Ah, se nossas famílias escutassem o Anjo do Senhor...
Na Liturgia da Palavra na Festa da Sagrada Família (ano A), refletimos sobre aquele momento inesquecível em que por três vezes há menção da comunicação do anjo a José.
A primeira comunicação é quando o Anjo diz em sonho a José: “Levanta-te, pega o menino e sua mãe foge para o Egito” (Mt 2,13).
No Egito o anjo continua acompanhando e comunicando a José os desígnios divinos: “Levanta-te, pega o menino e sua mãe e volta para a terra de Israel: pois aqueles que procuravam matar o menino já estão mortos” (Mt 2,20).
E por último: “... depois de receber um aviso em sonho, José retirou-se para a região da Galileia, e foi morar numa cidade chamada Nazaré” (Mt 2,22-23).
Como o próprio Missal Dominical afirma: “Nem tudo é idílio, paz e serenidade na família: ela passa pelos sofrimentos e dificuldades do exílio e da perseguição; pelas crises do trabalho, da separação, da emigração, do afastamento dos pais... como em todas as outras, há alegrias e sofrimentos, desde o nascimento até a infância e a idade adulta; ela amadurece através dos acontecimentos alegres e tristes para cada um de seus membros... Maria e José não se calam, não apresentam objeções sobre a opção de Jesus; inconsciente e intuitivamente percebem que é uma escolha que os exclui (ou parece excluí-los) da vida de seu único filho, uma opção semeada das lágrimas e sangue, mas a aceitam, porque essa é a vontade de Deus”.
Fixemo-nos por alguns instantes contemplando a Sagrada Família, lá no Egito, distante dos seus, em terra estranha, tudo tão diferente. Longe de suas raízes, como tantos hoje...
E, certamente não veremos nem ouviremos lamentações, posturas incrédulas e nem revolta contra Deus... Nem blasfêmias se elevaram contra Deus por tamanho infortúnio, por tamanha responsabilidade, por imensurável peso carregado sobre os ombros.
É impensável e impossível que José tenha dito, como talvez alguns de nós diríamos: “Por que estou nesta enroscada, se esta criança nem é minha?”, “Não basta tanta gozação, ironia que suportei dos amigos... (que amigos?)”, “que fria, que roubada eu entrei...”. “Ah se pudesse voltar atrás, não teria assumido esta missão”. “Não devia ter ouvido o anjo na primeira vez, devia ter ouvido meus instintos e ter abandonado Maria em segredo...”.
Da mesma forma, é impensável e impossível, sequer um momento, Maria ter percebido tais expressões borbulhando na mente e fervendo no coração de José. Jamais Maria teria assim pensado ou tão pouco dito: “deveria ter dito não ao anjo”, “Deus deveria ter escolhido outra...”, “Se não tivesse aceitado a ação do Espírito, se não tivesse acreditado nesta possibilidade, hoje estaria junto de meus pais, sem nenhum medo no coração, não teria ouvido tanta coisa como ouvi dos meus amigos e familiares...”
Na sua mente e coração apenas uma certeza: “O Senhor fez em mim maravilhas...”. No seu coração a “Cantora Divina” que entraria, alguns anos depois, nos céus, apenas cantava e se reencantava com o Magnificat...
Sabia que o seu sim dado, não inconsequentemente, mas dado com toda coragem, jamais poderia deixar de encontrar resposta de Deus, pois é próprio do Amor de Deus se fazer presente, não somente na hora que chama, mas em todos os momentos do envio, da missão. É próprio do amor se manifestar ininterruptamente para que o êxito da missão do amado chegue a pleno termo.
Ah, quantas lições esta Santa Família, Sacra Família, Sagrada Família, Santíssima Família.
Cada vez mais aprendemos que o amor de Deus e as coisas divinas são mais do que inexprimíveis em palavras, mas contempladas no coração, como no coração daqueles da Sagrada Família...
Urge que nossas famílias aprendam mais esta lição para que sejam um reflexo desta, que é por todo o sempre a Família de todas as famílias, porque nela o Verbo encontrou aceitação, acolhida, espaço, proteção, cuidado, carinho, ternura, palavras de sabedoria, aprendizados primeiros que toda criança deve ter.
Aquela criança ali carregada, como já fora carregada no ventre, que um dia em forma de homem, coração pela lança trespassado, sem vida, na espera da Ressurreição também em seus braços receberá, e na Mesa do Altar, estremecida, extasiada, emocionada, ouvirá, quando os Apóstolos disserem – “Isto é meu Corpo dado por vós... Tomai todos e bebei, este é o Cálice do meu Sangue...”
Os primeiros choros consolados, as primeiras dores aliviadas, as primeiras feridas curadas, as primeiras gotas de sangue caídas, contempladas, os primeiros sorrisos partilhados, os primeiros sonhos plantados, e um dia, na Mesa da Eucaristia, eternizados em alegre e confiante certeza de que o Reino de Amor, Verdade, Justiça e Paz foi inaugurado.
Maria e José nos ensinem as mais belas lições do silêncio orante, contemplativo, do relacionamento familiar edificante e estruturante, do trabalho árduo e participativo na obra da criação divina.
Tenhamos ouvidos e coração de José e de Maria, para acolher o Menino Deus, o Verbo, com mesmo amor, carinho, paixão e ternura...
Tenhamos, também, coragem de ouvir o Anjo de Deus que nos interpela, incansavelmente, no amor e na defesa da vida...
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