Com a Liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum (ano C), refletimos sobre a radicalidade da missão, como discípulos missionários do Senhor, na vivência da vocação profética que Ele nos confia.
A passagem da primeira Leitura (Jr 38,4-6;8-10) nos apresenta a missão do Profeta Jeremias, que testemunha, à luz da verdade e com coerência, o Projeto que Deus tem para a humanidade.
A missão do Profeta atrai dos chefes do povo o ódio, e deste a desconfiança. No entanto, confiando em Deus, não se omite em sua missão, ainda que pague com o preço da própria vida (abandono, solidão, traição, desolação...).
A atividade profética de Jeremias se deu numa época muito complicada em termos históricos (a partir de 627 a.C. até bem depois da queda de Jerusalém em 586 a.C.).
A sua vida foi constantemente arriscada por causa da Palavra de Deus e de sua missão profética, por isso é modelo do Profeta que dá sua própria vida para que a Palavra de Deus ecoe no mundo e na vida da humanidade.
O Profeta, como Jeremias, sabe que Deus está sempre ao lado dos que anunciam e testemunham fielmente a Sua Palavra, de modo que suportam perseguição e marginalização pelo mundo e pelos poderosos. Assim é a história de Jeremias: incompreendido, humilhado, esmagado, abandonado (não por Deus, que é sempre presença amiga e reconfortante).
De fato, o caminho percorrido pelo Profeta: “não é um percurso fácil, nem carreira recheada de êxitos humanos, nem um caminho atapetado pelo entusiasmo e pelas palmas das multidões; mas é um caminho de cruz, de sofrimento, de incompreensão, com o poder daqueles que pretendem construir o mundo sobre valores de egoísmo, de prepotência, de orgulho, de morte” (1)
Reflitamos:
- O que tenho a aprender com o Profeta Jeremias?
- Como vivo a vocação profética?
- Sinto a presença de Deus em todos os momentos da minha vida?
A segunda Leitura nos apresenta uma passagem da Epístola aos Hebreus (Hb 12,1-4). Trata-se de uma mensagem dirigida a uma comunidade cansada, acomodada, desanimada diante das dificuldades e do aparente fracasso da missão.
A comunidade vive num contexto de hostilidade e o autor exorta para que os cristãos corram, incansável e determinantemente, para a meta, que é o próprio Cristo, e assim alcançará a vitória, a Salvação.
Para tanto, os cristãos precisam despojar-se do fardo do pecado (egoísmo, comodismo, autossuficiência), tendo Jesus Cristo como modelo fundamental, pois Ele enfrentou a Cruz e sentou-Se à direita do trono de Deus:
“O caminho do cristão não é um passeio fácil e descomprometido, mas um caminho duro e difícil que não se compadece com ‘meias tintas’ nem com compromissos mornos e a ‘meio gás’. Exige coragem para vencer os obstáculos, capacidade de luta para enfrentar a oposição, compromissos profundos e radicais.” (2)
Reflitamos:
- Como está a vida de fé de nossa comunidade?
- Quais os obstáculos que encontramos no caminho, na vivência de nossa fé?
- Como testemunho com radicalidade o amor de Deus?
Na passagem do Evangelho (Lc 12,49-53), o Evangelista nos apresenta a missão de Jesus: “lançar fogo a terra”, ou seja, colocar fim ao egoísmo, escravidão do pecado, inaugurando assim o Reino de Deus.
No entanto, trata-se de uma proposta exigente e radical: “Vós pensais que vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, Eu vos digo, vim trazer divisão” (Lc 12,51).
Como entender estas difíceis Palavras de Jesus? Consideremos que tem em Seu horizonte a Cruz, e é nesta perspectiva que devemos compreender Suas Palavras, segundo o Evangelista Lucas: é uma mensagem catequética para preparar os discípulos para a compreensão da missão de Jesus, a radicalidade do Reino e as exigências para todos os que aderirem à Sua proposta e se puserem no mesmo caminho.
O simbolismo do fogo: Jesus veio revelar à humanidade a santidade de Deus; com isto a destruição do egoísmo, da injustiça, da opressão que roubam a beleza da vida em todos os seus âmbitos e sentidos. Lucas retomará o simbolismo do fogo em Pentecostes, quando o Espírito foi enviado aos discípulos reunidos, na imagem das línguas de fogo.
O fogo que Jesus veio acender é um fogo purificador e transformador que deve atingir o coração de todos nós e transformar a nossa vida. O fogo que Ele traz à terra é o fogo do amor que desmascara nossas recusas, mas ao mesmo tempo as purifica.
Jesus veio comunicar uma paz diferente (não a paz dos cemitérios, da “pax romana”, uma paz apodrecida). A paz que Ele veio comunicar é o “Shalom”, plenitude de vida para todos, de modo especial para os empobrecidos, para os marginalizados.
E isto não se dá sem os conflitos, denúncias, interpelações de conversão: alguns aceitarão, outros a rejeitarão e O eliminarão na morte de Cruz:
“Jesus veio trazer a paz, mas a paz que é vida plena vivida com exigência e coerência; essa paz não se faz com ‘meias tintas’, com meias verdades, com jogos de equilíbrio que não chateiam ninguém, mas também não transformam nada. A proposta de Jesus é exigente e radical; assim, não pode deixar de criar divisão.” (3)
A Paz que Jesus veio comunicar é fruto do amor desconcertante por causa de sua exigência maior, que consiste no amor aos inimigos, assim como é o amor do Pai que Ele anuncia e testemunha:
“Jesus veio pôr a nu o nosso coração. Escolher por ou contra Jesus: inevitavelmente, surgirão conflitos”. (4)
Reflitamos:
- Sentimos o fogo do Espírito aceso em nossos corações, na vida da comunidade?
- O que entendemos por paz e qual nosso compromisso com ela?
- Quando, de fato, somos causa de divisão por causa da Palavra e da Pessoa de Jesus e não por causa de nossas fraquezas, imperfeições e pecado?
Que o nosso coração seja inflamado pelo fogo purificador do amor do Senhor, tão somente assim seremos verdadeiros discípulos Seus, e viveremos com ardor e coragem a vocação profética que Ele nos confia.
Acendei, Senhor, em nós a chama do Vosso divino amor!
(1) (2) (3) (4) cf. www.dehonianos.org.br
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