Compassivos, contemplativos e missionários
A Liturgia do 5º Domingo do Tempo Comum (ano B) nos apresenta a passagem do Evangelho em que Jesus cura a sogra de Pedro, à porta da casa deste, faz curas e expulsa demônios ao cair da tarde, e ainda quando era escuro, retira-Se para rezar em lugar deserto (Mc 1, 29-29).
Oportuna a reflexão de São Pedro Crisólogo (séc. V), em que nos apresenta a ação de Deus, incansável na busca dos homens e mulheres para amá-los e não as coisas dos homens.
“A Leitura evangélica de hoje ensina ao ouvinte atento porque o Senhor do céu e restaurador do universo entrou nos domicílios terrenos de Seus servos. Mesmo que nada tenha de estranho que se tenha mostrado afavelmente próximo a todos, ele que com grande clemência tinha vindo para socorrer a todos.
Já conheceis o que moveu Cristo a entrar na casa de Pedro: com certeza não o prazer de recostar-se à mesa, mas a enfermidade daquela que se encontrava na cama; não a necessidade de comer, mas a oportunidade de curar; a obra do poder divino, não a pompa do banquete humano. Na casa de Pedro não se servia vinho, somente se derramavam lágrimas. Por isso Cristo entrou ali, não para banquetear, mas para vivificar. Deus busca aos homens, não as coisas dos homens; deseja dispensar bens celestiais, não espera conseguir as terrenas. Em resumo: Cristo veio buscar-nos, e não buscar as nossas coisas.
Ao chegar Jesus à casa de Pedro, encontrou sua sogra na cama com febre. Entrando Cristo na casa de Pedro, viu ao que vinha buscando. Não se fixou na qualidade da casa, nem na afluência de pessoas, nem nas cerimoniosas saudações, nem na reunião familiar; também não pensou no adorno dos preparativos: Fixou-se nos gemidos da enferma, dirigiu sua atenção ao ardor daquela que estava sob a ação da febre. Viu o perigo daquela que estava para além de toda esperança, e imediatamente coloca mãos para obra de Sua santidade: Cristo nem se sentou para tomar alimento humano, antes que a mulher que jazia se levantasse para as coisas divinas.
Tomou sua mão e sua febre passou. Vês como a febre abandona a quem segura a mão de Cristo. A enfermidade não resiste, onde o Autor da saúde assiste; a morte não tem acesso algum onde entrou o Doador da vida.
Ao anoitecer, levaram-lhe muitos endemoniados; Ele expulsou os espíritos. O anoitecer acontece ao acabar o dia do século, quando o mundo pende para entardecer da luz dos tempos. Ao cair da tarde vem o Restaurador da luz para introduzir-nos o dia sem ocaso, a nós que viemos da noite secular do paganismo.
Ao anoitecer, ou seja, no último momento, a piedosa e solene devoção dos Apóstolos nos oferece a Deus Pai, a nós que somos procedentes do paganismo: são expulsos de nós os demônios, que nos impunham o culto aos ídolos. Desconhecendo ao único Deus, cultuávamos a inumeráveis deuses em nefanda e sacrílega servidão.
Como Cristo já não vem a nós na carne, vem na Palavra: e aonde quer que a fé nasça da mensagem, e a mensagem consiste em falar de Cristo, ali a fé nos liberta da servidão do demônio, enquanto que os demônios, de ímpios tiranos, converteram-se em prisioneiros. Por isso os demônios, submetidos a nosso poder, são atormentados a nossa vontade. O único que importa, irmãos, é que a infidelidade não volte a reduzir-nos a sua servidão: coloquemos antes em nosso ser e nosso fazer, nas mãos de Deus, entreguemo-nos ao Pai, confiemo-nos a Deus: porque a vida do homem está nas mãos de Deus; em consequência, como Pai dirige as ações de Seus filhos, e como Senhor não deixa de preocupar-se por Sua família.” (1)
Esta passagem do Evangelho nos apresenta a identidade de Jesus, três adjetivos que exprimem sua identidade: compassivo, contemplativo e missionário.
Compassivo, Se compadece da sogra de Pedro e a cura da febre, para que esta se coloque a serviço, como também curou todos que vieram ao Seu encontro, à porta da casa, bem como expulsou muitos demônios.
Contemplativo, retira-Se antes do amanhecer para colocar-Se em Oração, em diálogo íntimo com o Pai, para continuar a missão que lhe foi confiada, na presença do Espírito que pousa sobre Ele (Lc 4,16-21). A Oração de Jesus revela a Sua perfeita comunhão com o Pai e o Espírito Santo. A Oração é para Ele o que será para Seus discípulos, fonte e cume para que continue a missão.
Missionário, não Se instala nem Se acomoda com a possível acolhida na casa da sogra de Pedro, mas, aos discípulos, diz que é preciso continuar a missão em outros lugares.
Assim também é a Igreja, anunciando a Palavra de Deus, realizando a missão do Senhor, com a força e presença do Espírito, verdadeiro protagonista da missão na construção do Reino.
Anunciar e testemunhar o Senhor e Sua Boa-Nova exige que sejamos como o Divino Mestre: compassivos, contemplativos e missionários.
(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes - 2013 - pp.380-382