A superação da violência e a construção da cultura da paz
Uma reflexão sobre a temática da Campanha da Fraternidade 2018 – “Fraternidade e superação da violência”; com o lema: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8), à luz da Doutrina Social da Igreja(DSI).
Na Encíclica Sollicitudo rei socialis (n.38), o Papa São João Paulo II, afirma: “Não é possível amar o próximo como a si mesmo e perseverar nesta atitude sem a firme e constante determinação de empenhar-se em prol do bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos”.
Para tanto se torna necessária a graça que Deus oferece a todas as pessoas para ajudar na superação de suas falhas, arrancando-nos da voragem da mentira e da violência, sustentando e incentivando a tecer de novo, com espírito sempre renovado e disponível, a rede das relações verdadeiras e sinceras com os seus semelhantes (Catecismo da Igreja Católica – CIC - n. 1889).
Neste sentido, todos devemos nos empenhar na construção de uma sociedade reconciliada na justiça e no amor, com dupla responsabilidade: anúncio e denúncia.
- Enquanto anúncio: uma visão global do homem e da humanidade, no nível teórico e prático – “A doutrina social, com efeito, não oferece somente significados, valores e critérios de juízo, mas também as normas e diretrizes de ação que daí decorrem. Com a sua doutrina social, a Igreja não persegue fins da estruturação e organização da sociedade, mas de cobrança, orientação e formação das consciências” (Compêndio da Doutrina Social – n. 81);
- Enquanto denúncia: denúncia do pecado de injustiça e de violência que de vários modos atravessa a sociedade e nela toma corpo – “tal denúncia se faz juízo e defesa dos direitos ignorados e violados, especialmente dos direitos dos pobres, dos pequenos e dos fracos, e tanto mais se intensifica quanto mais as injustiças e as violências se estendem, envolvendo inteiras categorias de pessoas, amplas áreas geográficas do mundo, e dão lugar a questões sociais, ou seja, a opressões e desequilíbrios que conturbam as sociedades” (idem n.81).
Esta dupla missão funda-se no princípio que é a raiz dos direitos do homem e da mulher, que há de ser buscada em sua dignidade que lhe pertence – “A fonte última dos direitos humanos não se situa na mera vontade dos seres humanos, na realidade do Estado, nos poderes públicos, mas no próprio homem e em Deus seu Criador. Tais direitos são ‘universais, invioláveis e inalienáveis’... Inalienáveis, enquanto ‘ninguém pode legitimamente privar destes direitos um seu semelhante, seja ele quem for, porque nisto significaria violentar a sua natureza’” (idem n. 153).
Portanto, eis a nossa missão: colaborar na construção e promoção da fraternidade, promovendo a cultura da paz.
É preciso, portanto, compreender que a paz é muito mais que um dom de Deus para a humanidade; e um projeto conforme o desígnio divino, ela é um atributo essencial de Deus (Jz 6,24) – “A criação, que é um reflexo da glória divina, almeja a paz. Deus cria todas as coisas, e toda a criação forma um conjunto harmônico, bom em todas as suas partes (Cf. Gn 1,4.10.12.18.21.25.31)”. (idem n. 498).
A paz exige a superação na violência, pois se funda na relação primária entre cada ser humano e Deus mesmo, uma relação caracterizada pela retidão (cf Gn 17,1) – “em seguida ao ato voluntário com que o homem altera a ordem divina, o mundo conhece o derramamento de sangue e a divisão: a violência se manifesta nas relações interpessoais (cf Gn 4,1-16) e sociais (cf Gn 11,1-9). A paz e a violência não podem habitar na mesma morada, onde há violência aí Deus não pode estar (cf.1 Cr 22,8-9)” (idem n. 488).
A paz, segundo a Revelação Bíblica, é muito mais que a ausência de guerra, antes é a plenitude da vida (cf. Mt 2,5). Ela é efeito da bênção de Deus sobre o seu povo (cf.Nm 6,26), e ela gera fecundidade (cf. Is 48,19), bem estar (cf is 48,18), ausência de medo (cf. Lv 54,6) e alegria profunda (cf. Pr 12,20) (idem n. 489).
