quinta-feira, 26 de outubro de 2023

A chama do divino amor (24/10)

                                            

A chama do divino amor

Na Liturgia da quinta-feira da 29ª Semana do Tempo Comum, ouvimos a passagem do Evangelho de Lucas (Lc 12,49-53).

Oportuno para refletirmos sobre a radicalidade da missão, como discípulos missionários do Senhor, na vivência da vocação profética que Ele nos confia.

O Evangelista Lucas nos apresenta a missão de Jesus: “lançar fogo a terra”, ou seja, colocar fim ao egoísmo, escravidão do pecado, inaugurando assim o Reino de Deus.

No entanto, trata-se de uma proposta exigente e radical: “Vós pensais que vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, Eu vos digo, vim trazer divisão” (Lc 12,51).

Como entender estas difíceis Palavras de Jesus? Consideremos que tem em Seu horizonte a Cruz, e é nesta perspectiva que devemos compreender Suas Palavras, segundo o Evangelista Lucas: é uma mensagem catequética para preparar os discípulos na compreensão da missão de Jesus, a radicalidade do Reino e as exigências para todos os que aderirem à Sua proposta e se puserem no mesmo caminho.

O simbolismo do fogo: 
Jesus veio revelar à humanidade a santidade de Deus; com isto a destruição do egoísmo, da injustiça, da opressão que roubam a beleza da vida em todos os seus âmbitos e sentidos.

O Evangelista Lucas retomará o simbolismo do fogo em Pentecostes, quando o Espírito seria enviado aos discípulos reunidos, na imagem das línguas de fogo.

O fogo que Jesus veio acender é um fogo purificador e transformador que deve atingir o coração de todos nós e transformar a nossa vida. O fogo que Ele traz a terra é o fogo do amor que desmascara nossas recusas, mas ao mesmo tempo as purifica.

Jesus veio comunicar uma paz diferente (não a paz dos cemitérios, da “pax romana”, uma paz apodrecida). A paz que Ele veio comunicar é o “Shalom”, plenitude de vida para todos, de modo especial para os empobrecidos, para os marginalizados.

E isto não se dá sem os conflitos, denúncias, interpelações de conversão: alguns aceitarão, outros a rejeitarão e O eliminarão na morte de Cruz:

“Jesus veio trazer a paz, mas a paz que é vida plena vivida com exigência e coerência; essa paz não se faz com ‘meias tintas’, com meias verdades, com jogos de equilíbrio que não chateiam ninguém, mas também não transformam nada. A proposta de Jesus é exigente e radical; assim, não pode deixar de criar divisão... Jesus veio pôr a nu o nosso coração. Escolher por ou contra Jesus: inevitavelmente, surgirão conflitos”. (1)

A Paz que Jesus veio comunicar é fruto do amor desconcertante por causa de sua exigência maior, que consiste no amor aos inimigos, assim como é o amor do Pai que Ele anuncia e testemunha.

Reflitamos:

- Sentimos o fogo do Espírito aceso em nossos corações, na vida da comunidade?

- O que entendemos por paz e qual nosso compromisso com ela?

- Quando, de fato, somos causa de divisão por causa da Palavra e da Pessoa de Jesus e não por causa de nossas fraquezas, imperfeições e pecado?

Seja o nosso coração inflamado pelo fogo purificador do amor do Senhor, tão somente assim seremos verdadeiros discípulos Seus, e viveremos com ardor e coragem a vocação profética que Ele nos confia.

Acendei, Senhor, em nós a chama do Vosso divino amor!


(1) cf. www.dehonianos.org.br

Alma vivente, Espírito Vivificante

                                                         


Alma vivente, Espírito Vivificante

Sobre o Verbo que Se fez Carne, a Sabedoria de Deus presente na história da humanidade, o Bispo São Pedro Crisólogo (séc. V) nos enriquece com seu Sermão. 

“O santo Apóstolo refere que dois homens deram início ao gênero humano: Adão e Cristo. Dois homens, iguais quanto ao corpo, mas desiguais no valor. Com toda a verdade, inteiramente semelhantes na compleição física, mas, sem dúvida, diferentes por seu princípio. O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente; o último Adão, espírito vivificante (1Cor 15,45).

