quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Revistamo-nos da armadura divina!

                                                    

Revistamo-nos da armadura divina!

Ouvimos na quinta-feira da 30ª Semana do Tempo Comum a passagem do Evangelho de Lucas (Lc 13,31-35).

Vejamos o comentário do Missal Cotidiano sobre esta  passagem:

“Jesus era personagem incômoda para a autoridade. Não entrava em nenhum de seus esquemas, mas na longa série de incompreensões e assassínios contra os Profetas. Porém não brinca de herói.

Sua contestação não é objeto de propaganda ou publicidade. É árdua vida de Profeta. Toda a Sua existência constitui longa caminhada rumo a Jerusalém, como Lucas tem o cuidado de sublinhar.

Se a viagem de nossa vida é participação na vida de Jesus, deve tender para Jerusalém, a ‘cidade que mata os Profetas’”.(1)

A missão de Jesus é a revelação radical do rosto de Deus, que Se despoja de toda onipotência para Se nos dar a conhecer na escandalosa impotência de um Crucificado:

“O Senhor revela-Se num aspecto impensável: não como soberano vencedor, garantia de possíveis projetos de poder, mas como um Deus derrotado, segundo as categorias humanas. E essa crise renova-se diante de cada crucificado da História, das muitas situações de sofrimento que levantam perguntas: por que é que Deus o permite? Por que é que não mostra Sua onipotência para as remediar?”

E, assim, muitas outras interrogações semelhantes são feitas. Deus que fica escandalosamente impotente sobre a Cruz, revela um poder inesperado:

“Ele permanece na Cruz, não porque não possa descer dela, mas porque não quer descer; não porque procura o suplício, mas porque procura a solidariedade extrema, a partilha incondicional conosco, com os nossos sofrimentos, com as nossas crucifixões, para nos dizer que através dessa partilha tem início a aurora de uma vida nova”. (2)

Para quem crê a Cruz não se revela como poder domínio, mas como poder de salvação que expressa o Amor incondicional, Amor extremo, Amor incompreendido, Amor não correspondido, Amor sem limites... 

Amor incrível, indizível, sem igual, Amor que redime, liberta e aponta para um novo modo de viver e se relacionar para que seja banida toda dor, sofrimento, opressão, injustiça, miséria, lamento, lágrimas e morte (Ap 21, 3-4).

A Ressurreição do Senhor será a Suprema e Onipotente vitória da luz sobre as trevas, da graça sobre o pecado, do amor sobre o ódio, da vida sobre a morte.

Jesus não brincou de herói, e foi fiel à missão confiada pelo Pai, em obediência incondicional.

O cristão, portanto, também não é herói no termo comum como se possa conceber. Ele é muito mais, é alguém que vive o escândalo da cruz, loucura para os gregos, escândalo para os judeus (1 Cor 1,18-31).

O cristão assume toda dor e sofrimento por um amor que muitas vezes não é compreendido. Mas amor não é para ser compreendido, amor é para amar, simplesmente.

Criado pelo Amor de Deus para amar, caberá ao cristão, muito mais do que título de herói, amar até mesmo anonimamente, silenciosamente, carregando com fé, coragem, confiança, resistência, a sua cruz cotidiana.

Ser cristão é viver o bom combate da fé, para tanto é imprescindível contar com a graça e a força divina, como Paulo tão bem nos exorta na Carta aos Efésios (Ef 6,10-20).

Por ora, 
vamos cantando e lutando com o Senhor, 
e como Ele o fez,
até que venha o Seu Reino, 
o novo céu e a nova terra:

“Eu confio em nosso Senhor, 
com fé, esperança e amor...”

(1) Missal Cotidiano - Editora Paulus - pág. 1439
(2) Lecionário Comentado – Editora Paulus - Lisboa - pág. 676.

Espiritualidade da Resistência: Desistir jamais! Resistir Sempre!

                                                               

Espiritualidade da Resistência:
Desistir jamais! Resistir Sempre!