A DSI é clara sobre a violência: ela nunca se constitui numa resposta justa – “A Igreja proclama, com a convicção da sua fé em Cristo e com a consciência de sua missão ‘que a violência é má, que a violência como solução para os problemas é inaceitável, que a violência é indigna do homem. A violência é uma mentira, pois que é contrária à verdade da nossa fé, à verdade da nossa humanidade. A violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida, a liberdade dos seres humanos’” (idem n. 496 ).
O mundo atual necessita do testemunho de profetas não armados, infelizmente objeto de escárnio em toda época (idem n. 496).
A DSI nos ensina que uma verdadeira paz só é possível através do perdão e da reconciliação: “Não é fácil perdoar diante das consequência da guerra e dos conflitos, porque a violência, especialmente quando conduz ‘até aos abismos da desumanidade e da desolação’, deixa sempre como herança um pesado fardo de dor, que pode ser aliviado somente por uma reflexão profunda, leal e corajosa, comum aos contendores, capaz de enfrentar as dificuldades do presente com uma atitude purificada pelo arrependimento. O peso do passado, que não pode ser esquecido, pode ser aceito somente na presença de um perdão reciprocamente oferecido e recebido: trata-se de um percurso longo e difícil, mas não impossível” (idem n. 517).
Evidentemente que o perdão recíproco não deve anular as exigências da justiça nem, tampouco, bloquear o caminho que leva à verdade: justiça e verdade apresentam, pelo contrário, os requisitos concretos da reconciliação – “...é necessário promover o respeito do direito á paz: tal direito ‘favorece a construção duma sociedade no interior da qual as relações de força são substituídos por relações de colaboração em ordem ao bem comum” (idem n. 518).
Urge, portanto, empenharmos todos e tudo que pudermos (pessoas e recursos) na realização do objetivo geral da Campanha da Fraternidade, que é missão de todos nós: “Construir a fraternidade, promovendo a cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da Palavra de Deus, como caminho de superação da violência”, e isto se dará como também realizarmos os objetivos específicos:
01 – Anunciar a Boa-Nova da fraternidade e da paz, estimulando ações concretas que expressem a conversão e a reconciliação no espírito quaresmal;
02 – Analisar as múltiplas formas de violência, considerando suas causas e consequências na sociedade brasileira, especialmente as provocadas pelo tráfico de drogas;
03 – Identificar o alcance da violência nas realidades urbana e rural de nosso país, propondo caminhos de superação a partir do diálogo, da misericórdia e da justiça, em sintonia com o Ensino Social da Igreja;
04 – Valorizar a família e a escola como espaços de convivência fraterna, de educação para a paz e de testemunho do amor e do perdão;
05 – Identificar, acompanhar e reivindicar políticas públicas de superação da desigualdade social e da violência;
06 – Estimular as comunidades cristãs, pastorais, associações religiosas e movimentos eclesiais ao compromisso com ações que levem à superação da violência;
07 – Apoiar os centros de direitos humanos, comissões de justiça e paz, conselhos paritários de direitos e organizações da sociedade civil que trabalham para a superação da violência.
Concluindo, é preciso dizer que a Igreja luta pela paz com a oração:
“A oração abre o coração não só a uma profunda relação com Deus, como também ao encontro com o próximo sob o signo do respeito, da confiança, da compreensão, da estima e do amor.
A oração infunde coragem e dá apoio a todos ‘os verdadeiros amigos da paz’, os quais procura promove-la nas várias circunstâncias em que se encontrar a viver. A oração litúrgica é ‘o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força, em particular a celebração eucarística, ‘fonte e convergência de toda a vida cristã’, é nascente inesgotável de todo autêntico compromisso cristão pela paz” (idem n. 519).
Sejamos, por fim, iluminados pelas palavras do Papa São Paulo VI: - “A paz impõe-se somente com a paz, com aquela paz que nunca disjunta dos deveres da justiça, mas alimentada pelo sacrifício próprio, pela clemência, pela misericórdia e pela caridade” (idem n. 520).
Fonte de pesquisa: Compêndio da Doutrina Social da Igreja -
Editora Paulinas 2006
Escrito em fevereiro de 2018
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