O primeiro foi feito pelo último, de quem também recebeu a alma para poder viver. É ele figura de Seu criador, que não espera de outro a vida, mas só Ele a concede a todos. Aquele de limo vil é plasmado; este vem do precioso seio da Virgem. Naquele a terra se muda em carne; neste a carne é promovida a Deus.

E que mais? É este o Adão que naquele primeiro pôs Sua imagem ao criá-lo, e d'Ele recebeu não só a personalidade, mas ainda o nome para que, tendo-o feito para Sua imagem, não viesse a perecer.

Primeiro Adão, último Adão. O primeiro tem começo, o último não conhece fim. Porque o último é na realidade o primeiro, conforme suas palavras: Eu, o primeiro, e Eu, o último (Is 48,12).

Eu sou o primeiro, isto é, sem começo. Eu, o último, absolutamente sem fim. Contudo, o que veio primeiro não foi o espiritual, mas o natural; em seguida, o espiritual (1Cor 15,46).

Na verdade, primeiro a terra, depois o fruto; mas não tão preciosa a terra quanto o fruto. Ela exige gemidos e trabalhos; este oferece Alimento e Vida.

Tem razão o Profeta de gloriar-se por tal fruto: Nossa terra deu seu fruto (cf. Sl 84,13). Que fruto? Aquele de que se fala em outro lugar: Do fruto de teu ventre porei sobre teu trono (Sl 131,11). O primeiro homem, diz o Apóstolo, vindo da terra, é terreno; o segundo, vindo do céu, é celeste.

Qual o terreno, tais os terrenos; qual o celeste, tais os celestes (1Cor 15,47-48). Não nasceram assim. De que maneira então se transformaram, deixando seu ser do nascimento, permanecem agora no ser em que renasceram?

Para isto, irmãos, o Espírito celeste fecunda por secreta infusão de sua luz a fonte do seio da Virgem, de sorte que aqueles que a origem da raça lamacenta produzira terrenos em mísera condição, sejam dados à luz celeste e elevados à semelhança de seu Criador.

Por conseguinte, já renascidos, já formados de novo à imagem de nosso Criador, realizemos a recomendação do Apóstolo: Portanto, como trouxemos a imagem do terrestre, traremos também a imagem do celeste (1Cor 15,49).

Já renascidos, como dissemos, em conformidade com nosso Senhor, verdadeiramente adotados por Deus como filhos, traremos com plena semelhança a imagem perfeita de nosso Criador; não quanto à majestade em que é único, mas na inocência, simplicidade, mansidão, paciência, humildade, misericórdia, concórdia, em que, por condescendência, Ele Se fez tudo isto por nós e nos deu Sua Comunhão.”

Temos um magnífico paralelo feito entre Adão, o primeiro homem, que foi feito alma vivente, e o último Adão, o próprio Jesus, o espírito vivificante!

Seduzidos por Sua vida, amor e presença, cada vez mais nos configuremos ao Senhor, para viver na inocência, simplicidade,  mansidão, paciência, humildade, misericórdia e concórdia. Tão somente assim estaremos enraizados e fundados na Divina Fonte de Vida, Amor e Paz, Jesus.

Abramos nosso coração se abra ao Espírito vivificante que o Senhor nos comunicou, Espírito Santo, para que, como barro nas mãos de Deus, por Ele continuemos a ser plasmados, modelados...

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

“Deus: Sol do Amor que faz amadurecer nossa liberdade!”

                                   

“Deus: Sol do Amor que faz amadurecer nossa liberdade!”

Esta reflexão do Missal Cotidiano nos oferece a possibilidade de meditar sobre a verdadeira liberdade, que consiste em viver a vida no Espírito, em absoluta fidelidade ao Pai, como Jesus o fez:

“Estar sem cadeias, sem saber em que direção andar, sem meta que dá um sentido à caminhada, não é liberdade, mas simples ausência de constrangimento ou espontaneidade.

