quinta-feira, 6 de março de 2025

“Na vida de fé, quem não avança, recua”

                                                       

“Na vida de fé, quem não avança, recua”

O Evangelho da Quinta-feira depois das Cinzas (Lc 9,22-35) nos propicia uma parada necessária para reflexão. Sabemos como discípulos que a derrota vivida com o Mestre não é definitiva, por ora exige fazer a escolha livre de negar-se a si mesmo, oferecer a própria vida por amor.

Estamos começando a Quaresma, e a riquíssima Liturgia da Palavra nos convida a mirar para o final: o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo que desejamos ardentemente celebrar no Período Pascal.

Mas antes, contemplemos o Mistério da Cruz:

“A Sua Cruz, a nossa cruz, num perder-se para reencontrar-se todos os dias. O apego a uma vida que nasce de nós e em nós acaba é totalmente estéril. Não sucede assim com a árvore fecunda da Cruz, que restitui a vida precisamente quando pede para perder a vida que leva à Ressurreição precisamente no mesmo lugar onde a morte julga obter a vitória.”

A aparente derrota da Cruz é ao mesmo tempo a revelação da Onipotência do Amor de Deus, que na expressão máxima de Amor e fidelidade de Jesus ao Projeto do Pai deu ao mundo o mais belo e profundo testemunho.

A aparente derrota da Cruz trouxe em si o germe de sua vitória: a Vida Nova que brotou da Ressurreição.

Continuemos a trilhar o caminho de santificação que o Tempo da Quaresma nos propõe, com renúncias necessárias, coragem renovada, fidelidade comprovada, amor autêntico que se diviniza quando completamos o que falta à Paixão de Jesus por amor a Sua Igreja, como bem falou o Apóstolo Paulo: 

“Agora eu me alegro de sofrer por vocês, pois vou completando em minha carne o que falta nas tribulações de Cristo a favor de Seu corpo, que é a Igreja.” (Cl 1,24).

Bem diziam os sábios e os santos mestres espirituais de nossa Igreja: 

“Na vida de fé, quem não avança, recua”.

"Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”

                                          

                   "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”
 
Gostar de mais ou amar menos?
 
Demos um passo naquilo que há de mais essencial no ser cristão: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
 
Amar, capacidade inata à pessoa humana, pois o amor é por Deus plantado como semente em nosso coração, antes mesmo de nascermos.
 
Deste modo é preciso mais do que gostar demais, ou amar menos, amar muito mais, para que sejamos misericordiosos como o Pai (Lc 6,36):

Em primeiro lugar, amar mais nas famílias:
 
A família é o “berço das vocações e santuário da vida”, é o espaço para se aprender, não apenas, “gostar demais, mas amar mais e muito mais…” Sem dúvida a família é uma eterna escola do mandamento do amor. Se quisermos transformar o mundo, jamais poderemos nos esquecer de buscar e promover tudo aquilo que for possível, para que a família venha a dar esta contribuição e que ela seja uma escola do amor, dos princípios vitais e amadurecimento de necessárias virtudes…
 
Amar mais nos centros de decisões políticas do mundo:

Gosta-se demais do capital, do lucro, do poder, do aparente êxito do neoliberalismo (aparente, pois vai se criando um abismo cada vez maior e problemas sociais assustadores, dezenas de conflitos e guerras todos os dias, processo dilacerador de exclusão e empobrecimento). É preciso amar mais as pessoas, imagem e semelhança de Deus, o Novo Mandamento de Nosso Senhor…
 
Nos 3 Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário):
 
De modo geral, os que dirigem a nação, gostam demais do atual modelo econômico, curvando-se à cartilha do neoliberalismo mundial e ao processo de globalização, que em si, não é todo ruim.
Péssimo é quando não se globaliza a riqueza, a fraternidade, a solidariedade, os bens da criação, as riquezas das culturas.
 
É preciso amar mais, globalizar concretamente o amor em leis que não privilegiem alguns poucos e condenem milhões a um irrisório salário, que não permite dignas condições de vida.
 
Nos Palácios do Governo dos Estados, nas Prefeituras, nas Câmaras:Seria tão diferente se gostassem menos dos privilégios, das mazelas, das falcatruas.
 
Se amassem mais o povo, com significativos investimentos na educação, na saúde, no lazer, no pão nosso de cada dia.
 
Se concretizado o Novo Mandamento do Amor não haverá mais corrupção, desvio de verbas, mas sim a legítima aplicação dos impostos pagos pelo povo, com sábia resposta para a suspensão da violência, bem como suas causas.
 