“A Palavra de Deus é um bom bocado de
pão para alimentar nossa caminhada”

A melhor definição que podemos dar à espiritualidade é viver segundo o Espírito de Jesus, revelado a nós pelas Escrituras. Toda a nossa existência (em nível, pessoal, familiar, social, cósmico) faz parte de uma autêntica espiritualidade.

Não podemos confundir espiritualidade com espiritualismo. Espiritualismos não levam ao novo do Reino inaugurado por Jesus; não criam relações amplas e geradoras de novas relações e novas configurações. Espiritualidade não é sentir e reter o Espírito no íntimo de cada um de nós, mas é favorecer que a nossa vida seja norteada pelo sopro do Espírito. Numa palavra, espiritualidade abarca toda a nossa existência e possibilidade de existência.

A realidade pós-moderna coloca aos cristãos desafios novos para a fidelidade ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Diante de uma gama imensa de problemas e desafios, muitos pensam em desistir da luta, entregar os pontos, ceder ao domínio da exploração que pesa sobre todos nós.

Alguns já chegaram, por causa da situação, ao ato máximo do desespero: o suicídio. Mas, como cristãos, não haveremos de nos entregar. É preciso mais do que nunca alimentar nossa Espiritualidade, nossa fé e compromisso, revigorando nossa vocação profética.

A fim de revitalizar nossa mística/espiritualidade e revigorar nosso caminhar, urge que voltemos a beber da fonte Bíblica, de modo especial à luz do Evangelho.

A realidade em que vivemos, guardada as devidas proporções, não é diferente daquela que viveram as primeiras Comunidades.

À luz do novo testamento, apresento Dez motivos para não desistirmos.
Alimentemo-nos destas passagens bíblicas que, com certeza, refletidas, vividas, reorientarão nossos sonhos, lutas e compromissos:

1 - Mt 9, 35-38  Jesus Se compadeceu da multidão, pois estavam“cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor...” -  E insiste para que peçamos ao Senhor da colheita (o Pai)  que envie operários para a Sua colheita. Como não nos sentirmos interpelados pela compaixão de Jesus, ontem, hoje e sempre? Deixaremos que mais e mais ovelhas venham a morrer, sem levar os “pastores” ao seu real compromisso com os pobres?

2- Lc 1,  46-56 –   “Magnificat” – É o canto de Maria, o canto da esperança dos pobres. Erguer a cabeça e continuar a luta é indispensável, para que possamos perceber a alegria deste canto. Com Maria e com os pobres de ontem, hoje e sempre, buscaremos a transformação necessária (política, social e econômica). Não é o canto dos alienados, mas daqueles que, verdadeiramente, buscam a novidade do Reino!

3 - Lc 4,16-21 – “O Espírito do Senhor repousa sobre mim, me enviou para evangelizar os pobres...” – Não estamos sozinhos em nossa luta, nem na vida, sequer na morte (Bento XVI). Precisamos perceber e permitir a ação do Espírito de Deus em nosso meio, no “bom combate da fé”. Ardentemente, desejamos que se realize o ano da Graça do Senhor, para que os pobres possam recuperar aquilo que lhes fora tirado: a vida!

4 - Mt 5,1-12 – O Sermão da Montanha – Sem dúvida o programa de Jesus não é para os medíocres e ostentadores da riqueza, do domínio e da exploração e concentração... Nem de longe Jesus nos engana no Seu real seguimento. Ele nunca quis atrás de Si pessoas sem compromisso com a justiça, a partilha e a paz. Ele não Se deixa enganar com a quantidade, mas exige a qualidade da intimidade de Seus seguidores.

Urge que multipliquemos momentos de comunhão e oração, de escuta, para descobrirmos o que Ele quer de nós. Segui-Lo exige uma tomada de decisão e há riscos. Ele antecipa dizendo que o preço a ser pago poderá ser a própria vida. Mas vale a pena! Eis o caminho da verdadeira felicidade que o mundo não pode dar, mas somente Ele, que é fonte da autêntica paz que brota do compromisso com a vida, sobretudo, com a vida dos pobres!

