Considerando notícias que revelam uma sexualidade mal integrada (pedofilia, casamentos que se desfazem subitamente, abandono do exercício do ministério presbiteral, hedonismo etc., retomo apontamentos de um estudo promovido pela Diocese de Guarulhos, oito anos passados, que teve como tema: “Afetividade e Sexualidade do Presbítero”, assessorado por Frei Antonio Moser (OFM).
A sexualidade pode ser o caminho da vida ou de morte. Uma sociedade desintegrada, na perspectiva da sexualidade, não será integrada em outros níveis. Há uma correlação entre os problemas pessoais e os problemas sociais, e vice-versa. A sexualidade nunca é uma força neutra, e integrá-la é um desafio vital.
O Frei apresentou sete pontos para compreensão da sexualidade, comparando-a como um grande tesouro dado por Deus a todos nós, fundamentando-se no livro de sua própria autoria: “Enigma da Esfinge – A Sexualidade”, da Editora Vozes.
A leitura do livro pareceu-me indispensável, para contribuir no processo educativo em busca de uma nova compreensão da sexualidade, para sermos e vivermos como pessoas integradas e felizes.
Imaginemos um grande castelo, e que tenhamos que passar por suas portas, usando sete chaves, para então encontrarmos o grande tesouro, que nos fará verdadeiramente humanos.
As grandes salas deste castelo são sete: conhecimento da mitologia, ciências, teologia, ética, história, fenômeno emergente da homossexualidade e, finalmente, as sete chaves do Livro do Apocalipse.
1.ª chave – Mitologia:
Oferece contribuições muito ricas para a compreensão da sexualidade. Um dos mitos é o enigma da esfinge (da mitologia grega – vale conferir): para desvendar o enigma da esfinge há a necessidade do diálogo, criatividade/ternura e a perspectiva religiosa/transcendência.
2.ª chave – Ciências:
A verdadeira religião se articula com a razão. As ciências revelam a multiplicidade da sabedoria de Deus. As ciências nos oferecem elementos muito preciosos para compreensão do mundo. Não conciliar a ciência com religião é não conhecer nem uma coisa e nem outra. É preciso deixar de lado as pretensas seguranças.
Valiosas contribuições advêm da psicologia, antropologia, sociologia e outras ciências para compreensão de nossa sexualidade, que não pode ser confundida com genitalidade.
A sexualidade como energia poderosa é uma força estruturante: pode fazer de nós pessoas integradas e integradoras, em cada fase de nossa vida. Nossa sexualidade pode ser expressa de diversos modos: no falar, olhar, gesticular...
3.ª chave – Teologia:
Junto com a filosofia, nos oferece instrumental para darmos razões de nossa fé. A teologia nos ajuda a compreender o sentido último da sexualidade. Por que Deus nos fez seres sexuados? Exatamente para facilitar a comunicação e a comunhão entre nós.
A sexualidade é uma energia a serviço da transcendência – “Deus é amor”. Sexualidade como amor nos permite um relacionamento com Deus que é amor. Não há santidade sem a vivência de uma sexualidade sadia. É preciso “anunciar o Evangelho da sexualidade”, que é fundamental para amizades, serviço, encantamento, edificação da família e da família universal.
Sexualidade bem compreendida e vivida leva à felicidade. “A felicidade é como a sombra, quanto mais se corre atrás dela, mais ela corre de nós. É preciso voltar...”, ou seja, “conheça-te a ti mesmo”.
4.ª chave – Ética = etos:
Ética carrega uma pecha de negatividade. A ética tem cara nova (bioética). A ética diz respeito à construção de nossa realização; nossa felicidade; deve contribuir na humanização. Deus nos fala através dos sinais dos tempos: localizá-los e entendê-los – um desafio para bioética. Não podemos enveredar pelos caminhos do casuísmo, dualismo, pessimismo... É preciso conhecer a tradição do magistério; educar-se para o amor; educar-se para a fidelidade; educar-se para a alteridade = o outro; educar-se para a fecundidade.
