noite e dia, ao encontro
Dos que ousam encontrar para humanidade novos caminhos.

Navegarei...
Sem economia de energia, à procura
De quem não se furta aos santos compromissos com o Reino.

Navegarei...
Para me somar com os que creem na santidade da família,
E a cada dia a edificam sobre as bases sólidas da Palavra e da Eucaristia.

Navegarei...
Ao encontro dos que não concedem à morte a última palavra,
Mas professam a fé na Vida que venceu a Morte: Ressurreição.

Navegarei...
Ao encontro de homens e mulheres que, embora a fé não professem,
Pautam a vida pelos princípios fundamentais do amor, da verdade, da solidariedade.

Navegarei...
Minhas velas estão provisoriamente levantadas,
Até que possa desfraldar definitivamente na glória dos céus.

Mas também naufragarei...
Nas águas o que rouba a beleza da vida,
A mentira que enfraquece os relacionamentos de amizade, fraternidade.

Naufragarei...
Nas águas as ambições, que se desmedidas, alcance da infelicidade.
Naufragarei quaisquer sentimentos de arrogância indesejável.

Naufragarei...
Os pecados da omissão, pensamentos, atos e palavras,
Para que de coração puro e reconciliado continue minha travessia.

Naufragarei...
Os sentimentos possíveis de mágoa e ressentimentos,
Porque de nada servem a não ser para afogar-me na melancolia.

Naufragarei...
As máscaras que possivelmente criamos e recriamos,
Pois não são elas que nos garantem segurança, êxito e felicidade.

Naufragarei...
O medo que se manifesta de múltiplas formas,
Para que a fé e a coragem encontrem maior espaço dentro de mim.

Naufragarei...
Tudo aquilo que torna pálida a mais bela utopia,
Para cultivar na mente e coração o nascer de um novo dia.

Naufragarei...
As drogas que roubam a beleza da vida, se consumidas,
Reafirmando a sua dignidade e sacralidade anunciada, promovida.

Há outros naufrágios a serem feitos, enquanto navego.
Entre naufrágios que vou fazendo, vou navegando...

O vento suave do Espírito me impulsiona à outra margem.
O sopro do Espírito me acompanha e me dá segurança.

Naufrágio do que avilta, empobrece a condição humana é preciso.
Navegações à outra margem contando com a misericórdia divina.

Misérias humanas naufragadas tão necessárias.
Misericórdia divina ao navegar seja suplicada.

A graça do Ministério Presbiteral

                                                           

A graça do Ministério Presbiteral

Assim falou o Papa São João Paulo II, na Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis (n.22), sobre o presbítero:

“O presbítero é chamado a assumir em si os sentimentos e as virtudes de Cristo em relação à Igreja, amada ternamente mediante o exercício do ministério; portanto, dele se pede que seja capaz de amar o povo com o coração novo, grande e puro, com um autêntico esquecimento de si mesmo, com dedicação plena, contínua e fiel, juntamente com uma espécie de ‘ciúme’ divino, com uma ternura que reveste inclusive os matizes do afeto materno”.

Deste modo, com o Rito da Ordenação, o presbítero “...é introduzido em um novo gênero de vida, que o une a Cristo com um vínculo original, inefável e irreversível e o habilita a agir ‘in persona Christi’. Configurado a Cristo, Cabeça, Pastor, Esposo e Servo da Igreja, como seu representante e na união com Ele, o presbítero tem uma relação especial com a Igreja de Cristo”.  (1)

Como Presbítero, exerce o tríplice múnus como um servidor e anunciador da Palavra, ministro dos Sacramentos e um guia da comunidade.

