“O homem sofre muito, porque tem pretensões imensas.” Como contestar esta afirmação?
Ouvi uma atriz dizer no meio de uma entrevista, enquanto fazia um “zapping” na TV, pois quem consegue ficar muito tempo diante de um canal apenas?
Depois de ouvir esta afirmação, ao encerrar a entrevista, nada mais quis ver, pois não era preciso. Quis apenas mergulhar no mais profundo do meu pensamento, contra todos os “ruídos” que teimavam em me impedir. É preciso ter coragem para mergulhar, ao menos de vez em quando, no mais profundo de nós.
Coragem sim, pois lá dentro de nós podemos enxergar e ouvir nossos próprios temores, que nos assaltam consciente ou inconscientemente.
Coragem para deixar velado o que nos esforçamos por vezes tornar oculto, inacessível, intocável.
Coragem para ver as feridas mais doloridas, que não são as que estão na exterioridade da carne, mas aquelas que teimam não sarar porque lá nas entranhas de nossas redes, sentimentos e emoções.
Mas voltemos à afirmação que me inquieta e da qual não consigo me desvencilhar, ainda que o queira. Por que ela incomoda, sobretudo, a nós homens?
Mas há nela verdade incontestável, diante da qual nem o repórter conseguiu arguir com contestações ou relativizações.
Quantos sofrimentos nós homens poderíamos evitar se nossas pretensões não fossem tão imensas?
Como não lembrar aqui de uma belíssima afirmação de Edgar Morin (antropólogo francês): é preciso ver o homem e a mulher como seres inacabados, mais ainda, como em processo de inacabamento final.
Há que se concordar que quão mais imensas forem nossas pretensões, maiores serão nossos sofrimentos, pois nem sempre a correspondência se alcança e a cobrança intermitente cansa, exaure todas as forças, que se canalizadas para outros objetivos nos fariam mais felizes.
É sempre necessário que tracemos objetivos, deixemos gravadas em nossa memória, no recôndito mais secreto de nossa alma, nossas pretensões (homens ou mulheres), nossas metas a serem alcançadas.
Que elas não sejam tão imensas, para que não nos façam sofrer inutilmente, mas que também não sejam tão limitadas, pequenas, que não nos impulsionem, não nos motivem a lutar por nossos sonhos.
Que nossas pretensões sejam na exata medida de quem já é feliz pelo que é e tem, e pelo poder que possui (afastado de toda possibilidade de dominação sobre o outro).
Em diversas passagens do Evangelho, o Senhor nos garante que a felicidade não reside no muito acumulado, no poder e no domínio, no prestígio máximo que se possa alcançar.
Voltemo-nos para aqueles inesquecíveis dias que Ele passou no deserto, enfrentando as ciladas do antigo inimigo e vencendo as tentações fundantes de tantas quantas possam gerar: ter, poder e ser.
Renovemos sempre a santa pretensão, o salutar compromisso de ver o Reino acontecer materializado e visibilizado em relações de amor, verdade, justiça, ternura, bondade, liberdade e paz...
Há pretensões imensas que nos fazem pequenos, há pretensões autênticas, ainda que aparentemente utópicas e intangíveis, que nos alcançam a verdadeira alegria e menos sofrimento. E, se sofrimento houver que não seja por consequência de pretensões mesquinhas, individualistas, inúteis, impostas que não nos dão as melhores respostas.
Tenhamos a pretensão de sermos felizes sem fugir das Bem-Aventuranças que o Senhor nos propõe (Mt 5, 1-12).
Cada um de nós, homens e mulheres, felizes seremos quando nossas pretensões não se contrapuserem, não nos autodestruírem, e tão pouco o planeta comum em que habitamos.
As pretensões imensas não apenas destroem os homens, mas com eles mulheres, crianças, jovens, animais, natureza, planeta... Mas aqui já é o começo de outra reflexão...
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