domingo, 11 de fevereiro de 2024

Livrai-nos, Senhor, da cegueira e da hipocrisia (VIIIDTCC)

                                                              

Livrai-nos, Senhor, da cegueira e da hipocrisia

Com a Liturgia do 8º Domingo do Tempo Comum, continuamos o aprofundamento do Sermão da Planície, que Jesus nos apresentou na passagem do Evangelho.

Na primeira Leitura, ouvimos a passagem do Livro do Eclesiástico (Eclo 27,4-7), que nos adverte que não julguemos as pessoas pela primeira impressão.

O autor convida a maior fidelidade à Lei de Deus, para que vivamos a autêntica Sabedoria.

É preciso rever sempre os critérios de nossas escolhas, para que não nos deixemos enganar pelas falsas impressões.

O autor nos ensina que a palavra revela, claramente, o íntimo do coração do homem.

Sendo possível ao homem fingir, enganar, disfarçar e encenar determinados tipos de comportamento, é preciso considerar que a Palavra o revela e põe a nu os seus sentimentos mais profundos.

Na passagem da segunda leitura (1 Cor 15,54-59), o Apóstolo Paulo conclui sua Catequese sobre a Ressurreição de Jesus.

Nela acreditando, o discípulo missionário deverá testemunhar, com verdade, sinceridade e coerência, a Sua proposta, que consiste no único caminho necessário para a vida plena que Deus reserva.

Deste modo, aqueles que professam a fé no Ressuscitado devem permanecer firmes e inabaláveis, cada vez mais diligentes na obra do Senhor (1 Cor 15,58), não cruzando os braços numa passividade que aliena, mas empenhando-se, verdadeiramente, numa efetiva transformação que traga vida nova para todos e para todo o mundo:

“A Igreja ensina que a importância das tarefas terrenas não é diminuída pela esperança escatológica, mas que esta antes reforça com novos motivos a sua execução” (Gaudium et spes, n.21).

Portanto, acreditar na Ressurreição, é compromisso de empenho na construção de um mundo mais humano e fraterno, eliminando as forças do egoísmo, do pecado e da morte que impeçam a viver a vida em plenitude.

Na passagem do Evangelho (Lc 6, 39-45), Jesus adverte Seus discípulos sobre o perigo de um cego guiar outro cego, com risco de ambos caírem num buraco e o perigo de enxergar com nitidez os defeitos do próximo sem dar conta dos próprios:

“Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Lc 6, 42).

Somos exortados a crescer sempre mais na prática da Misericórdia, procurando suas múltiplas faces, expressões e concretizações.

Esta prática, além de levar ao amor e oração pelos inimigos, também exige coerência de vida, evitando uma vida pautada por “dois pesos e duas medidas”, procurando a cura do mínimo sinal de miopia espiritual, para que enxergando bem, sem traves nos olhos, para que se possa ajudar mutuamente, sem desviar do caminho da prática da misericórdia, não mergulhando nos buracos que uma cegueira nos levaria (cegueira como ausência da Misericórdia).

Se por um lado a Misericórdia se expressa na coerência de vida, há algo que a ofusca: hipocrisia, ambiguidade, julgamento rigoroso de nossos irmãos e impaciência de vê-los trilhar o caminho do crescimento, aperfeiçoamento...

Somente a Misericórdia vislumbrada na prática da caridade resgata, recria e possibilita o novo, muitas vezes materializada no gesto da acolhida e do perdão reintegrador. Somente a Misericórdia na prática da caridade constrói, edifica, promove...

A ausência da Misericórdia destrói a paciência, a caridade, e, consequentemente, o outro.

Jesus nos adverte para um mal que rouba a luminosidade de nossa fé, porque rouba a coerência, a transparência, e leva à perda da força do testemunho da Palavra que Senhor nos comunica, levando-nos à hipocrisia.

Urge suplicar ao Senhor para que nos liberte do fermento da hipocrisia, e que Ele nos dê o ázimo da sinceridade e da verdade, e tão somente assim nos tornaremos mais transparentes nas intenções e na pureza do coração, condição indispensável para que um dia a Deus vejamos, pois somente os puros de coração verão a Deus (Mt 5,8).

Esta hipocrisia consiste em toda tentativa inútil de ludibriar a Deus, porque a Deus ninguém engana. Podemos enganar os outros e a nós mesmos, o que seria o ápice da hipocrisia.

Manifesta-se quando há falsidade do coração, quando professamos com os lábios verdades que não cremos; sentimentos que procuramos expressar, mas não brotam com naturalidade, pureza e autenticidade, porque não vêm das entranhas do coração.

Também quando supomos agradar a Deus com as aparências, com longas Orações, sacrifícios com segundas intenções, beirando à simulação, como que se Deus não conhecesse o mais profundo de nós, como tão bem expressou o Salmista (Sl 138), e acreditamos que Ele veria bondade, onde tão apenas existe uma superficialidade de relacionamento, sem verdadeira entrega a Ele de todo nosso ser, de toda a nossa vida.

Hipocrisia que pode ser entendida como sinônimo de astúcia, esperteza, duplicidade, mas nos faz tão apenas falsários, com a estéril tentativa de pagar a Deus com moeda falsa, reduzindo nossa honra ao Senhor com os lábios, mas o coração longe d’Ele se encontrando (Mt 5,  8).

Deste modo, as palavras e obras de fé, esperança e caridade devem nos acompanhar cada dia para que sejamos libertos de toda hipocrisia e de qualquer outro sentimento que não seja conforme os  pensamentos, palavras e sentimentos de Jesus, e assim possamos gerar e formar Cristo em nós e nos outros.

Jesus também disse que a boca fala daquilo que o coração está cheio, e também podemos concluir que nossos olhos revelarão aquilo que se encontra em nosso íntimo, em nosso coração.

Se nele houver rancor, ódio, tristeza, indiferença, preconceitos, egoísmo, materialismo, hedonismo cultuado (busca do prazer sem medida), ídolos cultivados, o nosso olhar será a mais perfeita e triste expressão de tudo isto.

É tempo de olharmos para dentro de nós mesmos, para que possamos dizer como São Paulo:

“Pregar o Evangelho não é, para mim, motivo de glória. É antes uma necessidade para mim, uma imposição. Ai de mim se eu não pregar o Evangelho” (1Cor 9,16).

E pregando, vivamos, pois diz ele mesmo:

“Trato duramente o meu corpo e o subjugo, para não acontecer que, depois de ter proclamado a boa nova aos outros, eu mesmo seja reprovado” (1Cor 9, 27).

Quando a Misericórdia, o Amor de Deus em ação, na ação dos que creem, for vivida, com ousadia, vigor, ardor inextinguível, e paixão por Cristo, à luz da espiritualidade paulina, resplandecerão os sinais do Reino: amor, verdade, justiça e paz, reencantamento da vida.

Somente guiados pela Luz Divina, seremos para o irmão e irmã, com humildade, guias luminosos!

Oremos:

Oh múltipla face da Misericórdia Divina,
semente plantada que, abundantemente, germina!

Oh múltipla face da Misericórdia Divina,
Que toda cegueira elimina!

Oh múltipla face da Misericórdia Divina,
Que toda hipocrisia abomina!

Oh múltipla face da Misericórdia Divina,
Que nossos olhos ilumina!

Oh múltipla face da Misericórdia Divina,
Que a humanidade incansavelmente ensina!
Amém! 

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