5 - Jo 15,1-17 – Jesus é a videira e O Pai é o agricultor, nós os ramos - Jesus nos diz que sem Ele nada podemos fazer; convida-nos a ficarmos intimamente unidos a Ele, para que possamos produzir muitos frutos.

Como se desligar da verdadeira Árvore da Vida? Somente com Ele é que a alegria pode ser plena.

Vivemos um período da história, em que não percebemos os frutos aparecendo. Não estaremos passando pelo momento das podas? Certas dificuldades e inquietações por que passamos, parecem ser “a morte da videira”. Precisamos mais do que nunca nos alimentar da Seiva da Vida, sobretudo na Eucaristia, e na prática do Mandamento do Amor que nos mandou viver. Situações limite hoje só poderão ser superadas numa autêntica vivência do amor, não só nas pequenas relações, mas nas grandes relações nacionais e internacionais. Com isto, não faz sentido o individualismo, o imediatismo, a violência, a acomodação, o corporativismo. Que o amor seja expresso em nossa união e participação em grupos organizados, cooperativas, comunidades e grupos de base.

6 - At 2,42-47 – Os cristãos eram assíduos no Ensinamento dos Apóstolos, na Oração, na Comunhão Fraterna e na Partilha do Pão - são os quatro pilares básicos de uma autêntica comunidade. As comunidades que professam a fé, inclusive em outros grupos e movimentos populares, só terão sentido de existência se realmente favorecerem a comunhão fraterna, expressada na luta e conquista dos direitos, na luta pelo bem comum.

Ontem como hoje, nossa sociedade precisa aprender a grande lição da partilha. Sem este aprendizado torna-se insustentável a própria vida do planeta, pois é preciso “cuidar de nossas formas de convívio na paz, na solidariedade e na justiça. Cuidar de nosso meio ambiente para que seja um ambiente inteiro, no qual seja possível o convívio entre os diferentes. Cuidar de nossa querida e generosa mãe terra” (L.Boff).

7 - 2 Cor 4, 7-18 – Tribulações e esperanças da luta - Esta passagem é a máxima expressão do momento em que vivemos. Recorrer a ele é perceber nossa pequenez, limitações, inquietações, angústias, incertezas e situações de desespero. Porém, há um aceno maior de volta por cima, de reencontro dos caminhos. Na vivência do momento que é transitório, não podemos perder a capacidade de enxergar além das aparências,  do que se pode chamar de derrota, mas que para nós é sinal de vitória: a Cruz. A morte d’Ele não foi a última palavra – A vida venceu a morte!

8 - Rm 8,31-39 – “Quem nos separará do amor de Cristo?” - Com o Apóstolo Paulo, respondemos: Nada nos separará do amor à vida, do amor à nossa terra, terra de nossos povos indígenas... Nem a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada, nenhum problema trazido pela pós-modernidade. Unidos a Ele, lutamos e nos comprometemos para que tudo isto seja superado, a fim de que possamos voltar a sorrir.

9 - Ap 21 – “Vi um novo céu e uma nova terra” – O Livro do Apocalipse, escrito em tempo de martírio e perseguições, fortalece-nos na luta para que não haja mais morte de inocentes, luto por falta de pão e saúde, clamor por falta da terra, dor pela doença e uso de agrotóxicos, destruição do eco sistema...

10 - 1 Cor 13,1-13 – “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos sem amor eu nada seria” - Como militantes em nossas comunidades, grupos e movimentos, precisamos reaprender o autêntico sentido do amor, da caridade. Somente na expressão e prática do amor, faremos a opção pelo Deus da Vida e não do Capital, para ser um tijolo na construção de uma possibilidade que não seja o capitalismo. Nenhum sistema tem a última palavra. A última palavra será sempre “o Amor!”.

