segunda-feira, 1 de abril de 2024

Qual é o papel do Vereador?

Qual é o papel do Vereador?

Muito oportuno refletir sobre o Poder Legislativo Municipal, mais explicitamente, sobre a função de um Vereador (que recebe um mandato para quatro anos), sobre o que se pode dele esperar, cobrar uma vez eleito e também pode nos ajudar no discernimento necessário para a sua escolha.

Recorro mais uma vez ao professor José Afonso da Silva, autor do livro “Curso de Direito Constitucional Positivo”, que pode com propriedade nos oferecer elementos sólidos e luminosos para esta reflexão.

Antes de tudo, é preciso saber qual a função da  Câmara Municipal e o que ela é em  si:  é o órgão do Poder Legislativo local, deverá ter também suas atribuições discriminadas pela Lei Orgânica do respectivo Município.

Segundo o referido autor, elas se desdobram em quatro grupos:

(1)         “A função legislativa, que é exercida com a participação do Prefeito. No exercício dessa função é que ela legisla sobre as matérias de competência do Município. Por meio dela, são estabelecidas as leis municipais, e se cumpre, no âmbito local, o princípio da legalidade a que se submete a Administração.  A Lei Orgânica do Município deverá indicar as matérias de competência legislativa da Câmara. Deverá também estabelecer o processo legislativo das leis em geral assim como do orçamento;

(2)        A função meramente deliberativa, por meio da qual a Câmara exerce atribuições de sua competência privativa que envolvem a prática de atos concretos, de resoluções referendarias, de aprovação, de autorização, de fixação de situações, de julgamento técnico, como independem de sanção do Prefeito, as quais também deverão ser indicadas pela lei orgânica própria;

(3)        A função fiscalizadora, de grande relevância, tanto que é prevista na Constituição, que declara que a fiscalização financeira e orçamentária do Município será exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, com auxílio do Tribunal de Contas do Estado ou do Conselho ou Tribunal de Contas dos Municípios, onde houver (art.31), e ainda acrescenta 31, § 3) que as contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição dos contribuintes, para exame e apreciação, e qualquer cidadão poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei. Mas a atividade fiscalizadora da Câmara efetiva-se mediante vários mecanismos, tais como pedido de informações ao Prefeito, convocação de auxiliares diretos deste, investigação mediante comissão especial de inquérito, tomada e julgamento de contas do Prefeito, observando-se que só por voto de dois terços de seus membros pode ela rejeitar o parecer prévio do Tribunal de Contas competente;

(4)        A função julgadora, pela qual a Câmara exerce um juízo político, quando lhe cabe julgar o Prefeito e os Vereadores por infrações político-administrativas”.

Também possui o exercício do poder-organizativo municipal, pois a Lei Orgânica própria terá que estabelecer regras para ser emendada, atribuindo à Câmara competência para tanto.

Com isso também, como se vê, a Lei Orgânica própria assume uma característica de certa rigidez, pois só pode ser elaborada com o voto de dois terços da Câmara, só poderá ser alterada com igual quorum. Assim as leis locais que a contrariem serão ilegítimas e inválidas, desde que assim sejam declaradas pelo Judiciário.

Quanto à sua composição o número será fixado pela Constituição do respectivo Estado, proporcionalmente à população do Município, sendo o mínimo de 9 e o máximo de 21 nos Municípios de até 1 milhão de habitantes; o mínimo de 33 e o máximo de 41 nos Municípios de até 5 milhões de habitantes e o máximo de 55 nos Municípios, de mais de 5 milhões de habitantes.

O autor também nos fala sobre a inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato, na circunscrição do Município. Esta significa que o beneficiado fica isento da incidência de norma penal, definidora de crime, de modo que dentro da circunscrição do Município, o Vereador não comete crime de opinião (não implica que tenha a imunidade processual em relação a outras infrações penais, de modo que, se cometer qualquer crime, ficará sujeito ao respectivo processo, independentemente de autorização da Câmara.

Diante disto, é preciso ficar atento ao estudar o programa de um candidato, se suas promessas são condizentes com aquilo que prevê a Constituição; aquilo que lhe é próprio.

Acrescente-se que é preciso conhecer o histórico do candidato, seus compromissos etc.

Nossas escolhas devem ser precedidas e acompanhadas de Orações necessárias para o bom discernimento no exercício de nosso direito democrático: votar. E que o nosso compromisso não se resuma tão apenas em votar, mas acompanhar após as eleições os que forem eleitos.


