quarta-feira, 20 de março de 2024

Espiritualidade da Resistência: Desistir jamais! Resistir Sempre!

                                                               

Espiritualidade da Resistência:
Desistir jamais! Resistir Sempre!

“A Palavra de Deus é um bom bocado de
pão para alimentar nossa caminhada”

A melhor definição que podemos dar à espiritualidade é viver segundo o Espírito de Jesus, revelado a nós pelas Escrituras. Toda a nossa existência (em nível, pessoal, familiar, social, cósmico) faz parte de uma autêntica espiritualidade.

Não podemos confundir espiritualidade com espiritualismo. Espiritualismos não levam ao novo do Reino inaugurado por Jesus; não criam relações amplas e geradoras de novas relações e novas configurações. Espiritualidade não é sentir e reter o Espírito no íntimo de cada um de nós, mas é favorecer que a nossa vida seja norteada pelo sopro do Espírito. Numa palavra, espiritualidade abarca toda a nossa existência e possibilidade de existência.

A realidade pós-moderna coloca aos cristãos desafios novos para a fidelidade ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Diante de uma gama imensa de problemas e desafios, muitos pensam em desistir da luta, entregar os pontos, ceder ao domínio da exploração que pesa sobre todos nós.

Alguns já chegaram, por causa da situação, ao ato máximo do desespero: o suicídio. Mas, como cristãos, não haveremos de nos entregar. É preciso mais do que nunca alimentar nossa Espiritualidade, nossa fé e compromisso, revigorando nossa vocação profética.

A fim de revitalizar nossa mística/espiritualidade e revigorar nosso caminhar, urge que voltemos a beber da fonte Bíblica, de modo especial à luz do Evangelho.

A realidade em que vivemos, guardada as devidas proporções, não é diferente daquela que viveram as primeiras Comunidades.

À luz do novo testamento, apresento Dez motivos para não desistirmos.
Alimentemo-nos destas passagens bíblicas que, com certeza, refletidas, vividas, reorientarão nossos sonhos, lutas e compromissos:

1 - Mt 9, 35-38  Jesus Se compadeceu da multidão, pois estavam“cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor...” -  E insiste para que peçamos ao Senhor da colheita (o Pai)  que envie operários para a Sua colheita. Como não nos sentirmos interpelados pela compaixão de Jesus, ontem, hoje e sempre? Deixaremos que mais e mais ovelhas venham a morrer, sem levar os “pastores” ao seu real compromisso com os pobres?

2- Lc 1,  46-56 –   “Magnificat” – É o canto de Maria, o canto da esperança dos pobres. Erguer a cabeça e continuar a luta é indispensável, para que possamos perceber a alegria deste canto. Com Maria e com os pobres de ontem, hoje e sempre, buscaremos a transformação necessária (política, social e econômica). Não é o canto dos alienados, mas daqueles que, verdadeiramente, buscam a novidade do Reino!

3 - Lc 4,16-21 – “O Espírito do Senhor repousa sobre mim, me enviou para evangelizar os pobres...” – Não estamos sozinhos em nossa luta, nem na vida, sequer na morte (Bento XVI). Precisamos perceber e permitir a ação do Espírito de Deus em nosso meio, no “bom combate da fé”. Ardentemente, desejamos que se realize o ano da Graça do Senhor, para que os pobres possam recuperar aquilo que lhes fora tirado: a vida!

4 - Mt 5,1-12 – O Sermão da Montanha – Sem dúvida o programa de Jesus não é para os medíocres e ostentadores da riqueza, do domínio e da exploração e concentração... Nem de longe Jesus nos engana no Seu real seguimento. Ele nunca quis atrás de Si pessoas sem compromisso com a justiça, a partilha e a paz. Ele não Se deixa enganar com a quantidade, mas exige a qualidade da intimidade de Seus seguidores.

Urge que multipliquemos momentos de comunhão e oração, de escuta, para descobrirmos o que Ele quer de nós. Segui-Lo exige uma tomada de decisão e há riscos. Ele antecipa dizendo que o preço a ser pago poderá ser a própria vida. Mas vale a pena! Eis o caminho da verdadeira felicidade que o mundo não pode dar, mas somente Ele, que é fonte da autêntica paz que brota do compromisso com a vida, sobretudo, com a vida dos pobres!

5 - Jo 15,1-17 – Jesus é a videira e O Pai é o agricultor, nós os ramos - Jesus nos diz que sem Ele nada podemos fazer; convida-nos a ficarmos intimamente unidos a Ele, para que possamos produzir muitos frutos.

Como se desligar da verdadeira Árvore da Vida? Somente com Ele é que a alegria pode ser plena.