Concluindo, a realidade pós-moderna em que vivemos, a autêntica espiritualidade nos convoca a todos a uma empreitada que ultrapasse todas as fronteiras (vivemos num mundo globalizado), para configurar uma nova realidade familiar, comunitária, social e planetária.

Toda a sociedade, alimentada pela Palavra, que é um bom bocado de Pão a ser devorado, deve fazer parte de um grande mutirão para erradicação de tudo atente contra a vida; contra tudo aquilo que se nos apresentar como desumanizador. Ninguém pode ficar fora desta jornada. A salvação de cada pessoa, passa pelo compromisso e solidariedade com o próximo.

Uma espiritualidade verdadeira não se alegra nem faz rimas com disparidades, desigualdades... Cada pessoa deve dar o melhor de si, para viver segundo o Espírito, que é sentir-se parte do Corpo Místico de Cristo: “haverá um só rebanho e um só Pastor”.

Uma Espiritualidade fonte de vida deve nos levar a um questionamento profundo: o que podemos, à luz do Espírito, fazer para que esta utopia, nova realidade, novo mundo se concretize? Acomodar-se, nada fazer é negar a razão e a essência da espiritualidade.

Viver segundo Espírito não nos conforma à miséria. Toda sociedade civil tem algo em comum a realizar, ou estaremos minando, esvaziando o sentido pleno e evangélico de “espiritualidade”. É preciso romper a barreira do possível e alcançar os horizontes do inédito”.

Navegarei e naufragarei...

Navegarei e naufragarei...

Navegarei...
Sempre ao encontro dos que sonham
E se comprometem com um mundo novo possível.

Navegarei...
Ao encontro dos que semeiam o Paraíso
Com sementes que o Senhor em nossas mãos deposita.

Navegarei...
Ao encontro dos que não se curvam
Diante dos deuses, por mãos criadas, de tantos nomes.

Navegarei...
Sem me cansar, noite e dia, ao encontro
Dos que ousam encontrar para humanidade novos caminhos.

Navegarei...
Sem economia de energia, à procura
De quem não se furta aos santos compromissos com o Reino.

Navegarei...
Para me somar com os que creem na santidade da família,
E a cada dia a edificam sobre as bases sólidas da Palavra e da Eucaristia.

Navegarei...
Ao encontro dos que não concedem à morte a última palavra,
Mas professam a fé na Vida que venceu a Morte: Ressurreição.

Navegarei...
Ao encontro de homens e mulheres que, embora a fé não professem,
Pautam a vida pelos princípios fundamentais do amor, da verdade, da solidariedade.

Navegarei...
Minhas velas estão provisoriamente levantadas,
Até que possa desfraldar definitivamente na glória dos céus.

Mas também naufragarei...
Nas águas o que rouba a beleza da vida,
A mentira que enfraquece os relacionamentos de amizade, fraternidade.

Naufragarei...
Nas águas as ambições, que se desmedidas, alcance da infelicidade.
Naufragarei quaisquer sentimentos de arrogância indesejável.

Naufragarei...
Os pecados da omissão, pensamentos, atos e palavras,
Para que de coração puro e reconciliado continue minha travessia.

Naufragarei...
Os sentimentos possíveis de mágoa e ressentimentos,
Porque de nada servem a não ser para afogar-me na melancolia.

Naufragarei...
As máscaras que possivelmente criamos e recriamos,
Pois não são elas que nos garantem segurança, êxito e felicidade.

Naufragarei...
O medo que se manifesta de múltiplas formas,
Para que a fé e a coragem encontrem maior espaço dentro de mim.

Naufragarei...
Tudo aquilo que torna pálida a mais bela utopia,
Para cultivar na mente e coração o nascer de um novo dia.

Naufragarei...
As drogas que roubam a beleza da vida, se consumidas,
Reafirmando a sua dignidade e sacralidade anunciada, promovida.

