domingo, 31 de dezembro de 2023

O pós-dilúvio e o casamento

                                                     

                 O pós-dilúvio e o casamento

 
Reflexão sobre o Sacramento do Matrimônio, à luz das passagens bíblicas: Gn  8, 6-13.20), Sl 115 e Evangelho de Marcos (Mc 8, 22-26).
 
A passagem de Gênesis retrata os primeiros dias depois do dilúvio e o Evangelho apresenta-nos a cura do cego de Betsaida.
 
Reflitamos sobre o quanto a Palavra de Deus pode nos iluminar, relacionando os primeiros dias pós-dilúvio com a realidade do casamento e o que tem a ver a cura do cego com a realidade do casamento.
 
No fim de quarenta dias de chuva, Noé envia a pomba que na primeira vez retorna sinalizando que ainda não havia baixado as águas.
 
Na segunda vez, ao entardecer volta trazendo no bico um ramo de oliveira. Mais sete dias de espera e recomeça a história do pós-dilúvio.
 
Noé e sua família têm que recomeçar uma nova história, terão de ser fecundos, multiplicar sobre a terra. É o recomeço, a reconstrução, o reinício…
 
O casamento também tem seus momentos de recomeço, reconstrução e reinício, com a espera da volta de um entardecer com a alegre notícia, de que as águas secaram e um novo tempo se pode começar.
 
O casamento é um eterno recomeço. Muitas vezes “quarenta dias de chuva” se prolongam nos relacionamentos conjugais, parecendo uma chuva interminável, parecendo que tudo vai alagar, inundar, afundar; sonhos são naufragados, submersos nas dificuldades e pesadelos, nas carências e ausências... Muitas vezes parece já não restar nenhuma esperança, um aparente fim anunciado que já mais poderá ser reiniciado.
 
O pós-dilúvio aponta para o eterno recomeço de um casamento. Recomeçar sempre cada dia, com entusiasmo, com fé e coragem. Reconstruir o que possa aparentemente ter desmoronado. Redimensionar os espaços, alargar horizontes do amor, do perdão, da compreensão.
 
Quantas vezes casais recomeçaram uma nova história, uma nova proposta, um reencantamento? Pode ter sido num Encontro de Casais, um Sacramento da reconciliação buscado; uma palavra amiga que os tenham despertado…
 
De fato, Deus desistiu de destruir a humanidade, para além de toda infidelidade, maldade, iniquidade, desobediência. O perdão possibilitou o recomeço da humanidade com o dilúvio.
 
Quantos relacionamentos se refizeram a partir da prática do perdão. Há um pensamento que traduz isto; “Se quiserdes ser feliz por um instante: vingai-vos. Se quiserdes ser feliz para sempre: perdoai-vos”. Sem perdão, reconciliação, não há casamento que possa durar. Não só o casamento, pois o perdão é a mais bela expressão de que o Amor falou mais forte que o pecado.
 
 
Logo em seguida, vemos Noé tomando as providências para erguer um Altar para Deus, oferecendo animais em holocaustos sobre ele. A Sagrada Escritura diz que Deus respirou o agradável odor e prometeu nunca mais amaldiçoar a terra por causa da desobediência da humanidade, e nada deixar faltar. Mais duas respostas encontramos.
 
A gratidão, o culto, a relação de Noé com Deus: expressos na construção de um Altar. Que haja estreita relação de toda mesa com a Mesa Sagrada do Altar. As mais belas mesas de uma casa o deixam de ser se não estiverem ligadas com a Mesa Sagrada do Altar.
 
De nada adiantam belos castiçais, se não houver a procura do Cálice Sagrado e da Bebida que o purifica. Os mais belos pratos numa mesa não têm beleza alguma se não estiverem ligados com a Patena do Altar, onde o Corpo de Cristo Se encontra para ser partilhado numa grande Festa de amor, partilha e comunhão.
 
