“Senhor, salva-me, porque estou afundando”
Sermão
escrito pelo bispo e doutor Santo Agostinho (séc. V), sobre a passagem do
Evangelho de Mateus (Mt 14,22-33):
“O
Evangelho que nos foi proclamado e que recolhe o episódio de Cristo, o Senhor,
andando sobre as ondas do mar, e do Apóstolo Pedro, que ao caminhar sobre as
águas vacilou sob a ação do temor, duvidando se afundava e confiando novamente
saiu flutuando, nos convida a ver no mar um símbolo do mundo atual, e no
Apóstolo Pedro a figura da única Igreja.
Na
realidade, Pedro em pessoa – ele, o primeiro na ordem dos Apóstolos e
generosíssimo no amor a Cristo – com frequência responde em nome de todos.
Quando o Senhor Jesus perguntou quem dizia o povo que Ele era, enquanto os
demais discípulos lhe informam sobre as distintas opiniões que circulavam entre
os homens, ao insistir o Senhor em sua pergunta e dizer: E vós, quem dizeis que Eu sou?, Pedro respondeu: Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo. A
resposta deu um em nome de muitos, a unidade em nome da pluralidade.
Contemplando
a este membro da Igreja, tratemos de discernir nele o que procede de Deus e o
que procede de nós. Deste modo, não vacilaremos, mas estaremos fundamentados
sobre a pedra, estaremos firmes e estáveis contra os ventos, as chuvas e os
rios, isto é, contra as tentações do mundo presente.
Observai,
pois, nesse Pedro que então era nossa imagem: algumas vezes confia, outras
vacila; algumas vezes lhe confessa imortal e outras teme que morra. Por isso,
porque a Igreja tem membros seguros, tem também inseguros, e não pode subsistir
sem seguros nem sem inseguros. Naquilo que Pedro disse: Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo, representa os que são
seguros; no fato de tremer e vacilar, não querendo que Cristo padecesse,
temendo a morte e não reconhecendo a Vida, representa os inseguros da Igreja.
Assim,
portanto, naquele único apóstolo, ou seja, em Pedro, o primeiro e o principal
entre os apóstolos, no qual estava prefigurada a Igreja, deviam estar
representados os dois tipos de fiéis, ou seja, os seguros e os inseguros, já
que sem eles não existe a Igreja.
Este
é também o significado do que nos acabou de ser lido: Senhor, se és tu, manda-me ir até ti andando sobre a água. E,
diante de uma ordem do Senhor, Pedro verdadeiramente caminhou sobre as águas,
consciente de não poder fazê-lo por si mesmo. Pode a fé o que a humana fraqueza
era incapaz de fazer. Estes são os seguros da Igreja. Ordene-o o Deus homem e o
homem poderá o impossível. Vem –
disse Ele -, e Pedro desceu e começou a andar sobre as águas: pôde fazê-lo
porque o havia ordenado a Pedro.
Eis
aqui do que Pedro é capaz em nome do Senhor; o que é que pode por si mesmo? Ao sentir a força do vento, ficou com medo,
começou a afundar e gritou: Senhor, salva-me, porque estou afundando!
Confiou no Senhor, pôde no Senhor; vacilou como homem, retornou ao Senhor. Em
seguida estendeu a ajuda de sua destra, agarrou ao que estava afundando,
censurou ao desconfiado: Que pouca fé!
Bom,
irmãos, temos que terminar o sermão. Considerai o mundo como se fosse o mar:
vento fortíssimo, tempestade violenta. Para cada um de nós, suas paixões são
sua tempestade.
Amas
a Deus: andas sobre o mar, sob os teus pés ruge a agitação do mundo. Amas o
mundo: ele te engolirá. Ele sabe devorar, não suportar os seus adoradores.
Porém, quando o sopro da concupiscência agita teu coração, para vencer tua
sensualidade invoca sua divindade. E se teu pé vacila, se hesitas, se existe
algo que não consegues superar, se começas a afundar, diz: Senhor, salva-me, porque estou afundando! Porque só te livra da
morte da carne Aquele que na carne morreu por ti.” (1)
A
exemplo do apóstolo, também podemos passar por momentos ou experiências
difíceis, em que tudo ou quase tudo parece naufragar.
Como
Igreja Sinodal, misericordiosa e missionária, caminhando sempre juntos, não
poucos são os desafios que interpelam o testemunho de nossa confiança
incondicional no Senhor.
No entanto, é preciso que tenhamos fé no Senhor, em Sua Palavra
e presença, que jamais permitirá que sejamos naufragados no mar da vida. Amém.
(1) Lecionário Patrístico Dominical, Editora Vozes – 2013 - pp.
192-194.
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