Há outros naufrágios a serem feitos, enquanto navego.
Entre naufrágios que vou fazendo, vou navegando...

O vento suave do Espírito me impulsiona à outra margem.
O sopro do Espírito me acompanha e me dá segurança.

Naufrágio do que avilta, empobrece a condição humana é preciso.
Navegações à outra margem contando com a misericórdia divina.

Misérias humanas naufragadas tão necessárias.
Misericórdia divina ao navegar seja suplicada.

A graça do Ministério Presbiteral

                                                           

A graça do Ministério Presbiteral

Assim falou o Papa São João Paulo II, na Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis (n.22), sobre o presbítero:

“O presbítero é chamado a assumir em si os sentimentos e as virtudes de Cristo em relação à Igreja, amada ternamente mediante o exercício do ministério; portanto, dele se pede que seja capaz de amar o povo com o coração novo, grande e puro, com um autêntico esquecimento de si mesmo, com dedicação plena, contínua e fiel, juntamente com uma espécie de ‘ciúme’ divino, com uma ternura que reveste inclusive os matizes do afeto materno”.

Deste modo, com o Rito da Ordenação, o presbítero “...é introduzido em um novo gênero de vida, que o une a Cristo com um vínculo original, inefável e irreversível e o habilita a agir ‘in persona Christi’. Configurado a Cristo, Cabeça, Pastor, Esposo e Servo da Igreja, como seu representante e na união com Ele, o presbítero tem uma relação especial com a Igreja de Cristo”.  (1)

Como Presbítero, exerce o tríplice múnus como um servidor e anunciador da Palavra, ministro dos Sacramentos e um guia da comunidade.

Na realização do Ministério, o presbítero é apresentado com várias imagens e aspectos, que se completam e auxiliam na compreensão da natureza íntima de sua identidade, como nos fala o Documento n. 110 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil que ora apresento, conforme o parágrafo n. 41

a)   Presbítero: De acordo com a Escritura é o ancião, o adulto, já experimentado na vida, e por isto se tornou um sábio, mestre, conselheiro e guia;

b)   Pastor: Uma imagem muito frequente na Sagrada Escritura que designa aqueles a quem cabe colocar-se a serviço do povo. Assim o faz seguindo o exemplo de Jesus Cristo, o Bom Pastor (Jo 10,1-4). Por isto é chamado a ser homem de misericórdia e compaixão, vivendo a proximidade com seu povo e um servidor de todos, particularmente dos que sofrem grandes necessidades.

c)   Profeta: Como mensageiro da Palavra viva de Jesus, anuncia e testemunha a Palavra de Deus, “oportuna e inoportunamente” como falou o Apóstolo Paulo a Timóteo (2 Tm 4,2); proclama o reino de Deus e denuncia o que contradiz o Evangelho;

d)   Servo: O Filho do Homem veio “não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). O Presbítero participa desta missão do Filho, e participa da autoridade de Cristo-Cabeça com seu serviço, seu dom, sua entrega total, humilde e amorosa pela Igreja;

e)   Missionário: Consciente de que é enviado por Cristo, nunca deve cansar de repetir a si mesmo: “Sou uma missão, e não simplesmente tenho uma missão”, como diz o Papa Francisco. Para tanto, precisa coragem, audácia, fantasia e vontade de olhar não apenas para si mesmo, nem o cumprimento das funções rotineiras, mas ir além, como Igreja, constantemente em saída, rumo às periferias existenciais, ultrapassando as estruturas que já não favoreçam mais à transmissão da fé;

f)    Padre: Trata-se, pelo Sacramento da Ordem, viver o dom da paternidade espiritual, com a missão de gerar, nutrir, educar, organizar e levar à plenitude a comunidade do Povo de Deus;

g)   Sacerdote: É alguém que foi separado para o Evangelho de Deus (Rm 1,1), e em virtude da Ordenação se torna um dom sagrado de Deus para o seu povo. Ele reúne a comunidade para o momento mais alto e importante de sua existência, que é a Celebração Eucarística. Ele é sempre o ministro de Deus e nele, a exemplo de Jesus, tudo deve ser “sacerdotalizado”;