Sexualidade sadia: ternura; entusiasmo pastoral; estudo; celibato e castidade só são possíveis com amigos de verdade; é preciso ambiente sadio para viver o celibato; Jesus teve e foi amigo. Amizade não é apoderamento, e é preciso saber discernir.
O sentido profundo da sexualidade consiste em contribuir para a comunicação e a comunhão.
Para tanto, é preciso educar para o amor como processo contínuo (reflexão, oração, estudo) – vivemos numa cultura da promiscuidade permissividade;
Assumir o outro na alteridade – respeito ao outro / respeitar o diferente que pensa e sente diferente de mim;
Cultivar a cultura da fidelidade em seu sentido abrangente e profundo – não entrar na cultura da infidelidade tão presente em nosso meio. Quem não for fiel no pouco não o será no muito...;
Desenvolver o senso da responsabilidade social – o comportamento do indivíduo reflete na sociedade como um todo, pois nenhum ato é neutro em si mesmo...;
Promover a vida em todos os seus desdobramentos – a cultura da vida;
Libertar-se da tirania do prazer, recuperar a alegria de brincar e viver...;
Assumir a condição de pecadores – os santos sempre se reconheceram pecadores...;
Reconhecer-se pecador é colocar-se no caminho da salvação. Pecar não é fazer algo de mal, mas não estar sintonizado com o querer de Deus – quem não estiver em comunhão com o Pai fará barbáries. O pecado revela o desligamento. Pecado é não vibrar mais.
5.ª chave – Experiência – História:
Abrir-se ao novo, resgatando as experiências da humanidade, sem medo do novo; uma vez que o novo muitas vezes nos assusta, nos inquieta... Precisamos anunciar o Evangelho da responsabilidade, graça e cruz, para uma sexualidade integrada, para não incorrermos em patologias (doenças, desvios, frustrações).
A inserção e a paixão pelo Reino de Deus são condições para a realização de nossa sexualidade, marcada pelas diferenças de sexo, enriquecidos pela complementaridade e reciprocidade de gêneros (masculino e feminino)...
O processo de integração de nossa sexualidade se nos apresenta como um processo contínuo, portanto, inacabado para todos. Ler e compreender a história da sexualidade para uma nova possibilidade, a fim de que se corresponda ao plano do Criador.
6.ª chave – Fenômenos emergentes – homossexualidade:
A linguagem apropriada é falar de pessoas com orientação homossexual. Não nos cabe julgar, mas procurar, com misericórdia, compreender esta realidade (há aproximadamente 500 milhões de homossexuais no mundo).
Não há pessoas fisicamente homossexuais, como também ninguém é heterossexual 100%. A questão de pessoas homossexuais é uma questão afetiva e não de aparência. Pode ser homossexual periférico ou circunstancial ou pessoa com orientação homossexual estruturada.
Pode haver tendência sem ato homossexual; pode haver atos homossexuais; comportamentos homossexuais e mais: “ninguém é mais e nem menos bondoso por ser homossexual”.
Para trabalhar pastoralmente com a questão homossexual, precisa-se aprender com a pedagogia de Jesus – “boca pequena e orelhas grandes”; atitude de acolhida; há sempre um sentido de vida que passa pela cruz; relativizar o sexo (sublimação).
Há uma incompletude em todos nós, quer heterossexual, quer homossexual. Tanto um como o outro, deve fazer da sua realidade e vida, uma correspondência ao querer de Deus. Apresenta-se a todos nós o desafio e a graça de viver uma sexualidade sadia e conforme os desígnios de Deus.
7.ª chave - As setes chaves do Apocalipse:
Mistério profundo que só será desvendado na eternidade; ter a humildade e sabedoria evangélica: não nos cabe julgar ninguém.
O tesouro nos foi dado por Deus, as chaves estão em nossas mãos... Adentremos neste castelo em busca deste tesouro, por uma sexualidade equilibrada, integrada, integradora, feliz e geradora de felicidade. Sexualidade não é castigo, é dom divino!
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