A gratidão de Noé para com Deus: a ação de graças que se há de celebrar sempre – as famílias precisam se voltar mais para o Altar, se reunindo com frequência ao seu redor. Sem o encontro do Altar, não haverá alegria em nenhum lar, porque o amor facilmente há de faltar.
 
Deus é o Deus providente. Nada nos deixa faltar. Um casamento onde Deus tem Seu devido lugar, nada há de faltar. Como o Salmista reza – “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” – tudo concorre para o bem daqueles que o Senhor ama. Pode um casal ficar sem coisas materiais, efêmeras, mas não sem Deus e o Seu indispensável amor e providência.
 
Com o Salmo, refletimos sobre tantas experiências que pais vivem ao verem seus filhos partirem para junto de Deus. Aqui a Palavra deve falar por si mesma: “É sentida por demais pelo Senhor a morte dos inocentes”. Deus Se faz presente na vida do casal, dos pais que celebram a páscoa de seus filhos, com compaixão. Assim esteve presente na morte de Seu Filho, plantando para sempre no coração de Maria e de toda a humanidade a esperança e certeza da Ressurreição em que a Vida venceu a Morte.
 
Quanto à passagem do Evangelho, em que Jesus curou a cegueira daquele homem de Betsaida, também reflitamos.
 
O cego representa a humanidade, o catecúmeno na busca da Luz que somente em Deus se encontra – “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não anda nas trevas, mas tem a luz do mundo” (Jo 8,12).
 
O casamento é este mistério da cura de toda cegueira. Quantas vezes o casal se vê em situações e num primeiro momento não enxerga saídas, não encontra respostas? Porém, Palavra ouvida, sabedoria do Espírito pedida, visão restabelecida, caminhos encontrados. Uma luz se acende sempre quando a Deus se recorre. Não há escuridão que possa ocultar a luz de Deus.
 
O casamento é esta constante busca da cura, do novo olhar. A cegueira pode tomar conta quando fala mais alto o egoísmo, a indiferença, o individualismo, o fechamento, o isolamento, a apatia, a falta de fé, a falta de oração, numa palavra, a ausência de momentos de interioridade e intimidade com Deus e entre o próprio casal. É necessário que o casal tenha momentos de intimidade com Deus juntos, momentos de oração iluminadores, restauradores.
 
Ouvi certa vez de um casal: “Quando deixamos de rezar, as coisas começaram a não dar mais certo”. Logo concluímos que a oração do casal é um colírio indispensável e que evita toda miopia espiritual.
 
Somente a Luz do Espírito Santo para revitalizar casamentos para um sempre luminoso pós-dilúvio. Assim os casais poderão dizer juntos: “Quando vemos a Luz, enxergamos a Esperança, revigoramos a fé, contemplamos a caridade que jamais passará! A Caridade renova a fortaleza de ânimo para suportar todo labor, opróbrio e injúria, sem nada pensar de mal…”, como disse o Abade São Máximo (séc. VIII).
 
Elevemos orações para que os casais mantenham acesa a luz em seus lares, pequenas Igrejas domésticas, enfrentando o desafio dos ventos que sopram querendo apagar as luzes que foram acesas em tantos corações; nos corações daqueles que procuram fazer do casamento um sinal do Amor de Deus.
 
Curados pelo Senhor e por sua Palavra, vejamos para além das aparências de um eminente caos, o reinício de uma nova história e, também, o regar da semente das forças que parecem exaurir totalmente em tantos casais.
 
Continuemos refletindo e nos empenhando pela Santificação da Família, fazendo um ato de fé de que o Sacramento do Matrimônio não pode ceder ao evangelho do mundo, que o anuncia como algo superado.
 
Cremos na Boa Nova do Evangelho e que o casamento é um Mistério Sagrado, carregando seus maravilhosos mistérios e o maior deles, o Mistério Pascal.
 
O casamento é, verdadeiramente, um Mistério de Paixão, Morte e Ressurreição: tem suas cruzes, mas também suas luzes, por isto é preciso rezar sempre:
 
“Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis, e acendei neles o fogo do Vosso amor. Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado. E renovareis a face da terra.”.
 

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