h)   Esposo: Uma vez configurado a Cristo, o Presbítero na sua vida espiritual, é chamado a reviver o amor de Cristo esposo, em sua relação com a Igreja esposa;

i)     Perito em humanidade: Deixa-se atingir pelas grandes questões que envolvem a humanidade, em sinais de amizade, companheirismo e solidariedade com todos, assumindo em seu modo de ser o estilo de Jesus Cristo, que assumiu a condição de servo (Fl 2,7);

j)    Homem da proximidade: O Presbítero está junto de Deus como das pessoas (1 Cor 9,19-23). Oportunas as palavras do Papa Francisco na Homilia da Missa do Crisma de 29 de março de 2018: “Na proximidade com Deus, a Palavra far-se-á carne em ti e tornar-te-ás um padre próximo de toda carne. Na proximidade com o povo de Deus, a sua carne dolorosa tornar-se-á palavra do teu coração e terás do que falar com Deus, tornar-te-ás um padre intercessor”.

k)   Homem da misericórdia: A exemplo de Jesus, exerce o Ministério com cuidado especial em relação aos pobres e marginalizados (Lc 14,13; Mt 25,31-46; Hb 5,7.9);

l)     Homem de oração: O Presbítero por sua disponibilidade a encontros fervorosos com o Senhor, torna-se íntimo das coisas divinas, místico e mistagogo, de modo que é capaz de auxiliar todos os que o procuram, a encontrarem-se com o Mistério de Deus;

m)  Homem de sacrifício: Contemplando o Senhor que oferece a sua vida pelos outros, o Presbítero é capaz de consumir-se com generosidade e sacrifício pelo Povo de Deus;

n)   Irmão universal: Participante da missão de Jesus Cristo e da sua Igreja, leva o Evangelho até os confins da terra; portanto, chamado a construir relações especial com os irmãos de outras Igrejas e confissões cristãs, com os fiéis de outras religiões e com as pessoas de boa vontade.

Elevemos orações por todos os presbíteros, e por todos aqueles que estão se preparando com vistas à Ordenação Presbiteral, para que possam viver estes diferentes aspectos e imagens no exercício do Ministério Presbiteral.

Em cada Presbítero, podemos encontrar um ou outro aspecto e imagem mais presente, de modo que não podemos economizar orações para que cada vez mais se façam presentes em suas vidas, e assim cumpram, com solicitude, empenho, dedicação, o Ministério pela Igreja confiado na santificação, ensino e governo da Igreja.



(1)         Diretrizes para a formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil – Edições CNBB – (Documento n.110, n.35)

A prática fecunda das Obras de Misericórdia

                                                 


A prática fecunda das Obras de Misericórdia

Através da Bula “Misericordiae Vultus”, o Papa Francisco proclamou o Ano Santo Extraordinário da Misericórdia.

No parágrafo 15 da Bula – “O rosto da misericórdia” ­– o Papa nos convida a fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática.

Fala das muitas feridas gravadas na carne daqueles que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos.

Exorta a Igreja para cuidar destas feridas, aliviando-as com o óleo da consolação, e enfaixando-as com a misericórdia, tratando-as com a solidariedade e atenção.

É preciso que não caiamos na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói.

Por fim, nos convida a refletir sobre as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais acordando nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, entrando, de fato, no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina.

Na fidelidade a Jesus e ao Evangelho, é preciso redescobrir as Obras de Misericórdia Corporais (dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos), que por sua vez não se separam das Obras de Misericórdia Espirituais (aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do próximo, rezar a Deus pelos vivos e defuntos).

Praticando as Obras de Misericórdia, reconhecendo Jesus presente nos “mais pequeninos”, a Sua carne se torna de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... Citando São João da Cruz, nos fala do julgamento final: “Ao entardecer desta vida, examinar-nos-ão no amor”, logo, o quanto vivenciamos Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais”.

