A Liturgia das horas nos oferece um Sermão do Bispo São Cesário de Arles (séc. VI), que nos convida a refletir sobre a misericórdia divina e a misericórdia humana.
“Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia. É suave a palavra misericórdia, meus irmãos. E se a palavra assim é, o que não será a realidade? Apesar de todos a desejarem, não agem de modo a merecer recebê-la, o que é mau. De fato, todos querem receber a misericórdia, mas poucos querem dá-la.
Ó homem, com que coragem queres pedir aquilo que finges dar! Deve, portanto, conceder misericórdia aqui na terra quem espera recebê-la no céu. Por isto, irmãos caríssimos, já que todos queremos misericórdia, tenhamo-la por padroeira neste mundo, para que nos liberte no futuro.
Há no céu uma misericórdia a que se chega pelas misericórdias terrenas. A Escritura assim diz: Senhor, no céu, Tua misericórdia.
Há, então, a misericórdia terrena e a celeste, a humana e a divina. Qual é a misericórdia humana? Aquela, é claro, que te faz olhar para as misérias dos pobres.
E a misericórdia celeste? Certamente a que concede o perdão dos pecados. Tudo quanto a misericórdia humana distribui pelo caminho, paga-o na pátria a misericórdia divina.
Neste mundo, Deus, em todos os pobres, sofre frio e fome; Ele mesmo o disse: Sempre que o fizestes a um destes pequeninos, a mim o fizestes. Deus, pois, que no céu se digna dar, quer na terra receber.
Que espécie de gente somos nós que, quando Deus dá, queremos receber, quando Ele pede, nós nos recusamos a dar? Se um pobre tem fome, Cristo sofre necessidade, conforme disse: Tive fome e não me destes de comer. Por conseguinte, não desprezes a miséria dos pobres, se queres esperar confiante o perdão dos pecados. Agora Cristo passa fome, irmãos. Em todos os pobres Ele se digna ter fome e sede. Mas aquilo que recebe na terra, paga-o no céu.
Pergunto-vos, irmãos, que quereis ou que buscais quando vindes à igreja? Não é a misericórdia? Dai, então, a misericórdia terrena e recebereis a celeste. O pobre pede a ti e tu pedes a Deus. O pobre pede um pedaço de pão; tu, a vida eterna.
Dá ao mendigo o que merecerás receber de Cristo. Escuta o que Ele diz: Dai e dar-se-vos-á. Não sei com que coragem queres receber aquilo que não queres dar. Por isto, vindo à Igreja, dai, segundo vossas posses, esmolas aos pobres.”
Diante da misericórdia divina, reconheçamos nossa condição pecadora, a fim de que sejamos mais misericordiosos com aqueles que padecem a miséria no tempo presente.
Se a misericórdia vivida para com o outro o for, de fato, somos acolhedores e aprendizes da mais bela, perfeita e imensurável misericórdia: a misericórdia divina.
A vivência da misericórdia humana em gestos concretos e solidários com o outro que se vê, é a mais bela e pura expressão da misericórdia divina, que se busca, se deseja, se quer viver, mas que não se vê.
Bem afirma São João que é mentiroso quem diz que ama a Deus que não se vê e não se ama o irmão que se vê (1 Jo 4,20-21).
Aprendizes assíduos da misericórdia divina e humana o sejamos, de fato, e como bem expressa o refrão da Oração Eucarística da Reconciliação:
“Como é grande, ó Pai, a Vossa misericórdia”, e como o próprio Senhor o disse: “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).
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