Na realização do Ministério, o presbítero é apresentado com várias imagens e aspectos, que se completam e auxiliam na compreensão da natureza íntima de sua identidade, como nos fala o Documento n. 110 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil que ora apresento, conforme o parágrafo n. 41

a)   Presbítero: De acordo com a Escritura é o ancião, o adulto, já experimentado na vida, e por isto se tornou um sábio, mestre, conselheiro e guia;

b)   Pastor: Uma imagem muito frequente na Sagrada Escritura que designa aqueles a quem cabe colocar-se a serviço do povo. Assim o faz seguindo o exemplo de Jesus Cristo, o Bom Pastor (Jo 10,1-4). Por isto é chamado a ser homem de misericórdia e compaixão, vivendo a proximidade com seu povo e um servidor de todos, particularmente dos que sofrem grandes necessidades.

c)   Profeta: Como mensageiro da Palavra viva de Jesus, anuncia e testemunha a Palavra de Deus, “oportuna e inoportunamente” como falou o Apóstolo Paulo a Timóteo (2 Tm 4,2); proclama o reino de Deus e denuncia o que contradiz o Evangelho;

d)   Servo: O Filho do Homem veio “não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). O Presbítero participa desta missão do Filho, e participa da autoridade de Cristo-Cabeça com seu serviço, seu dom, sua entrega total, humilde e amorosa pela Igreja;

e)   Missionário: Consciente de que é enviado por Cristo, nunca deve cansar de repetir a si mesmo: “Sou uma missão, e não simplesmente tenho uma missão”, como diz o Papa Francisco. Para tanto, precisa coragem, audácia, fantasia e vontade de olhar não apenas para si mesmo, nem o cumprimento das funções rotineiras, mas ir além, como Igreja, constantemente em saída, rumo às periferias existenciais, ultrapassando as estruturas que já não favoreçam mais à transmissão da fé;

f)    Padre: Trata-se, pelo Sacramento da Ordem, viver o dom da paternidade espiritual, com a missão de gerar, nutrir, educar, organizar e levar à plenitude a comunidade do Povo de Deus;

g)   Sacerdote: É alguém que foi separado para o Evangelho de Deus (Rm 1,1), e em virtude da Ordenação se torna um dom sagrado de Deus para o seu povo. Ele reúne a comunidade para o momento mais alto e importante de sua existência, que é a Celebração Eucarística. Ele é sempre o ministro de Deus e nele, a exemplo de Jesus, tudo deve ser “sacerdotalizado”;

h)   Esposo: Uma vez configurado a Cristo, o Presbítero na sua vida espiritual, é chamado a reviver o amor de Cristo esposo, em sua relação com a Igreja esposa;

i)     Perito em humanidade: Deixa-se atingir pelas grandes questões que envolvem a humanidade, em sinais de amizade, companheirismo e solidariedade com todos, assumindo em seu modo de ser o estilo de Jesus Cristo, que assumiu a condição de servo (Fl 2,7);

j)    Homem da proximidade: O Presbítero está junto de Deus como das pessoas (1 Cor 9,19-23). Oportunas as palavras do Papa Francisco na Homilia da Missa do Crisma de 29 de março de 2018: “Na proximidade com Deus, a Palavra far-se-á carne em ti e tornar-te-ás um padre próximo de toda carne. Na proximidade com o povo de Deus, a sua carne dolorosa tornar-se-á palavra do teu coração e terás do que falar com Deus, tornar-te-ás um padre intercessor”.

k)   Homem da misericórdia: A exemplo de Jesus, exerce o Ministério com cuidado especial em relação aos pobres e marginalizados (Lc 14,13; Mt 25,31-46; Hb 5,7.9);

l)     Homem de oração: O Presbítero por sua disponibilidade a encontros fervorosos com o Senhor, torna-se íntimo das coisas divinas, místico e mistagogo, de modo que é capaz de auxiliar todos os que o procuram, a encontrarem-se com o Mistério de Deus;

m)  Homem de sacrifício: Contemplando o Senhor que oferece a sua vida pelos outros, o Presbítero é capaz de consumir-se com generosidade e sacrifício pelo Povo de Deus;

n)   Irmão universal: Participante da missão de Jesus Cristo e da sua Igreja, leva o Evangelho até os confins da terra; portanto, chamado a construir relações especial com os irmãos de outras Igrejas e confissões cristãs, com os fiéis de outras religiões e com as pessoas de boa vontade.