A Política é uma expressão exigente do amor


A Política é uma expressão exigente do amor

Estreita é a Porta que nos conduz à Salvação, com a inevitável cruz a ser carregada quotidianamente, com as renúncias necessárias.

E o carregar da cruz implica em compromissos irrevogáveis que brotam da fé, entre eles, a atuação política, o compromisso de fazer dela a promoção do bem comum.

Em 1971, O Papa Paulo VI, na “Octogesima Adveniens”, quando celebrávamos o 80 º Aniversário  da Encíclica “Rerum Novarum”, nos enriqueceu com esta afirmação: 

 “A política é uma maneira exigente - se bem que não seja a única - de viver o compromisso cristão, ao serviço dos outros.” (n.46).

E, no Lecionário Comentado encontramos: “... o compromisso político e social dos cristãos é a forma mais elevada da caridade: a atuação dos cristãos no mundo, sempre marcada pela lógica da Cruz, anuncia e faz amadurecer aqueles germens de paz e justiça que serão totais e perfeitos somente no Reino de Deus.”

O amor cristão é chamado a ser vivido por toda vocação e em todos os âmbitos. É imprescindível que não nos furtemos desta prática, para que nossa fé seja, de fato, irradiação de luz na construção de um mundo mais justo e fraterno.

Da mesma forma, é impossível cultivar a virtude da esperança, sem a multiplicação de atos solidários que garantem que a vida tenha mais esplendor, beleza e dignidade; sem qualquer sinal de exclusão, fome, miséria, aviltamento da condição humana e do planeta em que habitamos.

Somente assim, vivendo esta maneira exigente e não exclusiva, mas de sublime expressão do compromisso cristão, consolidaremos a caridade, como Mandamento Maior do Senhor, do Amor a Deus que não se separa do segundo que é semelhante a este: o amor ao próximo.

Providencial, e ninguém pode ficar indiferente à preocupação de formar ou fortalecer um grupo de Fé e Política em cada Paróquia, como motivadores, animadores, mas não exclusivos, para que a nossa Fé, Esperança e Caridade assim também o sejam.

Política: uma sublime vocação


Política: uma sublime vocação

Esta súplica do Papa Francisco é sempre iluminadora:

Peço a Deus que cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise efetivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo. A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum.

Temos de nos convencer que a caridade ‘é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos’.  Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres” (1).

Acolhendo a súplica, multipliquemos espaços de reflexão, aprofundamento e discernimentos necessários, sobretudo neste momento em que estamos definindo nossas escolhas, vereadores e Prefeito que dirigirão nossas cidades.

É preciso que a política seja de fato uma “sublime vocação”; “uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum”, sobretudo quando a realidade nos apresenta uma face maculada pela corrupção em todos os âmbitos, de modo especial na política, pelo descaso com o bem público, absurda indiferença na promoção do bem comum, com a objetivação de interesses pessoais mesquinhos, que fazem multiplicar a dor e o sofrimento de milhões de empobrecidos, privados do pão, da moradia, da educação, da saúde, lazer e muito mais que lhes seria pleno direito como cidadãos.

Urge que sejamos criteriosos em nossas escolhas, não vendendo nosso voto, nem trocando por favores, de modo que nossas escolhas sejam expressão consciente, pois ainda que não pareça nosso voto tem um “preço” altíssimo que incide decididamente em toda a nossa vida, positiva ou negativamente.

Abertos à ação do Espírito, que nos fortalece na vocação profética, dom divino e resposta humana, empenhemo-nos na construção de uma nova realidade de vida plena e feliz para toda a humanidade, tendo a política, precioso e indispensável instrumento.

Ontem e hoje, o mundo precisa de Profetas, pessoas que não cedam à idolatria e injustiças, e se coloquem como vozes de Deus na defesa dos pequenos, dos pobres, dos excluídos, porque gozam de especial amor e predileção por Deus, como nos revela a Sagrada Escritura.


(1) cf. Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” n. 205 - Papa Francisco.

Vivamos segundo o Espírito

                                                                                             
                                     Vivamos segundo o Espírito

A Liturgia da 2ª segunda-feira da Páscoa nos apresenta a passagem do Evangelho que retrata a conversa de Jesus com o fariseu chamado Nicodemos, o príncipe dos judeus (Jo 3,1-8).

Vemos a preocupação do Evangelista em apresentar uma nova oposição entre o velho e o novo, sobre a condição do homem diante de Deus.

