segunda-feira, 25 de março de 2024

A Dimensão Social da Evangelização (Evangelii Gaudium - Capítulo IV) - (parteII)

I - A inclusão social dos pobres

Deriva da nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos pobres e marginalizados - a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade. (n.186)

Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, integrando-os plenamente à sociedade. (n.187)

A solidariedade é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los, de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde. (n.189)

Precisamos crescer numa solidariedade, a fim de que todos os povos se tornem artífices do seu destino, tal como cada homem é chamado a desenvolver-se. (n.190).

Clamores dos pobres precisam ser ouvidos: “Desejamos assumir, a cada dia, as alegrias e esperanças, as angústias e tristezas do povo brasileiro, especialmente das populações das periferias urbanas e das zonas rurais – sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde – lesadas em seus direitos. Vendo a sua miséria, ouvindo os seus clamores e conhecendo o seu sofrimento, escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento suficiente para todos e que a fome se deve à má repartição dos bens e da renda. O problema se agrava com a prática generalizada do desperdício”. (DAP Introdução n.2) (n.191).

Comida, educação, acesso aos cuidados de saúde e, especialmente, trabalho (livre, criativo, participativo e solidário), porque, com ele, o ser humano exprime e engrandece a dignidade da sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros bens que estão destinados ao uso comum. (n.192).

No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo «Se fez pobre» (2 Cor 8, 9). (n.197).

Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica. Deus “manifesta a sua misericórdia antes de mais” a eles. (n.198).

 “O amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou vaidade, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência”: “Do amor, pelo qual uma pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça”. Quando o pobre é amado é estimado como de alto valor, e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou políticos. (n.199).

A falta de cuidado espiritual é a pior discriminação que sofrem os pobres. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a Sua amizade, a Sua bênção, a Sua Palavra, a celebração dos Sacramentos, e a proposta dum caminho de crescimento e amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária. (n.200).

A preocupação pelos pobres e pela justiça social é de todos nós: “A conversão espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a todos”. (n.201).

Necessidade de decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição das entradas, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo. (n.204).

Necessidade de que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise efetivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo: “A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum”. (n.205).

E qualquer comunidade da Igreja, na medida em que pretender subsistir tranquila, sem se ocupar criativamente nem cooperar de forma eficaz para que os pobres vivam com dignidade e haja a inclusão de todos, correrá também o risco da sua dissolução, mesmo que fale de temas sociais ou critique os Governos. Facilmente acabará submersa pelo mundanismo espiritual, dissimulado em práticas religiosas, reuniões infecundas ou discursos vazios. (n.207).

Necessidade de superar uma mentalidade individualista, indiferente e egoísta, e a procura de um estilo de vida e de pensamento mais humano, mais nobre, mais fecundo, que dignifique a passagem por esta terra. (n.208).

As novas formas de pobreza e fragilidade, nas quais somos chamados a reconhecer Cristo sofredor: os sem abrigo, os toxicodependentes, os refugiados, os povos indígenas, os idosos (cada vez mais sós e abandonados), etc. Os migrantes representam um desafio especial para mim, por ser Pastor duma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos. (n.210).

As diferentes formas de tráfico: “«Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que estás matando cada dia na pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças usadas para a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escondidas porque não foi regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade... A pergunta é para todos! Nas nossas cidades, está instalado este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue devido a uma cômoda e muda cumplicidade”. (n.211).

A situação das mulheres: Duplamente pobres porque padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos. E também entre elas, realizam os mais admiráveis gestos de heroísmo quotidiano na defesa e cuidado da fragilidade das suas famílias. (n.212).


Os nascituros: os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legislações para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para ridiculizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e conservadora; e no entanto esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano. Supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu desenvolvimento. (n.213).

A posição da Igreja é irrevogável: não é um assunto sujeito a supostas reformas ou «modernizações». (n.214).

A desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação. Não deixemos que, à nossa passagem, fiquem sinais de destruição e de morte que afetem a nossa vida e a das gerações futuras. (n.215).

Todos nós, cristãos, somos chamados a cuidar da fragilidade do povo e do mundo em que vivemos, pequenos, mas fortes no amor de Deus, como São Francisco de Assis. (n.216).

II - O bem comum e a paz social

A paz social não pode ser entendida como irenismo ou como mera ausência de violência obtida pela imposição de uma parte sobre as outras. (n.218).

 A dignidade da pessoa humana e o bem comum estão por cima da tranquilidade de alguns que não querem renunciar aos seus privilégios, de modo que quando estes valores são afetados, é necessária uma voz profética.

A Paz não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário das forças, mas é construída dia a dia, na busca duma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais perfeita entre os homens. (n.219).

