“Tu me seduziste, Senhor,
e eu deixei-me seduzir” (Jr 20,7)
No 22º Domingo do Tempo Comum (ano A), ouvimos a passagem do Livro do Profeta Jeremias (Jr 20,7-9).
Trata-se de um trecho das “confissões” amarguradas e dolorosas do Profeta Jeremias, decorrente do exercício do seu ministério, paradigma do Profeta perseguido.
A narração é a continuação dos acontecimentos da saída do cárcere do Profeta, preso devido a um oráculo que dirigiu contra o reino de Judá (Jr 19,14 - 20,6).
Jeremias, chocado com a experiência da prisão, queria fugir da missão por Deus confiada, mas não teve forças e sentiu-se incapaz para esta fuga.
O Profeta se sente enganado por Deus que, através de sua missão, o colocou à margem da sociedade (v. 7); quanto à Palavra de Deus, se tornou para ele motivo de opróbrio, vergonha e desonra.
O Profeta desejaria rebelar-se contra Deus, mas tem consciência da inutilidade de sua impotência diante do Mistério de Deus: a Sua voz é como fogo e não há como abafá-la, extingui-la, apagá-la (v.9).
No texto, com matizes de Oração, sobressai a sequência facilmente perceptível: sedução, dominação, violência (v. 7-8).
O profeta Jeremias só vê um caminho: responder a este chamado de Deus. O Senhor é mais forte do que ele e sua rebelião (Jr 20,14-18).
Assim diz o Comentário do Missal Dominical:
“O ministério profético, sobretudo, não é uma vocação à tranquilidade: é incômodo para quem fala e para quem ouve.
Jeremias desejaria subtrair-se à ingrata tarefa, mas a Palavra de Deus queima-o por dentro com tal veemência, que não pode contê-la.
Sua alma é terreno de batalha, onde batem forças dificilmente conciliáveis entre si: Deus, o mundo, a busca de si mesmo. Só resta ao Profeta uma possibilidade: deixar-se seduzir por seu Senhor.” (1)
Jeremias é definitivamente vencido por Deus, e assim é um exemplo para todo cristão que é chamado a reconhecer em si mesmo o sinal da vocação ao amor e ao testemunho:
“Quem se deixa seduzir pelo Senhor, porque descobre que é objeto do Seu amor, encontra em si mesmo a força e não se furta à oferta contínua de todas as provas que lhe vêm do seu testemunho.
Olhemos para Jeremias, mas, sobretudo para Cristo que cumpre a figura d’Ele.
Ele é o verdadeiro Servo, que sofre e oferece a vida em sacrifício. A Sua obediência nos conforte e coloque entusiasmo no nosso testemunho...
Entreguemos a nossa vida ao Senhor, para que iluminada por Ele, saiba crescer e cumprir constantemente a Sua vontade.” (2)
Jeremias, um Profeta provado até o extremo, mas definitivamente vencido por Deus. Ele oferece a sua vida como sacrifício espiritual agradável a Deus. E isto é o que Deus espera de cada um de nós, paradoxalmente, no carregar da cruz quotidiana, sem esmorecimentos, com a certeza de que a vida perdendo, por Ele consumindo, na fidelidade a Jesus, com a força do Espírito Santo, alcançaremos a plena felicidade e eternidade.
Concluindo:
“Seduz somente quem ama, e somente o amado se deixa seduzir. De igual modo é apenas na experiência vital do Amor de Deus que amadurece a coragem de poder partilhar perspectivas tão duras, como as da livre aceitação da prova ou de suportar com fé o sofrimento e a dor.
Isto significa estarmos apaixonados por Cristo, no verdadeiro sentido da palavra: isto é, no significado etimológico de poder ‘sofrer’, de poder passar através do Gólgota, oferecendo a nossa vida ao Pai, juntamente com Cristo e na força de Oração mais verdadeira que se possa pensar...
Toda a nossa vida, em todas as suas manifestações, inclusive a amargura e a tristeza, está orientada para Cristo e deve ser envolvida na caminhada em direção ao grande dia do Senhor que esperamos.” (3)
Que nossa vida cristã seja uma resposta ao Amor de Deus que nos seduz, como seduziu a Jeremias, a tantos Profetas, homens e mulheres de todos os tempos.
O autêntico relacionamento com Deus somente ocorre numa intensa e contínua relação de amor e sedução. Não procuremos um Cristo sem Cruz, porque certamente encontraremos uma Cruz sem Cristo.
E renovando a graça da vocação profética, recebida no dia de nosso Batismo, elevemos a Deus esta Oração:
“Espírito Santo, iluminai o nosso coração, para que possamos colocar todos os sofrimentos, nossos e alheios, à luz esplêndida da Cruz do Senhor Jesus.
Fazei que não desprezemos as cruzes da vida, tornando-nos próprios obstáculos para a propagação do Reino de Deus e ‘escândalo’ para nossos irmãos.
Reavivai em nós a consciência de sermos filhos, filhos amados e socorridos sempre pela ternura e pelo amor do Pai. Amém.” (4)
(1) Missal Dominical - p. 787.
(2) Lecionário Comentado – pp. 229-231
(3) (4) Idem p. 233
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