Elevemos orações por todos os presbíteros, e por todos aqueles que estão se preparando com vistas à Ordenação Presbiteral, para que possam viver estes diferentes aspectos e imagens no exercício do Ministério Presbiteral.

Em cada Presbítero, podemos encontrar um ou outro aspecto e imagem mais presente, de modo que não podemos economizar orações para que cada vez mais se façam presentes em suas vidas, e assim cumpram, com solicitude, empenho, dedicação, o Ministério pela Igreja confiado na santificação, ensino e governo da Igreja.



(1)         Diretrizes para a formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil – Edições CNBB – (Documento n.110, n.35)

A prática fecunda das Obras de Misericórdia

                                                 


A prática fecunda das Obras de Misericórdia

Através da Bula “Misericordiae Vultus”, o Papa Francisco proclamou o Ano Santo Extraordinário da Misericórdia.

No parágrafo 15 da Bula – “O rosto da misericórdia” ­– o Papa nos convida a fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática.

Fala das muitas feridas gravadas na carne daqueles que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos.

Exorta a Igreja para cuidar destas feridas, aliviando-as com o óleo da consolação, e enfaixando-as com a misericórdia, tratando-as com a solidariedade e atenção.

É preciso que não caiamos na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói.

Por fim, nos convida a refletir sobre as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais acordando nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, entrando, de fato, no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina.

Na fidelidade a Jesus e ao Evangelho, é preciso redescobrir as Obras de Misericórdia Corporais (dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos), que por sua vez não se separam das Obras de Misericórdia Espirituais (aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do próximo, rezar a Deus pelos vivos e defuntos).

Praticando as Obras de Misericórdia, reconhecendo Jesus presente nos “mais pequeninos”, a Sua carne se torna de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... Citando São João da Cruz, nos fala do julgamento final: “Ao entardecer desta vida, examinar-nos-ão no amor”, logo, o quanto vivenciamos Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais”.

Completo a reflexão apresentando algumas passagens bíblicas que fundamentam ou explicitam a prática da misericórdia: Mt 25, 31-46; 1 Pd 3,8; Rm 12,8-15; 2 Cor 7,15; Fl 1,8; Fl 2,1; Cl 3,12; Hb 13,3). 

São Bento apresenta uma lista das obras que chamou de “instrumentos das boas obras” com um acréscimo: “Nunca desesperar da misericórdia divina” (Regra de São Bento IV, 74).

O Cardeal Walter Kasper nos adverte para um fato significativo: “as Obras de Misericórdia corporais nem, em especial, as espirituais têm a ver com a transgressão de preceitos divinos explícitos. Da mesma forma que no discurso de Jesus sobre o Juízo, aqui não se condena nenhum pecador que tenha assassinado, cometido adultério, mentido ou defraudado os outros. A condenação de Jesus não afeta contravenções dos Mandamentos de Deus, mas a omissão do bem” (1).

Sendo assim, o pecado pode ser cometido não somente como na violação dos Mandamentos de Deus, mas também pela omissão da prática do bem, o que permite afirmar que a misericórdia é algo mais do que a justiça, e é preciso que se faça a superação da autorreferência, que nos torna apáticos e nos cega para as necessidades corporais e espirituais dos outros, e com isto, a necessidade de vencer a dureza de coração perante o chamamento de Deus, que nos chega através do encontro com a necessidade dos demais. (2)

Finalizando, o Cardeal adverte que as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais não são ingênuas nem tão pouco caprichosas, porque interpelam frente a quatro classes de pobreza:

1)    Pobreza física ou econômica: é a de mais fácil compreensão, pois se trata de não ter um teto nem nada na panela com que saciar a fome e a sede. É carecer de roupa e de abrigo para a proteção das inclemências do tempo. Além do desemprego, as enfermidades, incapacidades graves no tratamento e cuidados médicos adequados;

2)  Pobreza cultural: analfabetismo; ausência ou escassez de oportunidades de formação; carência de oportunidades de futuro e exclusão da vida social e cultural;