Quatro princípios para avançar nesta construção de um povo em paz, justiça e fraternidade: (n.221).

1º - O tempo é superior ao espaço
Os cidadãos vivem em tensão entre a conjuntura do momento e a luz do tempo, do horizonte maior, da utopia que nos abre ao futuro como causa final que atrai. (n.222).

Um dos pecados que, às vezes, se nota na atividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação... O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos duma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. (n.223).

O próprio Senhor, na sua vida mortal, deu a entender várias vezes aos seus discípulos que havia coisas que ainda não podiam compreender e era necessário esperar o Espírito Santo (cf. Jo 16, 12-13). A parábola do trigo e do joio (cf. Mt 13, 24-30) descreve um aspecto importante de evangelização que consiste em mostrar como o inimigo pode ocupar o espaço do Reino e causar dano com o joio, mas é vencido pela bondade do trigo que se manifesta com o tempo. (n.225).

2º - A unidade prevalece sobre o conflito
Três atitudes: alguns lavam as mãos; outros ficam prisioneiros de suas confusões e insatisfações; e há os que aceitam suportar o conflito, a fim de resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo. “Felizes os pacificadores” (Mt 5, 9) (n.227).

A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, torna-se um estilo de construção da história, um âmbito vital onde os conflitos, as tensões e os opostos podem alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida. (n.228).

O anúncio de paz não é a proclamação duma paz negociada, mas a convicção de que a unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades, em que se supera qualquer conflito numa nova e promissora síntese. (n.230).

3º - A realidade é mais importante do que a ideia
Existe também uma tensão bipolar entre a ideia e a realidade: a realidade simplesmente é, a ideia elabora-se... Isto supõe evitar várias formas de ocultar a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os nominalismos declaracionistas, os projetos mais formais que reais, os fundamentalismos anti-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria. (n.231).

4º - O todo é superior à parte
É preciso prestar atenção à dimensão global para não cair numa mesquinha quotidianidade. Ao mesmo tempo convém não perder de vista o que é local, que nos faz caminhar com os pés por terra. (n.234).

O Evangelho é fermento que leveda toda a massa e cidade que brilha no cimo do monte, iluminando todos os povos. O Evangelho possui um critério de totalidade que lhe é intrínseco: não cessa de ser Boa-Nova enquanto não for anunciado a todos, enquanto não fecundar e curar todas as dimensões do homem, enquanto não unir todos os homens à volta da mesa do Reino. (n.237).

III - O diálogo social como contribuição para a paz

A evangelização implica também um caminho de diálogo. (n.238).

1º - o diálogo com os Estados, com a sociedade:
Em todos os casos, a Igreja fala a partir da luz que a fé lhe dá;  oferece a sua experiência de dois mil anos e conserva sempre na memória as vidas e sofrimentos dos seres humanos.

No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas. (n.241).

2º - O diálogo entre a fé, a razão e as ciências:
A fé não tem medo da razão; pelo contrário, procura-a e tem confiança nela, porque «a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus», e não se podem contradizer entre si. A evangelização está atenta aos progressos científicos para os iluminar com a luz da fé e da lei natural, tendo em vista procurar que sempre respeitem a centralidade e o valor supremo da pessoa humana em todas as fases da sua existência. (n.242).

3º - O diálogo ecumênico e as relações com o judaísmo; O diálogo inter-religioso:
O compromisso ecumênico corresponde à oração do Senhor Jesus pedindo «que todos sejam um só» (Jo 17, 21)... Para isso, devemos abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus. O abrir-se ao outro tem algo de artesanal, a paz é artesanal. Jesus disse-nos: «Felizes os pacificadores» (Mt 5, 9). (n.244).

Um olhar muito especial é dirigido ao povo judeu, cuja Aliança com Deus nunca foi revogada, porque «os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis» (Rm 11, 29). (n.247).

Deus continua a operar no povo da Primeira Aliança, e faz nascer tesouros de sabedoria, que brotam do seu encontro com a Palavra divina. Por isso, a Igreja também se enriquece quando recolhe os valores do Judaísmo. (n.249).

Uma atitude de abertura na verdade e no amor deve caracterizar o diálogo com os crentes das religiões não cristãs, apesar dos vários obstáculos e dificuldades, de modo particular os fundamentalismos de ambos os lados.  (n.250).

Neste tempo, adquire grande importância a relação com os crentes do Islão, hoje particularmente presentes em muitos países de tradição cristã, onde  podem celebrar livremente o seu culto e viver integrados na sociedade. (n.252).

Respeito pela liberdade religiosa, considerada um direito humano fundamental. (n.255).

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