Não é livre aquele que não obedece a ninguém, mas quem obedece a Deus. Em nossa adesão a Cristo, preso a obediência ao Pai, encontramos nossa verdadeira liberdade.

Cristo quis plenamente, a fundo, a vontade do Pai. Esta Sua decisão é lugar de maturação de nossa liberdade. Esta não se reduz a um desejo adolescente de afirmar, de qualquer modo, a própria personalidade.

Deus é Amor. Somente o Sol do Amor faz amadurecer a liberdade, como qualquer realidade do homem… Adulto é quem sabe assumir a própria responsabilidade.

Postos em face dos acontecimentos, com seu emaranhado de causas e consequências, facilmente nos metemos num jogo de empurra. A culpa, se existe, é dos outros, dos dirigentes, do governo, da hierarquia.

É índice de maturidade, também cristã, saber examinar-se sem fraquezas, e reconhecer a própria parte da responsabilidade…”. (1)

Sedentos da liberdade amadurecida, reflitamos:

Assim, Deus, o Sol do Amor, fará amadurecer nossa liberdade, que desde o ventre ansiamos…

Quantas promessas vazias de liberdade! Quantos desvios e desatinos da perfeita liberdade! Quanto se procura a liberdade sem o preço da responsabilidade, distanciando-se daquilo que verdadeiramente se aspira.

Oremos:

“Ó Deus, Vós que sois o Sol do Amor,
que faz amadurecer nossa liberdade,
aquecei nosso coração com o ardor dos
Vossos raios de luz.

Iluminai nossos caminhos
com os raios de luz!

Ó Deus, dai-nos a maturidade 
e responsabilidade necessárias 
para corresponder 
aos Vossos insondáveis desígnios de Amor,
em atitude permanente de vigilância.

Nós Vos suplicamos pelo Coração de Jesus,
fornalha ardente de Amor, 
na perfeita comunhão do Vosso Espírito.
Amém!”


(1) Missal Cotidiano - Editora Paulus – p.1406- Rm 6,12-18

Palavra, Sacramentos e Caridade: O tríplice serviço do Presbítero

Palavra, Sacramentos e Caridade: O tríplice serviço do Presbítero

Aconteceu na Catedral de Guarulhos a Santa Missa presidida pelo Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer - Arcebispo Metropolitano de São Paulo - dada a vacância de Bispo na Diocese de Guarulhos, na qual Ordenou Presbíteros os diáconos Cássio Fernando e Pedro Nacélio.

Destaco alguns pontos da Homilia feita pelo Cardeal:

Deus chama, acolhe e acompanha quem Ele deseja para conduzir o Seu rebanho. A pessoa apenas responde a este chamado. Assim aconteceu com estas duas vocações.

Acenou em seguida para o tríplice serviço que o Presbítero deve desempenhar frente à comunidade:

1 – Serviço da Palavra de Deus: sedento desta Palavra, lendo-a. meditando-a e a proclamando também com a vida. O Presbítero deve preocupar-se, de modo especial, com o momento da Homilia.

Neste sentido, bem-vinda e fundamental  a Exortação sobre a Palavra de Deus que o Papa Francisco enviaria e que deveria ser por todos os Presbíteros e comunidades conhecida e estudada.

O Presbítero deve trazer a mensagem da Palavra de Deus para o dia de hoje. Lembrando os Atos dos Apóstolos capítulo 7, acenou para a diaconia na comunidade, que permitirá ao Presbítero ocupar-se daquilo que lhe são próprios: a Oração e o anúncio da Palavra de Deus.

2 – Serviço da santificação do Povo de Deus – O sacerdote lida com as coisas de Deus. Zelo e dedicação na celebração dos Sacramentos e, de modo especial, à Eucaristia.

Para tanto, deverá ter uma vida íntegra, fundamentada nas Bem- Aventuranças. Pelo exemplo de vida, edificar o Povo de Deus na santidade e ajudá-lo a se santificar com a graça de Deus. Uma vida santa é desejada de cada Presbítero na vivência das divinas virtudes.