3) Pobreza relacional que considera a pessoa com um ser social: manifestada na solidão e introversão; morte do cônjuge. Falecimento de familiares ou amigos. Dificuldades de comunicação; exclusão da comunicação social (por culpa própria ou por imposição externa); discriminação e marginalização até ao isolamento por encarceramento ou desterro;

4) Pobreza espiritual ou anímica: desorientação; vazio interior. Desconsolo e falta de esperança; desespero no que se refere ao sentido da própria existência; confusão moral e espiritual até chegar ao abandono da alma. (3)

Com esta exposição, compreendemos melhor as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais, e no progresso contínuo de praticá-las, empenhando-nos para sermos misericordiosos como o Pai (Lc 6, 36). Somente a prática da misericórdia fará puro nosso coração, e assim poderemos, um dia, ver a face de Deus, como Ele nos falou no Sermão da Montanha:

“Bem-Aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia... Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mt 5, 7-8).

Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais, compreendidas e vividas, nos apresentam o caminho para a construção de um novo céu e uma nova terra, porque não nos acomoda, e assim, nos sentimos incomodados e interpelados pelos clamores dos pequeninos, com os quais o Senhor Se identificou e Se solidarizou, na mais bela página de misericórdia da história da humanidade.


(1) Cf. “A misericórdia" - Cardeal Walter kasper - Ed. Loyola - pp. 177-178.
(2) Idem - p. 178

(3) Idem - pp. 178-179.

PS: O Ano Santo da Misericórdia, proclamado pelo Papa Francisco, teve início em 08 de dezembro de 2015 e foi concluído no dia 20 de novembro de 2016, com a Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo.

Oportuno para a Liturgia do dia de Finados quando se proclamar a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46).

O julgamento final e as obras de misericórdia

                                                             


                       O julgamento final e as obras de misericórdia

Reflexão à luz da passagem do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46), que nos fala sobre o juízo final, quando o Senhor virá em Sua glória para nos julgar a todos.

Trata-se de uma passagem fundamental para todos nós, pois nos ilumina para que vivamos uma religião pura e verdadeira aos olhos de Deus.

Deste modo, nossas orações, tudo o que professamos e celebramos, precisa ser mais do que nunca acompanhado de compromissos concretos, como vemos nas obras de Misericórdia Corporais e Espirituais:

Obras de misericórdia corporais: Dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; dar pousada aos peregrinos; assistir aos enfermos; visitar os presos; enterrar os mortos. 

Obras de misericórdia espirituaisDar bom conselho; ensinar os ignorantes; corrigir os que erram; consolar os aflitos; perdoar as injúrias; sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo; rogar a Deus por vivos e defuntos.  

São iluminadoras as palavras do Bispo e Doutor Santo Agostinho sobre esta passagem:

“Todo o mal que os maus fazem é registado – e eles não o sabem. No dia em que ‘Deus virá e não se calará’ (Sl 50, 3) [...]. Então, Ele Se voltará para os da Sua esquerda: ‘Na terra, dir-lhes-á, Eu tinha posto para vós os meus pobrezinhos, Eu, Cabeça deles, estava no céu sentado à direita do Pai – mas na terra os meus membros tinham fome: o que vós tivésseis dado aos meus membros, teria chegado à Cabeça. Quando Eu coloquei os meus pobrezinhos na terra, constituí-os vossos portadores para trazerem as vossas boas obras ao meu tesouro. Vós nada depositastes nas mãos deles: por isso nada encontrais em Mim’” (1).

Tenhamos sempre esta solicitude para com os “pobrezinhos na terra”, pois são eles os “portadores” que levam nossas boas obras ao tesouro do Senhor.

Empenhemo-nos neste “depósito”, para que possamos ouvir dos lábios do Senhor:

“Vinde benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo” (Mt 25,34).  

(1)         Sermão de Santo Agostinho – cf. Catecismo da Igreja Católica n. 1039


PS: Apropriado para o dia de Finados ou da Solenidade de Cristo Rei e Senhor do Universo, quando se proclama esta passagem do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46)

Quem sou eu

Minha foto
4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG