segunda-feira, 26 de junho de 2023

Sem murmurações, julgamentos e desprezo


Sem murmurações, julgamentos e desprezo

Na segunda-feira da 12ª Semana do Tempo Comum, ouvimos a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 7,1-5).

Iluminadora é a “Conferência sobre o julgamento do próximo”, escrita por São Doroteu de Gaza (séc. VI), para a reflexão desta passagem do Evangelho.

“Irmãos, se recordarmos bem as sentenças dos santos anciãos e as meditamos sem cessar, difícil será que pequemos ou que sejamos negligentes.

Se como eles nos dizem, não menosprezarmos o pequeno e aquilo que julgamos insignificante, não cairemos em faltas graves. O repito sempre a vocês. Por coisas ligeiras, como dizer por exemplo: ‘O que  é isto? O que é aquilo?’, nasce um mau hábito na alma, e se começa a desprezar inclusive as coisas importantes. Percebem quão grave é o pecado que se comete ao julgar o próximo? O que há de mais grave? Existe algo que Deus deteste tanto e do qual se afaste com tanto horror?

Os Padres disseram: ‘nada é pior do que julgar'. E, contudo, é por estas coisas que se dizem ser de pouca importância, que se chega a um mal tão grande. Se admite uma ligeira suspeita contra o próximo, se pensa: ‘O que importa se escuto o que tal irmão diz? O que importa se também eu digo somente esta palavra? O que importa se vejo o que vai fazer aquele irmão ou aquele estranho?’, e o espírito começa a esquecer os seus próprios pecados e a ocupar-se do próximo. Daí vem os juízos, murmurações e desprezos, e finalmente se cai nas faltas que se condenavam.

Quando alguém é negligente, a respeito de suas próprias misérias, quando alguém não chora a sua própria morte, segundo a expressão dos padres, não pode corrigir-se nunca, porque se ocupa constantemente do próximo. Entretanto, nada irrita tanto a Deus, nada despoja ao homem e lhe conduz ao abandono, como fato de murmurar do próximo, de julgá-lo e de desprezá-lo.

Murmurar, julgar e desprezar são coisas diferentes. Murmurar é dizer de alguém: ‘aquele mentiu’, ou: ‘enraivecer-se’, ou: ‘fornicou’. Ou outra coisa semelhante. Se murmurou dele, ou seja, se falou contra ele se revelou seu pecado, existe impulsos da paixão.

Julgar é dizer: ‘aquele é um mentiroso, colérico, fornicário’. Eis aí que se julga a própria disposição de sua alma e se aplica a sua vida inteira, dizendo que ele é assim, e se lhe julga como tal. Isto é grave. Porque uma coisa é dizer: ‘encolerizou-se’, e outra coisa: ‘é colérico’, pronunciando-se desta forma sobre toda a sua vida.

Julgar ultrapassa em gravidade a todos os pecados, de modo que Cristo mesmo disse: ‘Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás tirar o cisco do olho do teu irmão’. A falta do próximo a comparou com um cisco, e o juízo uma trave, pois o julgar é muito grave, mais grave talvez que cometer qualquer outro pecado.

O fariseu que orava e dava graças a Deus por suas boas ações, não mentia; mas dizia a verdade; não foi condenado por isso. Na realidade devemos dar graças a Deus pelo bem que Ele nos concede realizar, já que é com a Sua ajuda e Seu auxílio.

Desta forma, ele não foi condenado por ter dito: “Não sou como os demais homens’; não. Foi condenado quando, voltando-se para o publicano, acrescentou: ‘nem como esse publicano’. Foi então quando se tornou gravemente culpado, porque julgava a própria pessoa do publicano, as próprias disposições de sua alma, em uma palavra: sua vida inteira. Por isso, o publicano partiu dali justificado e ele não. Não há nada mais grave, nada mais prejudicial, e o digo com frequência, que julgar ou desprezar ao próximo”.

À luz da Conferência, reflitamos sobre os nossos relacionamentos quotidianos, e o quanto também podemos incorrer em graves murmurações, julgamentos e desprezos, tornando desagradáveis a Deus nossas palavras e orações.

Antes, é preciso que nos voltemos para nossa própria “miséria”, como o autor mesmo afirma, e sintamos a necessidade da misericórdia divina, sem nos tornarmos parâmetros de santidade e salvação para o outro.

É sempre tempo de aprendermos a viver a misericórdia, compadecendo-se com fragilidade do nosso próximo, o que não é sinônimo de conivência, cumplicidade. 

A misericórdia divina não se afasta da justiça, tão pouco da verdade, não exclui nem elimina o pecador, mas abomina o seu pecado.

Urge que aprendamos e vivamos a misericórdia querida por Deus, a fim de que sejamos misericordiosos como o Pai (Lc 6, 36), e tão somente assim, nossas orações se tornarão agradáveis e chegarão ao coração de Deus,   sendo por Ele ouvidas, e assim, alcançaremos a justificação.


(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013 – pp.741-743


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