Completo a reflexão apresentando algumas passagens bíblicas que fundamentam ou explicitam a prática da misericórdia: Mt 25, 31-46; 1 Pd 3,8; Rm 12,8-15; 2 Cor 7,15; Fl 1,8; Fl 2,1; Cl 3,12; Hb 13,3). 

São Bento apresenta uma lista das obras que chamou de “instrumentos das boas obras” com um acréscimo: “Nunca desesperar da misericórdia divina” (Regra de São Bento IV, 74).

O Cardeal Walter Kasper nos adverte para um fato significativo: “as Obras de Misericórdia corporais nem, em especial, as espirituais têm a ver com a transgressão de preceitos divinos explícitos. Da mesma forma que no discurso de Jesus sobre o Juízo, aqui não se condena nenhum pecador que tenha assassinado, cometido adultério, mentido ou defraudado os outros. A condenação de Jesus não afeta contravenções dos Mandamentos de Deus, mas a omissão do bem” (1).

Sendo assim, o pecado pode ser cometido não somente como na violação dos Mandamentos de Deus, mas também pela omissão da prática do bem, o que permite afirmar que a misericórdia é algo mais do que a justiça, e é preciso que se faça a superação da autorreferência, que nos torna apáticos e nos cega para as necessidades corporais e espirituais dos outros, e com isto, a necessidade de vencer a dureza de coração perante o chamamento de Deus, que nos chega através do encontro com a necessidade dos demais. (2)

Finalizando, o Cardeal adverte que as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais não são ingênuas nem tão pouco caprichosas, porque interpelam frente a quatro classes de pobreza:

1)    Pobreza física ou econômica: é a de mais fácil compreensão, pois se trata de não ter um teto nem nada na panela com que saciar a fome e a sede. É carecer de roupa e de abrigo para a proteção das inclemências do tempo. Além do desemprego, as enfermidades, incapacidades graves no tratamento e cuidados médicos adequados;

2)  Pobreza cultural: analfabetismo; ausência ou escassez de oportunidades de formação; carência de oportunidades de futuro e exclusão da vida social e cultural;

3) Pobreza relacional que considera a pessoa com um ser social: manifestada na solidão e introversão; morte do cônjuge. Falecimento de familiares ou amigos. Dificuldades de comunicação; exclusão da comunicação social (por culpa própria ou por imposição externa); discriminação e marginalização até ao isolamento por encarceramento ou desterro;

4) Pobreza espiritual ou anímica: desorientação; vazio interior. Desconsolo e falta de esperança; desespero no que se refere ao sentido da própria existência; confusão moral e espiritual até chegar ao abandono da alma. (3)

Com esta exposição, compreendemos melhor as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais, e no progresso contínuo de praticá-las, empenhando-nos para sermos misericordiosos como o Pai (Lc 6, 36). Somente a prática da misericórdia fará puro nosso coração, e assim poderemos, um dia, ver a face de Deus, como Ele nos falou no Sermão da Montanha:

“Bem-Aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia... Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mt 5, 7-8).

Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais, compreendidas e vividas, nos apresentam o caminho para a construção de um novo céu e uma nova terra, porque não nos acomoda, e assim, nos sentimos incomodados e interpelados pelos clamores dos pequeninos, com os quais o Senhor Se identificou e Se solidarizou, na mais bela página de misericórdia da história da humanidade.


(1) Cf. “A misericórdia" - Cardeal Walter kasper - Ed. Loyola - pp. 177-178.
(2) Idem - p. 178

(3) Idem - pp. 178-179.

PS: O Ano Santo da Misericórdia, proclamado pelo Papa Francisco, teve início em 08 de dezembro de 2015 e foi concluído no dia 20 de novembro de 2016, com a Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo.

Oportuno para a Liturgia do dia de Finados quando se proclamar a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46).

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