Vivemos um período da história, em que não percebemos os frutos aparecendo. Não estaremos passando pelo momento das podas? Certas dificuldades e inquietações por que passamos, parecem ser “a morte da videira”. Precisamos mais do que nunca nos alimentar da Seiva da Vida, sobretudo na Eucaristia, e na prática do Mandamento do Amor que nos mandou viver. Situações limite hoje só poderão ser superadas numa autêntica vivência do amor, não só nas pequenas relações, mas nas grandes relações nacionais e internacionais. Com isto, não faz sentido o individualismo, o imediatismo, a violência, a acomodação, o corporativismo. Que o amor seja expresso em nossa união e participação em grupos organizados, cooperativas, comunidades e grupos de base.

6 - At 2,42-47 – Os cristãos eram assíduos no Ensinamento dos Apóstolos, na Oração, na Comunhão Fraterna e na Partilha do Pão - são os quatro pilares básicos de uma autêntica comunidade. As comunidades que professam a fé, inclusive em outros grupos e movimentos populares, só terão sentido de existência se realmente favorecerem a comunhão fraterna, expressada na luta e conquista dos direitos, na luta pelo bem comum.

Ontem como hoje, nossa sociedade precisa aprender a grande lição da partilha. Sem este aprendizado torna-se insustentável a própria vida do planeta, pois é preciso “cuidar de nossas formas de convívio na paz, na solidariedade e na justiça. Cuidar de nosso meio ambiente para que seja um ambiente inteiro, no qual seja possível o convívio entre os diferentes. Cuidar de nossa querida e generosa mãe terra” (L.Boff).

7 - 2 Cor 4, 7-18 – Tribulações e esperanças da luta - Esta passagem é a máxima expressão do momento em que vivemos. Recorrer a ele é perceber nossa pequenez, limitações, inquietações, angústias, incertezas e situações de desespero. Porém, há um aceno maior de volta por cima, de reencontro dos caminhos. Na vivência do momento que é transitório, não podemos perder a capacidade de enxergar além das aparências,  do que se pode chamar de derrota, mas que para nós é sinal de vitória: a Cruz. A morte d’Ele não foi a última palavra – A vida venceu a morte!

8 - Rm 8,31-39 – “Quem nos separará do amor de Cristo?” - Com o Apóstolo Paulo, respondemos: Nada nos separará do amor à vida, do amor à nossa terra, terra de nossos povos indígenas... Nem a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada, nenhum problema trazido pela pós-modernidade. Unidos a Ele, lutamos e nos comprometemos para que tudo isto seja superado, a fim de que possamos voltar a sorrir.

9 - Ap 21 – “Vi um novo céu e uma nova terra” – O Livro do Apocalipse, escrito em tempo de martírio e perseguições, fortalece-nos na luta para que não haja mais morte de inocentes, luto por falta de pão e saúde, clamor por falta da terra, dor pela doença e uso de agrotóxicos, destruição do eco sistema...

10 - 1 Cor 13,1-13 – “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos sem amor eu nada seria” - Como militantes em nossas comunidades, grupos e movimentos, precisamos reaprender o autêntico sentido do amor, da caridade. Somente na expressão e prática do amor, faremos a opção pelo Deus da Vida e não do Capital, para ser um tijolo na construção de uma possibilidade que não seja o capitalismo. Nenhum sistema tem a última palavra. A última palavra será sempre “o Amor!”.

Concluindo, a realidade pós-moderna em que vivemos, a autêntica espiritualidade nos convoca a todos a uma empreitada que ultrapasse todas as fronteiras (vivemos num mundo globalizado), para configurar uma nova realidade familiar, comunitária, social e planetária.

Toda a sociedade, alimentada pela Palavra, que é um bom bocado de Pão a ser devorado, deve fazer parte de um grande mutirão para erradicação de tudo atente contra a vida; contra tudo aquilo que se nos apresentar como desumanizador. Ninguém pode ficar fora desta jornada. A salvação de cada pessoa, passa pelo compromisso e solidariedade com o próximo.

Uma espiritualidade verdadeira não se alegra nem faz rimas com disparidades, desigualdades... Cada pessoa deve dar o melhor de si, para viver segundo o Espírito, que é sentir-se parte do Corpo Místico de Cristo: “haverá um só rebanho e um só Pastor”.

Uma Espiritualidade fonte de vida deve nos levar a um questionamento profundo: o que podemos, à luz do Espírito, fazer para que esta utopia, nova realidade, novo mundo se concretize? Acomodar-se, nada fazer é negar a razão e a essência da espiritualidade.

Viver segundo Espírito não nos conforma à miséria. Toda sociedade civil tem algo em comum a realizar, ou estaremos minando, esvaziando o sentido pleno e evangélico de “espiritualidade”. É preciso romper a barreira do possível e alcançar os horizontes do inédito”.

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