O homem velho é o homem do Antigo Testamento, o homem que vive segundo a lei, escravo do pecado e da morte e, portanto, vive segundo a carne.

O homem velho que se deixa guiar pelos sentimentos inferiores, como o egoísmo, individualismo, buscando apenas os seus interesses, com sentimentos de insensibilidade diante do sofrimento do outro, de modo que gestos de solidariedade não são concebíveis.

Com facilidade transforma o outro em objeto para a satisfação de seus instintos e de sua maldade.

O homem novo, entretanto, é o homem que participa da Nova Aliança, tornando-se um cidadão do Reino de Deus, e tem a vida movida segundo o Espírito.

E assim, não é mais movido segundo a lei, mas segundo a luz do Novo Mandamento do Amor.

Deste modo, não é mais escravo do pecado e, como filho de Deus, é livre e vive segundo a graça e não é mais prisioneiro da morte, porque tem a Vida Nova em Cristo, lembrando o que Paulo também afirmará: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Tendo a vida marcada pelo amor, estabelece vínculos de comunhão e de fraternidade, firma os passos num caminho de humanização, abrindo o coração e a mente para que Deus possa agir.

Na participação da construção do Reino Deus inaugurado por Jesus é necessário que se renasça do Espírito, fazendo renascer uma nova humanidade.

Nascendo de novo e vivendo segundo o Espírito, nos enriquecemos com os frutos da Ressurreição, e testemunhamos no mundo uma fé verdadeiramente Pascal, onde o medo cede lugar à coragem, a tristeza à alegria, o desânimo à esperança, a imobilidade e letargia ao dinamismo e prontidão da missão, a escuridão à luz, as gélidas relações entre as pessoas em relações mais humanas e fraternas, a  noite escura da alma cede lugar ao esplendor da madrugada da Ressurreição. 

Enfim, 
a morte cede lugar à vida. 
É Páscoa! 
Aleluia!

Submersos nos Mistérios Divinos

Submersos nos Mistérios Divinos

Um livro é como uma garrafa jogada ao mar, que será levada pelo movimento das ondas, com uma mensagem por alguém deixada, há algum tempo, comunicando segredos de felicidade tão desejados.

Um livro é como lançar uma garrafa ao mar, e dentro desta colocar conteúdos que vêm da alma do autor com o desejo de que cheguem ao destinatário de múltiplos nomes, em diversas situações por que possam passar: agradáveis ou não, sombrias ou luminosas, alegres ou angustiantes, confortáveis ou não, momentos de ápice e auge ou declínio e abismo.

A vida não é uma linha reta, sem entornos e contornos. Oscilações são possíveis, mas que não sejam de tal modo que tudo possa ruir. Portanto, é necessário que coloquemos sólidos fundamentos em nossa vida, para que possa resistir aos ventos e tempestades que teimam contra a nossa vida, em todos os âmbitos (família, Igreja, etc.)

De um livro, com diferentes temas, como uma garrafa lançada ao mar, espera-se o encontro de sólidos fundamentos para manter de pé projetos e sonhos, sem a perda da esperança, no revigoramento da fé, para dar cor e conteúdo à virtude maior de todas: a caridade.

Sendo o conteúdo sobre a fé, à luz da Palavra de Deus, o mais sólido fundamento da vida, certo que estas mensagens chegarão a mãos e corações, como nos disse o Senhor - "Portanto, quem ouve estas minhas Palavras e as pratica é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha.”  (Mt 7, 24)

É de se desejar que a mensagem sacie, abundantemente, a sede e a fome de quantos a tenham; sede de alegria, amor e paz. Sede de ver um mundo mais justo e fraterno, como o mais belo rebento a surgir num horizonte não tão distante; famintos de uma palavra que se faça pão, saciando a fome de acolhida, carinho e compreensão, amor, alegria. E tudo isto celebrado na Mesa da Palavra e da Eucaristia, na qual o Senhor Se dá em verdadeira Comida e verdadeira Bebida.

Seja a mensagem desta “garrafa”, isto é, do livro, uma luz acesa no momento mais escuro que se possa passar, crendo que no auge da escuridão se dá o início de um novo dia, cumprindo o que nos disse o Senhor: Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16).

Encontrar a garrafa, abrir, saciar a sede, matar a fome, reencontrar o vigor necessário para da luta não sucumbir, se preciso for, do luto à luta, sem fuga, omissão, medo e covardia.

