Natal do Senhor: um novo recomeço
Ao celebrar o Natal do Senhor, sejamos iluminados pelo Sermão do Bispo Santo Agostinho (séc, V).
“No princípio existia a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus, e também: a Palavra Se fez carne e habitou entre nós. Talvez possamos dizer o motivo pelo qual habitou entre nós; talvez ele possa ser explicável onde quis ser visível. Por isso celebramos também este dia que Se dignou nascer de uma virgem, permitindo que, de alguma forma, Sua geração fosse narrada pelos homens.
Mas quem narrará Sua geração, isto é, aquela que teve lugar na eternidade, e pela qual nasceu Deus de Deus? Eternidade na qual não existe um dia que possa ser celebrado solenemente, que passa para voltar cada ano, mas que permanece sem ocaso, porque também não teve aurora. Assim, a Palavra única de Deus, a vida e luz dos homens, é o dia eterno. Em vez disso temos este em que, unido à carne humana, fez-Se como esposo que sai de seu leito nupcial. No entanto, o dia de hoje nos leva ao dia eterno, porque o dia eterno, ao nascer de uma virgem, tornou sagrado o dia de hoje.
Que louvores proclamaremos, pois, ao amor de Deus! Quantas graças temos de lhe dar! Tanto nos amou que por nós foi feito no tempo Aquele por quem foram feitos os tempos, e neste mundo teve idade menor que muitos de Seus servos Aquele que era mais antigo que o mundo por Sua eternidade.
Tanto nos amou que Se fez homem Aquele que fez o homem; foi criado por uma mãe a qual Ele tinha criado; foi levado nas mãos que Ele formou, se amamentou do peito que Ele encheu, e chorou no presépio a infância muda, a Palavra, sem a qual é muda a eloquência humana.
Considera, ó homem, o que Deus veio a ser por ti; aprende a Doutrina de tão grande humildade da boca d’Aquele Doutor que ainda não fala.
Em outra época, no paraíso, tu foste tão fecundo que impuseste o nome a todo ser vivente; apesar disso, deitado no presépio sem falar, estava o Teu Criador; sem chamar por seu nome, nem sequer a sua mãe.
Tu, descuidando da obediência, te perdeste no amplo jardim de árvores frutíferas; Ele, por obediência, veio em condição mortal a um estábulo apertado, para buscar, mediante a morte, ao que estava morto. Tu, sendo homem e para tua perdição, quiseste ser Deus; Ele, sendo Deus, quis ser homem para encontrar o que estava perdido. Tanto te oprimia a soberba humana, que somente a humildade divina podia te levantar.
Celebremos, pois, com alegria o dia em que Maria deu à luz o Salvador; a casada, ao Criador do matrimônio; a virgem ao príncipe das virgens; ela que era virgem antes do matrimônio; virgem no matrimônio, virgem durante o parto, virgem quando amamentava. De fato, de nenhum modo o Filho todo-poderoso violou, ao nascer, a virgindade de Sua mãe, escolhida por Ele” (1)
Retomo o convite à consideração que o Bispo nos fez, e faço uma súplica diante do Senhor, cujo Nascimento acabamos de celebrar:
Ó Deus, embora sem mérito algum, contemplo e glorifico o que vieste a ser por nós.
Peço-Vos a graça de aprender a Doutrina de tão grande humildade da boca d’Aquele Doutor que ainda não falava, mas quando saiu pelo mundo em missão, tinha para todos Palavra de Luz, Salvação e Vida Eterna.
Diante de Vós, que Vos fizestes presença na forma de uma Criança, em Belém, deitado no presépio sem falar, Vos reconhecemos como nosso Criador; sem chamar por seu nome, nem sequer a sua mãe. Vós que nos fizestes, no princípio, no paraíso, tão fecundos e com a ordem de impor nome a todo ser vivente;
Reconhecemos nossa desobediência, quando nos perdemos no amplo jardim de árvores frutíferas; Vós quem ao se fazer Carne, por obediência, viestes em condição mortal a um estábulo apertado, para buscar, mediante a morte, nós que jazíamos na sombra da morte e do pecado.
Cremos ó Deus em Vós que tudo e a todos nós, pelo Vosso Filho, criastes por amor; glorificamos Vosso Filho, o Verbo que Se fez Carne para ser tocado; Palavra para ser ouvido.
Contemplamos Vossa infinita misericórdia ao vir ao encontro de nossa miséria, nós que sendo homens quisemos ser como Deus, e Vós, Filho Amado, que sendo Deus, Vos fizestes homem para nos reencontrar, quando estávamos perdidos.
Ó Deus, reconhecemos e confessamos nosso pecado da soberba humana, diante de Vossa bondade e misericórdia.
Ó Senhor Jesus, humildade tão divina, Vós e tão somente Vós podeis nos levantar e nos por de novo no caminho da reconstrução do paraíso, um dia perdido, a ser eternamente reencontrado e reconstruído, com renovados sagrados compromissos com o Reino, por Vós inaugurado, com a luz do Vosso Santo Espírito. Amém.
(1)Lecionário Patrístico Dominical - Editora Vozes – 2013 - pp. 38-39
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