3 – Serviço da caridade pastoral: sinal do Bom Pastor, na atenção para com todos. Tem a missão de pastorear, formar e organizar a caridade na comunidade (doentes, pobres, desanimados, desorientados).

Deve cuidar da Igreja prédio, mas, sobretudo cuidar da Igreja Povo de Deus, a comunidade dos fiéis, para que nada lhe falte. Cuidar do rebanho com carinho, sobretudo para que não se torne vítima de mercenários.

Aludindo à Palavra proclamada, recomendou que os Presbíteros renovem o dom que receberam de Deus pela imposição das mãos dos Apóstolos, como Paulo assim se dirigiu ao jovem Bispo Timóteo.

O Presbítero deve cuidar-se de si mesmo para bem servir. Deve nutrir-se da Fonte da Fé, na Oração e na escuta da Palavra de Deus.

À luz do Evangelho proclamado (Jo 15), o Presbítero deve permanecer unido a Jesus; deve-se unir a Ele e n’Ele, pois foi Ele quem o escolheu.

O Presbítero é amigo de Jesus, como o próprio Senhor o disse, e assim dá a sua vida para Cristo e não mede sacrifícios.

Finalizando, afirmou que sem Jesus o Presbítero não é ninguém. Sem estar unido a Ele, o Ministério Sacerdotal se esvazia.

Se referindo ao Papa, afirmou que Jesus não precisa de funcionários, mas de amigos que O amem e se coloquem inteiramente a serviço do rebanho.

Concluiu com estas Palavras do Senhor Jesus: “A messe é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para Sua messe”.

A reflexão é uma luz para que tenhamos cada vez mais Presbíteros e fiéis solidificados na fé, renovados na esperança e inflamados na caridade. 


PS: 25 de outubro de 2013

terça-feira, 24 de outubro de 2023

A autêntica e fecunda solidariedade

                                                      

A autêntica e fecunda solidariedade

Ouvimos, na terça-feira da 29ª Semana do Tempo Comum (ano ímpar), a passagem da Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 5,12.15b.17-19.20b-21), que nos convida a refletir sobre a solidariedade.

Vejamos o que nos diz o Comentário do Missal Cotidiano:

“A solidariedade é um traço característico de nossa sociedade. Manifestos e discursos, sindicatos e sociedades de empresários, greves e coletas, modelos de desenvolvimento e dependência socioeconômicos, crise energética e equilíbrio importações/exportações... são apenas alguns dos inúmeros pontos fortes da rede de solidariedade que faz o nosso mundo uma ‘aldeia global’.

É sobre esse contínuo e concreto entrelaçamento do bem e do mal que a Bíblia hoje projeta a figura de Cristo. Requer-se esforço para vê-Lo na vida cotidiana.

A solidariedade em Cristo é inteiramente fundada na obediência de Jesus à vontade do Pai. Conhecemos muitas pseudocomunhões, que fecham um grupo contra outros. A solidariedade em Cristo é o movimento oposto: abre-nos constantemente à salvação de todos.” (1)

Em tempos difíceis que passamos, mais do que nunca, emerge a força da “solidariedade”, e esta somente será fecunda se tiver a marca da solidariedade vivida por Jesus, que Se fez solidário com os pobres, os pequeninos, os marginalizados e os pecadores que todos somos.

A solidariedade implica em abertura para a salvação de todas as pessoas e da pessoa toda, em sua dimensão humana, afetiva, intelectual, espiritual e corporal.

Talvez nunca se tenha falado tanto em “solidariedade”, o que é importante, mas não basta. A solidariedade autêntica vivida, não pode ser a perpetuação de uma sociedade que multiplique a pobreza e o sofrimento de milhões.

É preciso que a autêntica solidariedade esteja na pauta do dia, não apenas como debate, “slogan”, mas em ações concretas e efetivas, como a mais bela expressão do amor a Deus, que se realiza inseparavelmente no amor ao próximo: amor em dimensão vertical (Deus) e horizontal (próximo).


(1) Missal Cotidiano – Editora Paulus - p.1402

Sejamos inflamados pelo Amor Divino

                                                  

Sejamos inflamados pelo Amor Divino

O Bispo Santo Antônio Maria Claret (sec. XIX), cuja memória celebramos no dia 24 de outubro, fundou a Congregação dos Missionários Filhos do Coração Imaculado de Maria (Claretianos). De suas obras, rezamos na Liturgia das Horas um texto que nos convida a crescer no amor por Cristo.

“Impelidos pelo fogo do Espírito Santo, os Apóstolos percorreram o orbe da terra. Incendiados do mesmo fogo, os missionários apostólicos chegaram, chegam e chegarão até o fim do mundo, de um extremo da terra a outro, para anunciar a Palavra de Deus, podendo, assim, com justiça dizer de si mesmos as palavras do Apóstolo Paulo: O amor de Cristo nos impele (2Cor 5,14).

A caridade de Cristo estimula, incita-nos a correr e voar com as asas do santo zelo. Quem ama a Deus de verdade, também ama o próximo. O verdadeiro zeloso é o mesmo que ama, mas em grau maior, conforme o grau de amor: quanto mais arde de amor, tanto mais é impelido pelo zelo. 

Se alguém não tem zelo, testemunha por isto que em seu coração o amor, a caridade se extinguiu. Quem tem zelo deseja e faz as maiores coisas e se esforça para que Deus seja sempre mais conhecido, amado e servido nesta e na outra vida, já que este amor sagrado não tem fim. 

O mesmo faz com o próximo: sua ambição e esforço são para que na terra todos estejam contentes, e na pátria celeste felizes e ditosos; que todos se salvem, nenhum pereça eternamente nem ofenda a Deus, nem permaneça mesmo por breve instante no pecado. É isto que vemos nos Santos Apóstolos e em todos os que são movidos pelo espírito apostólico.

A mim mesmo eu digo: um filho do Imaculado Coração de Maria é aquele que arde de caridade e, por onde quer que passe, incendeia; que deseja eficazmente, por todos os meios, que todos os homens se inflamem com o fogo do Amor Divino. 

Não se amedronta com coisa alguma; goza com as privações; vai ao encontro dos trabalhos; abraça as tristezas; nas calúnias está contente; alegra-se nos tormentos; pensa unicamente em como seguir e imitar Jesus Cristo, rezando, trabalhando, sofrendo sempre e unicamente preocupado com a glória e a salvação dos homens”.

Sejamos verdadeiramente impelidos a assumir com ardor a missão que recebemos em nosso Batismo, fazendo progressos na devoção Mariana, como a Igreja nos exorta, para que ela não seja estéril.

Renovemos a cada dia nossa fidelidade ao Senhor, com renúncias necessárias, inflamados pelo Amor do fogo do Espírito, para anunciar por todo o mundo a Boa Nova do Reino.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Livres para o discipulado

                                   

Livres para o discipulado

A Liturgia, da Segunda-feira da 29ª Semana do Tempo Comum, nos convida a refletir sobre nossa atitude frente aos bens deste mundo.

Não podemos fazer deles deuses, a tal ponto de determinar nossa vida. É preciso usar as coisas que passam e abraçar as que não passam, as coisas do alto, as coisas celestiais e não as terrenas.

No Antigo testamento, na passagem do Livro do Eclesiastes (Ecl 1,2; 2,21-23) que, por seu caráter sapiencial, já nos convida a rever nosso modo de pensar, nossa conduta, questionando nossas falsas seguranças e saberes:

“Não é um Livro onde se vão procurar respostas, mas onde se denuncia o fracasso da sabedoria tradicional e onde ecoa o grito de angústia de uma humanidade ferida e perdida, que não compreende a razão de viver”. (1)

A mensagem é explícita: somente Deus dá sentido à nossa existência. A vida somente pelos bens materiais conduz à falência, quem vive por si e para si não encontra saída e sentido para sua vida. É preciso o humilde reconhecimento de nossa impotência diante da onipotência divina, que se manifesta como misericórdia, amor, bondade, alegria, vida e paz.