Um livro nas mãos é como uma garrafa naufragada e encontrada; uma âncora para que não naufragues nas dificuldades possíveis ao atravessar o mar da vida, que teima em nos submergir.

Se há uma submersão desejada é a que fazemos nos Mistérios de Deus, e uma boa leitura possibilita esta submersão, e então, teremos a certeza de que chegaremos à outra margem. 

A exata medida da pretensão...

A exata medida da pretensão...

“O homem sofre muito, porque tem pretensões imensas.” Como contestar esta afirmação?

Ouvi uma atriz dizer no meio de uma entrevista, enquanto fazia um “zapping”  na TV, pois quem consegue ficar muito tempo diante de um canal apenas?

Depois de ouvir esta afirmação, ao encerrar a entrevista, nada mais quis ver, pois não era preciso. Quis apenas mergulhar no mais profundo do meu pensamento, contra todos os “ruídos” que teimavam em me impedir. É preciso ter coragem para mergulhar, ao menos de vez em quando, no mais profundo de nós.

Coragem sim, pois lá dentro de nós podemos enxergar e ouvir nossos próprios temores, que nos assaltam consciente ou inconscientemente.

Coragem para deixar velado o que nos esforçamos por vezes tornar oculto, inacessível, intocável.

Coragem para ver as feridas mais doloridas, que não são as que estão na exterioridade da carne, mas aquelas que teimam não sarar porque lá nas entranhas de nossas redes, sentimentos e emoções.

Mas voltemos à afirmação que me inquieta e da qual não consigo me desvencilhar, ainda que o queira. Por que ela incomoda, sobretudo, a nós homens?

Mas há nela verdade incontestável, diante da qual nem o repórter conseguiu arguir com contestações ou relativizações.

Quantos sofrimentos nós homens poderíamos evitar se nossas pretensões não fossem tão imensas?

Como não lembrar aqui de uma belíssima afirmação de Edgar Morin (antropólogo francês): é preciso ver o homem e a mulher como seres inacabados, mais ainda, como em processo de inacabamento final.

Há que se concordar que quão mais imensas forem nossas pretensões, maiores serão nossos sofrimentos, pois nem sempre a correspondência se alcança e a cobrança intermitente cansa, exaure todas as forças, que se canalizadas para outros objetivos nos fariam mais felizes.

É sempre necessário que tracemos objetivos, deixemos gravadas em nossa memória, no recôndito mais secreto de nossa alma, nossas pretensões (homens ou mulheres), nossas metas a serem alcançadas.

Que elas não sejam tão imensas, para que não nos façam sofrer inutilmente, mas que também não sejam tão limitadas, pequenas, que não nos impulsionem, não nos motivem a lutar por nossos sonhos.

Que nossas pretensões sejam na exata medida de quem já é feliz pelo que é e tem, e pelo poder que possui (afastado de toda possibilidade de dominação sobre o outro).

Em diversas passagens do Evangelho, o Senhor nos garante que a felicidade não reside no muito acumulado, no poder e no domínio, no prestígio máximo que se possa alcançar.

Voltemo-nos para aqueles inesquecíveis dias que Ele passou no deserto, enfrentando as ciladas do antigo inimigo e vencendo as tentações fundantes de tantas quantas possam gerar: ter, poder e ser.

Renovemos sempre a santa pretensão, o salutar compromisso de ver o Reino acontecer materializado e visibilizado em relações de amor, verdade, justiça, ternura, bondade, liberdade e paz...

Há pretensões imensas que nos fazem pequenos, há pretensões autênticas, ainda que aparentemente utópicas e intangíveis, que nos alcançam a verdadeira alegria e menos sofrimento. E, se sofrimento houver que não seja por consequência de pretensões mesquinhas, individualistas, inúteis, impostas que não nos dão as melhores respostas.

Tenhamos a pretensão de sermos felizes sem fugir das Bem-Aventuranças que o Senhor nos propõe (Mt 5, 1-12).

Cada um de nós, homens e mulheres, felizes seremos quando nossas pretensões não se contrapuserem, não nos autodestruírem, e tão pouco o planeta comum em que habitamos.

As pretensões imensas não apenas destroem os homens, mas com eles mulheres, crianças, jovens, animais, natureza, planeta... Mas aqui já é o começo de outra reflexão... 

Ética, por onde andas?

Ética, por onde andas?

