Na Liturgia da 2ª sexta-feira do Tempo Pascal, ouvimos a passagem do Evangelho de João (Jo 6,1-15), em que Jesus realiza o sinal da multiplicação dos cinco pães e dois peixes.
Oportuna é a reflexão de Santo Hilário de Potiers, Doutor da Igreja (séc. IV).
“Como os discípulos lhe aconselhavam a que enviasse as multidões para as cidades mais próximas para que pudessem comprar alimentos, ele lhes respondeu:
‘Não há necessidade de irem’. Assim demonstra que aqueles dos quais cuidava não necessitavam se alimentar de uma doutrina colocada à venda, e também não tinham necessidade de voltar para a Judeia para comprar alimentos; por isso manda aos Apóstolos que lhes deem sua própria comida.
Acaso o Senhor desconhecia que os apóstolos não tinham nada para dar-lhes? Aquele que conhecia as profundezas do espírito humano não conhecia, acaso, a pequena quantidade de comida que as mãos dos Apóstolos possuíam?
Na verdade, era necessário manifestar completamente uma razão tipológica. Ele ainda não tinha concedido aos Apóstolos o consagrar e o oferecer o Pão do Céu como Alimento de Vida Eterna. Por isso Sua resposta era dirigida para a compreensão espiritual.
De fato, eles responderam que só tinham cinco pães e dois peixes, porque ainda se encontravam sob o império dos cinco livros da Lei – os cinco pães -, e se alimentavam do ensinamento de dois peixes, ou seja, dos Profetas e de João.
Nas obras da Lei a vida estava como no pão, e a pregação dos Profetas e de João reanimava a esperança da vida humana mediante a força da água.
Assim, os Apóstolos ofereceram estas coisas em primeiro lugar porque ainda se encontravam debaixo daquele regime. Mas também indica que a pregação dos Evangelhos, difundindo-se a partir dessas origens, se desenvolve fazendo crescer mais e mais sua força.
O Senhor tinha tomado os pães e os peixes. Levantou os olhos ao céu, disse a bênção e os partiu, ao mesmo tempo em que dava graças ao Pai porque, depois do tempo da Lei e os Profetas, Ele Se transformava em Alimento evangélico.
Em seguida o povo foi convidado a sentar-se na relva. Já não está estendido sobre a terra sem motivo, mas apoiado na Lei, e cada um se estende sobre os frutos de seu trabalho como sobre a erva da terra.
Os pães foram dados também aos Apóstolos: é através deles que os dons da graça divina deviam repartir-se. O povo se alimentou dos cinco pães e dos dois peixes e, uma vez saciados os convidados, os pedaços de pão e de pescado eram tantos que encheram doze cestos.
Isto quer dizer que a multidão se saciou com a Palavra de Deus que vem do ensinamento da Lei e dos Profetas, e em seguida do ministério do Alimento eterno. A abundância do poder divino reservada para os povos pagãos transborda até a plenitude dos doze Apóstolos. (1)
Destaco o paralelo feito entre os cinco pães e os dois peixes:
- Cinco pães, aludindo aos cinco Livros da Lei, aos cinco primeiros Livros da Sagrada Escritura (Pentateuco): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio;
- Os dois peixes aludindo aos Profetas que precederam Jesus e o último dos Profetas, João Batista.
De fato, todos ainda estavam ancorados na Antiga Aliança, sob a Lei e os Profetas.
Com Jesus, inaugura-se um novo tempo, e Ele veio dar pleno cumprimento da Lei e dos Profetas, como vemos na Sua Transfiguração, no Monte Tabor, com a presença de Moisés e Elias (o primeiro simbolizando a Lei, e o segundo os Profetas).
Jesus é Aquele que vem trazer o Alimento Eterno, Ele próprio Se dá em verdadeira Comida e verdadeira Bebida (Jo 6).
Iluminados por Sua Palavra de Vida Eterna, aprendizes e obedientes a Seus Ensinamentos, e também por Ele saciados com o Pão Vivo e Verdadeiro, somos chamados a viver com alegria, o amor e a partilha, inseridos numa nova lógica, que vai gerar um mundo novo.
O sinal realizado tem tons Eucarísticos, prefigura o Banquete Provisório da Eucaristia, que nos prepara para o Banquete de Eternidade, como tão bem expressou o Salmista (Sl 23).
A multiplicação dos pães e peixes é a mais bela lição de amor e partilha, condição indispensável para uma sociedade da saciedade, e não da fome, da morte, da exploração do outro.
Vivamos, não mais sob o jugo da Lei, mas iluminados e conduzidos pelo Espírito; saibamos colocar nossos pães e peixes em comum, para que todos tenham vida plena e feliz.
O Sinal realizado aponta para um mundo novo que todos temos que construir, aprendendo os sagrados ensinamentos do Divino Mestre do Amor e da Partilha: Jesus.
Lecionário Patrístico Dominical – Ed. Vozes - Pág. 436-437.
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