Política: a prática sublime da caridade
“A Sagrada Escritura é para nos ajudar a decifrar o mundo; para
nos devolver o olhar da fé e da contemplação, e transformar
a realidade numa grande revelação de Deus”.
Apesar das dificuldades e decepções, não podemos recuar, nem nos omitir dos sagrados compromissos com a atividade política, que deve ser a prática sublime da caridade, como nos ensina a Doutrina da Igreja, e como tão bem expressou o Bem-Aventurado Papa Paulo VI, na “Octogesima Adveniens” (parágrafo n.46), em 1971 ao celebrar o octagésimo aniversário da Rerum Novarum, que nos fala sobre um tema que está na pauta do dia: a política como promoção do bem comum:
- O poder político a serviço do bem de todos e além das fronteiras nacionais:
“Atendo-se, pois, à sua vocação própria, o poder político deve saber desvincular-se de interesses particulares, para poder encarar a sua responsabilidade pelo que se refere ao bem de todos os homens, passando mesmo para além das fronteiras nacionais”.
- A política tomada a sério, em seus diversos níveis, na promoção do bem comum:
“Tomar a sério a política, nos seus diversos níveis, local, regional, nacional e mundial, é afirmar o dever do homem, de todos os homens de reconhecerem a realidade concreta e o valor da liberdade de escolha que lhes é proporcionada, para procurarem realizar juntos o bem da cidade, da nação e da humanidade”.
- Uma definição do que vem a ser a política:
“A política é uma maneira exigente - se bem que não seja a única - de viver o compromisso cristão, ao serviço dos outros. Sem resolver todos os problemas, naturalmente, a mesma política esforça-se por fornecer soluções, para as relações dos homens entre si”.
- O campo de atuação e domínio da política:
“O seu domínio é vasto e abrange muitas coisas, não é porém, exclusivo; e uma atitude exorbitante que pretendesse fazer da política algo de absoluto, tornar-se-ia um perigo grave”.
- A autonomia da realidade política e o compromisso dos cristãos em coerência ao Evangelho:
“Reconhecendo muito embora a autonomia da realidade política, esforçar-se-ão os cristãos, solicitados a entrarem na ação política, por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho e, dentro de um legítimo pluralismo, por dar um testemunho, pessoal e coletivo, da seriedade da sua fé, mediante um serviço eficaz e desinteressado para com os homens”.
Ontem, hoje e sempre, ecoam as palavras do Papa Paulo VI, em 1975, que nos levam a refletir sobre a missão do cristão leigo e leiga e de todo batizado no mundo:
“Os leigos, a quem a sua vocação específica coloca no meio do mundo e à frente de tarefas as mais variadas na ordem temporal, devem também eles, através disso mesmo, atuar uma singular forma de evangelização...
O campo próprio da sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos "mass media" e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento.”. (Evangelli Nuntiandi, n.º 70)
Também são oportunas as palavras dos Bispos na Conferência Nacional (CNBB), quando disseram nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no Brasil (2015-2019):
“Promova-se cada vez mais a participação social e política dos cristãos leigos e leigas nos diversos níveis e instituições, por meio de formação permanente e ações concretas.
Com a crise da democracia representativa, cresce a importância da colaboração da Igreja no fortalecimento da sociedade civil, na luta contra a corrupção, bem como no serviço em prol da unidade e fraternidade dos povos, em especial na América Latina.” (n.123).
Urge que, no testemunho da fé, como discípulos missionários do Senhor, vivamos a atuação e compromisso político, como concretização e promoção do bem comum, para que sejamos sal, fermento e luz.
Embora a nossa participação política não se esgote no período eleitoral, este é um momento privilegiado, frente à possíveis descasos do poder público, precariedade de serviços necessários à população, desvios ou não aplicação verbas para o que é de fato essencial, e outros tantos fatos que clamam por mudanças efetivas.
Como Igreja, iluminados pela Doutrina Social da Igreja, não nos é permitido omissão nestes sagrados compromissos de participação da construção do Reino de Deus inaugurado por Jesus, com a força do Espírito Santo.
Porém, se dificuldades existem, a Palavra de Jesus, ontem, hoje e sempre, nos renova para os sagrados compromissos: “Não temais, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,32).
E para que superemos os nossos medos, na desafiadora e necessária participação política, Ele afirma ainda: “Coragem, Eu venci o mundo” (Jo 16,33).
Seja a Palavra de Deus luz em nossas reflexões, compreensão da realidade e, sobretudo, uma Palavra decisiva em nossa vivência da fé, na prática da verdadeira política que, como vimos, é a sublime prática da caridade.
Esteja a Palavra de Deus em nossas mãos e mente, pois como afirmou Santo Agostinho - “A Sagrada Escritura é para nos ajudar a decifrar o mundo; para nos devolver o olhar da fé e da contemplação, e transformar a realidade numa grande revelação de Deus”.
E ainda, retomando a preciosa citação da poetisa Gabriela Mistral: “Dai-me, Senhor, a perseverança das ondas do mar que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço”, façamos desta situação adversa que vivemos um momento favorável.
Se os fatos revelam um notável recuo, é a partir do recolhimento, reflexão, formação e diálogo, que juntos reencontraremos o caminho da construção e solidificação da democracia, com a preservação da liberdade de participação política de todos; transparência necessária na administração do bem público; fortalecimento dos espaços de participação e decisão dos rumos de nossa nação em todos os níveis (municipal, estadual, nacional). Portanto, que o “recuo das ondas” não seja sinônimo de apatia, indiferença, omissão diante da vocação política que todos possuímos.
Não nos foi dado um espírito de timidez e desânimo, como falou o Apóstolo Paulo – “Pois Deus não nos deu espírito de timidez, mas de poder, de amor e de equilíbrio” (2 Tm 1,7), pois é o Espírito Santo que nos orienta e conduz, para que avancemos no inadiável compromisso com o anúncio e testemunho da Boa-Nova de Jesus Cristo, participando alegres e corajosamente da construção de um mundo novo, justo e fraterno, com vida plena e feliz para todos.
Enfim, encorajados pela Palavra do Senhor, luz para nosso caminho, assim como o Povo de Deus viveu e celebrou a noite da libertação da escravidão do Egito e a celebrou com cantos e júbilo, também nós, partícipes da Nova e Eterna Aliança, revigorados pelo Banquete de Eternidade, nos empenhemos concretamente nesta noite de libertação, que se repete ao longo da história, quando não nos omitimos e nos comprometemos no escrever de novas linhas da história com vida plena, digna, abundante e feliz para todos, como Igreja, participando com todo o empenho na construção do Reino de Deus.