Não podemos colocar a nossa esperança em coisas falíveis e passageiras: “A nossa caminhada nesta terra está, na verdade, cheia de limitações, de desilusões, de imperfeições; mas nós sabemos que esta vida caminha para a sua realização plena, para a vida eterna: só aí encontraremos o sentido pleno do nosso ser e da nossa existência”. (2)

A segunda Leitura é mais uma passagem da Carta de Paulo aos Colossenses (Cl 3,1-5.9-11) que nos convida, como homens novos pelo Batismo, a abandonar os falsos deuses, identificando-nos com Cristo que nos basta para a nossa Salvação. 

A comunhão vivida entre nós com o Cristo Ressuscitado exige que tenhamos esta identificação, como o próprio Paulo dirá em outra passagem aos Gálatas – “Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim “(Gl 2, 20) e aos Filipenses –“Tenhamos em nós os mesmos sentimentos e pensamentos de Cristo Jesus “ (Fl 2,10), deste modo estaremos buscando as coisas do alto, as coisas celestiais.

Vivendo o Batismo, renascemos a cada dia como homem novo, e assim verão Cristo em nós. O batizado revela a face de Cristo para o mundo, por seus pensamentos, palavras e ação.

Voltando à passagem do Evangelho de Lucas (Lc 12,13-21),  o Evangelista nos apresenta a “Parábola do rico insensato”.

A mensagem é essencial para nossa vida: o perigo de uma vida voltada apenas para os bens materiais.

Jesus não é contra a riqueza, e tão pouco contra o progresso e o crescimento do nível de vida. O perigo é torna-se rico para si mesmo tão apenas, deixando-se aprisionar pelo dinheiro. A vida de uma pessoa e o seu valor real não são medidos por suas riquezas.

A lógica do Reino é diferente da lógica do mundo – é preciso usar as coisas e não ser usado por elas.

O acúmulo de bens sempre pode levar ao esquecimento do outro, inclusive de Deus, da família, dos irmãos da comunidade...

A ambição e o egoísmo esvaziam o coração humano do essencial e, deste modo, é preenchido daquilo que não lhe dá sentido, incorrendo num consumismo com consequências empobrecedoras, tornando-nos escravos da lógica do lucro que escraviza e não nos faz verdadeiramente felizes.

A ânsia da ascensão social pode conduzir ao declínio, ao esvaziamento, ao desmoronamento da vida pessoal e da própria família, de todos com os quais se convive.

Em nome do acumular cada vez mais, quantas famílias são sacrificadas e privadas do mínimo essencial para sua dignidade e felicidade! É o perigo da deificação da riqueza, tornar os bens como deuses (aqui a idolatria encontra campo fértil).

É preciso tomar cuidado com os falsos deuses não deixando que o acessório, o transitório nos distraia e nos afaste do fundamental para a nossa vida.

Concluindo, é preciso que nos libertemos deste desejo de acumulação que nos torna cegos e indiferentes às necessidades do outro, e abramos horizontes na perspectiva da partilha e da solidariedade, do desapego e da liberdade diante das coisas terrenas, pautando a nossa vida pelos valores eternos que jamais passam.

Reflitamos:

- Quais são as nossas falsas e verdadeiras riquezas?
- De quais devemos nos esvaziar?

- De que modo avaliamos a nossa vida, ou seja, atrás do que corremos e nos consumimos?

- De que modo trabalhamos sem a perda do sentido da vida?
- O que nos preenche e nos dá alegria?

Citando Santa Teresa D’Ávila e Santa Teresa dos Andes, respectivamente:

“Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, Deus não muda, a paciência tudo alcança; quem a Deus tem nada lhe falta: só Deus basta.”

“Só Deus nos basta para sermos felizes. Apalpo a cada instante o que é ser toda de Deus e parece-me que, se agora me fosse necessário passar pelo fogo para consagrar-me a Ele, não titubearia em fazê-lo, pois todos os sacrifícios desaparecem diante da felicidade de possuir a Deus só”.



(2) Idem.

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