De tanto ouvir falar da “ética”, um homem saiu pela cidade a procurá-la. Andou por palácios, casas nobres e outras mais simples; vagueou por ruas e becos, praças e avenidas; visitou igrejas, escolas, universidades, inúmeras ONGs, entidades, enfim, em todos os lugares possíveis.

Inquieto, procurava a tal “ética”. Em alguns lugares a viu mais explicitamente, em outros como que jazendo no leito de morte, em cinzas. Teve ainda lugares que lhe disseram que há muito ela não estava mais ali, porque atrapalhava negociações ilícitas, impedindo os conchavos que possibilitariam lucros ainda maiores.

Em sua procura, um dia foi questionado: - “Não sabemos o que é esta tal de ‘ética’, falam tanto dela, mas nunca a vimos por aqui. Ela existe de fato ou é apenas algo entre tantas coisas que dizem existir, mas não fazem parte do enredo da história da humanidade?”

Instigado, revisitou seus escritos e encontrou uma definição preliminar: “ética é o conjunto de princípios que norteiam, orientam o agir das pessoas, tendo em conta a prática da liberdade, da vontade e responsabilidade.”

Num dicionário, encontrou a seguinte definição: “Ética – grego ethike, de ethikós – que diz respeito aos costumes... Diferentemente da moral, a ética está mais preocupada em detectar os princípios de uma vida conforme a sabedoria filosófica, em elaborar uma reflexão sobre as razões de se desejar a justiça e a harmonia e sobre o meio de alcançá-las” (Japiassú – Ed. Zahar).

Continuou a refletir sobre o conceito de ética e sua presença nas relações entre as pessoas, e concluiu que, sem ética, sem princípios convincentes e autênticos, a justiça e a harmonia jamais poderão ser alcançadas, pois ficam comprometidas a liberdade, as vontades e as responsabilidades, e que, portanto, é preciso uma ética corresponsável, depurada de interesses mesquinhos, do contrário teremos o perigo da desvalorizarão e banalização da vida, e, consequentemente, a promoção da cultura da morte.

Concluiu ainda que é preciso repensar a ética, o conjunto de seus princípios, para que se construa uma civilização do amor, promovendo a cultura da vida e da paz, num permanente aprendizado para humanar as relações entre nós.

Mas como ressuscitar a ética? Como tirar da pauta das discussões e  fundar novas e frutuosas relações? Ele encontrou algumas respostas.

Primeiro, é preciso palmilhar por veredas edificantes da vida, as veredas da esperança, do bem e da solidariedade, impondo silêncio às paixões avassaladoras, normalmente norteadas pelos pecados capitais (soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça).

Segundo, é preciso ter coragem de rever quais os valores que orientam nossas decisões, escolhas, caminhos, passos; rever se estes tornam a vida mais bela, humana, se nos tornam mais fraternos, solidários, promotores da defesa da vida, desde a sua concepção até o seu declínio natural.

Terceiro, professando uma fé ou não, que a ética seja a expressão do pensar, sentir e agir de pessoas de boa vontade, que promovem a paz, sem a violação da vida e o sacrifício de inocentes, sem fundamentalismos e radicalismos.

E depois de refletir as conclusões daquele homem, também nós podemos fazer a nossa própria avaliação, percebendo que assim como o sangue nada pelas veias para que a vida aconteça; assim como a linfa vital é imprescindível para o vigor e êxito da planta com suas flores e frutos; também a ética deve se fazer presente em todas as instâncias (espaços de decisões, campos diversos dos saberes e poderes), para que a vida não seja vilipendiada, mas promovida, amada, dignificada e, deste modo, possamos redescobrir e construir o Paraíso perdido, sem fúnebre saudade, mas com renovado compromisso e esperança.

Aquele homem visitou sim lugares sem conta, mas, por fim, viu que antes de tudo era preciso ter coragem de visitar a si mesmo, e ver de que modo a ética se fazia presente em sua vida, em suas decisões (família, trabalho, comunidade...).

E como cristãos, temos que ter a coragem de nos revisitar, e reconhecer, como morada do Espírito que somos, quais são os princípios éticos que norteiam nossa vida.

Como sal da terra e luz do mundo, há um princípio que não podemos jamais olvidar ou negligenciar: o Mandamento do amor a Deus, que se expressa concretamente no amor ao próximo. E tão somente assim, irradiaremos no mundo, por vezes obscuro e sombrio, um pouco mais de vida e luz, que emanam da fé que professamos e testemunhamos.

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG