O
Senhor carregou sobre Si nossa humanidade ferida
Uma reflexão sobre a “A Doutrina
Social da Igreja à luz da misericórdia divina”, e da passagem do Evangelho
sobre o Bom Samaritano (Lc 10, 25-37).
Vejamos o que nos dizem os Padres da
Igreja, e também o Papa Francisco, para melhor vivermos as obras de
misericórdia corporais e espirituais:
Orígenes (séc. III):
“Para que entendas que este samaritano
descia por disposição de Deus para cuidar do que foi atacado pelos ladrões,
deves observar que já trazia consigo as faixas, o vinho e o azeite, isto me
parece que ocorreu não somente em atenção a este homem meio-morto, mas por
todos aqueles que, feridos, necessitam de Suas faixas, de Seu vinho e Seu azeite.
Carregou o ferido sobre o jumento,
sobre Seu próprio corpo, o que somente significa que Se dignou assumir a nossa
humanidade. Este samaritano lavou os nossos pecados, sofreu por nós, carregou o
homem meio-morto, levou-o para a pousada, isto é, a Igreja, que recebe a todos
e que não nega o seu auxílio a ninguém, e à qual nos convoca Jesus, dizendo: Vinde
a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados, que Eu vos aliviarei.
Tendo-o levado à pousada, não foi
embora imediatamente, mas ficou com ele um dia inteiro, cuidando-o dia e
noite... Quando chegou a manhã seguinte quer partir, dá de Seu bom dinheiro
dois denários e encarrega ao posseiro, aos Anjos de Sua Igreja, que cuidem e
levem ao céu aquele que ele tinha cuidado nas angústias deste tempo” (1)
Clemente Alexandrino (séc. III):
“Quem poderia ser este próximo senão o
próprio Salvador? Quem mais do que Ele teve piedade de nós que estávamos para
ser mortos pelos dominadores deste mundo de trevas com as muitas feridas, os
medos, as paixões, as iras, as dores, os enganos, os prazeres?
De todas estas feridas o único médico é
Jesus. É Ele que derrama sobre nossas almas feridas o vinho que é sangue da
videira de Davi, é Ele que doa copiosamente o óleo que é a piedade do
Pai” (2)
O Bispo e Doutor da Igreja, Santo
Ambrósio (séc. IV):
“Enquanto descia, pois, este samaritano
– quem é este que desceu do céu, senão o que sobe ao céu, o Filho de
Deus que está no céu –, tendo visto a um homem semimorto, ao qual
ninguém quis curar – o mesmo que aquela que padecia do fluxo de sangue e que
tinha gastado em médicos toda a sua renda-, aproximou-Se dele, ou
seja, compadecido de nossa miséria, tornou-Se nosso íntimo e nosso próximo para
exercitar Sua misericórdia conosco.
E enfaixou suas feridas untando-as com
óleo e vinho. Este médico tem uma infinidade de remédios, mediante os quais
alcança, ordinariamente, suas curas. Medicamento é a Sua Palavra; esta, algumas
vezes, enfaixa as feridas, outras, serve de óleo, e outras atua como vinho;
enfaixa as feridas quando expressa uma ordem de dificuldade mais exigente;
suaviza perdoando os pecados, e atua como o vinho anunciando o juízo” (3)
São Severo de Antioquia (séc. VI):
“Sobre as nossas chagas derramou vinho,
o vinho da Palavra, e, como a gravidade dos ferimentos não suportava toda a Sua
força, misturou-o com o óleo da Sua ternura e do Seu amor pelos
homens. Em seguida, conduziu o homem à estalagem.
Chama estalagem à Igreja, que se tornou
o lugar de morada e de refúgio de todos os povos. Chegados à estalagem, o Bom
Samaritano teve para com aquele que tinha salvo uma solicitude ainda maior; o
próprio Cristo ficou na Igreja, concedendo-lhe todas as graças... E, ao partir,
isto é, ao subir ao céu, deixou ao dono da estalagem – símbolo dos apóstolos,
dos pastores e dos doutores que lhe sucederam – duas moedas de prata, para que ele
cuidasse do enfermo.
Estas duas moedas são os dois
Testamentos, o Antigo e o Novo, o da Lei e dos Profetas, e aquele que nos foi
dado pelos Evangelhos e pelos escritos dos Apóstolos... No último dia, os
pastores das Igrejas santas dirão ao Senhor que há de vir: Senhor,
confiastes-me dois talentos, aqui estão outros dois que ganhei, através
dos quais fiz aumentar o rebanho. E o Senhor irá responder-lhes: Muito
bem, servo bom e fiel, foste fiel no pouco, muito te confiarei. Entra no gozo
do teu Senhor”. (4)
Retomemos as reflexões acima, e sejamos
fortalecidos em nossa fidelidade ao Senhor, para que edifiquemos uma Igreja
mais samaritana, que se aproxime dos que mais precisam, porque são sinais
visíveis e tangíveis da presença de Deus em nosso meio.
Finalizo com o parágrafo n.15 da Bula
“Misericordiae Vultus”, escrita pelo Papa Francisco para o Ano Santo
extraordinário da Misericórdia (8/12/2015 à 26/11/2016):
“Neste Ano Santo, poderemos fazer a
experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias
existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática.
Quantas situações de precariedade e
sofrimento presentes no mundo atual! Quantas feridas gravadas na carne de
muitos que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por
causa da indiferença dos povos ricos.
Neste Jubileu, a Igreja sentir-se-á
chamada ainda mais a cuidar destas feridas, aliviá-las com o óleo da
consolação, enfaixá-las com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a
atenção devidas.
Não nos deixemos cair na indiferença
que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a
novidade, no cinismo que destrói.
Abramos os nossos olhos para ver as
misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria
dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda. As nossas
mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da
nossa presença, da amizade e da fraternidade.
Que o seu grito se torne o nosso e,
juntos, possamos romper a barreira de indiferença que frequentemente reina
soberana para esconder a hipocrisia e o egoísmo”.
(1) Lecionário Patrístico Dominical -
p.678-679
(2) O Verbo Se faz Carne – p. 676
(3) Lecionário Patrístico Dominical -
pp.675-676
(4) Lecionário Patrístico Dominical - 677