Inquietude da alma
Não se encontra por vezes inquieto nosso coração? O Bispo Santo Agostinho (séc. V) nos ajuda a encontrar o verdadeiro repouso que somente pode em Deus ser encontrado, no livro de suas Confissões.
“Grande és Tu, Senhor, e sumamente louvável: grande é a Tua força, e a Tua sabedoria não tem limites! Ora, o homem, esta parcela da criação, quer Te louvar, este mesmo homem carregado com sua condição mortal, carregado com o testemunho de seu pecado e como testemunho de que resistes aos soberbos.
Ainda assim, quer louvar-te o homem, esta parcela de Tua criação! Tu próprio o incitas para que sinta prazer em louvar-Te. Fizeste-nos para Ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em Ti.
Dá-me, Senhor, saber e compreender o que vem primeiro: o invocar-Te ou o louvar-Te? Começar por conhecer-Te ou por invocar-Te? Mas quem Te invocará sem Te conhecer?
Por ignorância, poderá invocar alguém em lugar de outro. Será que é melhor seres invocado, para seres conhecido? Como, porém, invocarão Aquele em quem não creem? Ou como terão fé, sem anunciante?
Louvarão o Senhor aqueles que O procuram. Quem O procura encontra-O e tendo-O encontrado, louva-O. Buscar-Te-ei, Senhor, invocando-Te; e invocar-Te-ei, crendo em Ti.
Tu nos foste anunciado; invoca-Te, Senhor, a minha fé, aquela que me deste, que me inspiraste pela humanidade de Teu Filho, pelo Ministério de Teu pregador.
Invocarei o meu Deus, o meu Deus e Senhor: mas como? Porque ao invocá-Lo eu O chamarei para dentro de mim. Que lugar haverá em mim, aonde o meu Deus possa vir? Aonde virá Deus em mim, o Deus que fez o céu e a terra?
Há, então, Senhor, meu Deus, algo em mim que Te possa conter? O céu e a terra, que fizeste e nos quais me fizeste, são eles capazes de Te conter? Ou, se sem Ti nada existiria de quanto existe, é porque tudo quanto existe Te contém?
Portanto eu, que também existo, que tenho de pedir Tua vinda em mim, em mim que não existiria se não estivesses em mim? Ainda não estou nas profundezas da terra e, no entanto, ali também estás. Pois, mesmo que desça às profundezas da terra, ali estás.
Não existiria, pois, meu Deus, de forma alguma existiria, se não estivesses em mim. Ou melhor, não existiria eu se não existisse em Ti, de quem tudo, por quem tudo, em quem todas as coisas existem?
É assim, Senhor, é assim mesmo. Para onde Te chamo, se já estou em Ti? Ou donde virás para mim? Para onde me afastarei, fora do céu e da terra, para que lá venha a mim o meu Deus, que disse: Eu encho o céu e a terra?
Quem me dera descansar em Ti! Quem me dera vires a meu coração, inebriá-lo a ponto de esquecer os meus males, e abraçar-Te a Ti, meu único bem!
Que és para mim? Perdoa-me, se falo. Que sou eu a Teus olhos, para que me ordenes amar-Te e, se não o fizer, Te indignares e ameaçares com imensas desventuras? É acaso pequena desventura não Te amar?
Ai de mim! Dize-me, por compaixão, Senhor meu Deus, o que és Tu para mim. Dize à minha alma: Sou Tua salvação. Dize de forma a que ela te escute.
Os ouvidos de meu coração estão diante de Ti, Senhor. Abre-os e dize à minha alma: Sou Tua salvação. Correrei atrás destas palavras e segurar-Te-ei. Não escondas de mim Tua face. Morra eu, para que não morra, e assim possa contemplá-la!”
No auge da inquietação nos ilumina com esta convicção: “inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti”, Deus, a quem procuramos encontrar no mais pleno deleite da alma.
Reflitamos sobre as inquietudes de tantos nomes que possamos sentir e passar, vendo nelas uma provisoriedade.
Há muitas inquietações que não deveriam nos consumir tanto, se maior fosse a nossa fé e a nossa amizade com o Senhor, que nos ama e nos tem como amigos.
Meditemos sobre a graça de termos no mais profundo de nós a presença do Espírito Santo, como morada d’Ele, como Templos Sagrados de Deus que o somos, hóspedes do mais belo Amor.
Mais confiança, melhor procura, nossa alma encontrará a paz que tanto ansiamos e o sentido para o existir:
"A vida nos é dada para procurar Deus;
a morte, para encontrá-Lo; e a eternidade, para possuí-Lo".
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