Amar mais nos meios de comunicação:
 
É preciso não gostar de mentiras, das ilusões, da imposição de valores que atentam contra a vida (aborto, pena de morte, destruição da família, falso conceito de liberdade…).
 
É preciso amar mais nos meios de comunicação, semeando a verdade do Evangelho, anunciando e denunciando, não se contentando em ocupar espaço na mídia para apenas músicas e danças, sem nenhuma alteração do quadro social em que nos encontramos… canta-se e dança-se na mídia, enquanto ela quiser; enquanto não afetar os interesses dos grandes; quando se assegura alguns pontos no ibope…
 
Na escola, no trabalho, nos movimentos populares, partidos e sindicatos, nas ruas e estradas, em todo e em qualquer lugar… De fato, não basta gostar demais! É preciso amar mais. Quem ama percebe no colega de escola, de trabalho, a presença de Deus; vê no outro um templo do Espírito Santo. E, quanto mais amarmos, mais iremos entender e falar a linguagem de Deus: “o amor”. Só quem ama conhece a Deus e guarda os Seus Mandamentos, nos lembra o querido São João em sua primeira Carta na Bíblia (cf. 1Jo 4,7-8).
 
Que todos nos esforcemos em não apenas gostar das pessoas, mas amar evangelicamente o próximo!
 
“O meu Mandamento é este: Amem-se uns aos outros, assim como Eu amei vocês.” (Jo 15,12).
 
Como cristãos, temos também um longo caminho a percorrer, incansavelmente!   
 
Sejamos eternos aprendizes na “Escola do Amor”: A família e a Igreja, da qual começamos a fazer parte pelo Batismo.
 
Quanto mais belos aprendizes e praticantes do Mandamento Maior, mais crível será a nossa fé, mais alicerçada a nossa esperança, mais ardor e esplendor ver-se-ão em nossas ações como expressão da genuína caridade.
 

Quaresma: as tentações do Maligno (IDTQB)

                                       

                       Quaresma: as tentações do Maligno

Retomemos a passagem do Evangelho de Marcos (Mc 1,15), em que  Jesus é levado pelo Espírito para o deserto, e lá foi tentado por Satanás, por quarenta dias.

Reflitamos sobre a vitória de Jesus sobre Satanás:

- Com Jesus, somos mais que vencedores (cf. Rm 8,37):

“Pois não há, amadíssimos, atos de virtude sem a experiência das tentações, nem fé sem prova, nem combate sem inimigo, nem vitória sem batalha”. (Papa São Leão Magno – séc. V)

Cinjamos nossos rins com a verdade, revistamos a couraça da justiça e tenhamos os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz.

Tenhamos como proteção constante, o escudo da fé, coloquemos o capacete da Salvação e com a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, e tão somente assim, venceremos as propostas sedutoras do Maligno (cf. Ef 6,10-20). 

Peregrinar pelo deserto com Jesus:

“Com efeito, nossa vida, enquanto somos peregrinos neste mundo, não pode estar livre de tentações, pois é através delas que se realiza nosso progresso e ninguém pode conhecer-se a si mesmo sem ter sido tentado.

Ninguém pode vencer sem ter combatido, nem pode combater se não tiver inimigo e tentações”.  (Santo Agostinho – séc. V)

Quaresma: vençamos as tentações (Catecismo da Igreja Católica – nn. 539-540):

“A vitória de Jesus sobre o tentador, no deserto, antecipa a vitória da Paixão, suprema obediência do Seu amor filial ao Pai (...)

(...) Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao Mistério de Jesus no deserto”.

Continuemos, também, nosso itinerário Quaresmal, vivendo nosso tempo de deserto, vencendo as tentações do Maligno: ter, poder e ser (acúmulo, domínio e prestígio, respectivamente).

Urge que sejamos iluminados pelas reflexões acima, nutridos pela Palavra e revigorados pela Eucaristia, para que, vivendo intensamente a Quaresma, configurados e unidos a Jesus no Mistério de Sua Paixão e Morte, possamos celebrar o coração da Liturgia, a Sua Páscoa, exultantes de alegria e o Aleluia ressoará mais forte. 


PS: Apropriadas para as passagens do Evangelho de Mateus (Mt 4,1-11 e Lucas (Lc 4.1-13)

 

Quaresma: a prática da misericórdia nos faz fraternos (23/02)

                                                        

Quaresma: a prática da misericórdia nos faz fraternos

Reflexão sobre a passagem do Evangelho sobre o julgamento final, ao qual seremos todos submetidos (Mt 25,31-46).

A Palavra proclamada, escutada, acolhida, meditada e vivida, nos propõe e nos inspira a um balanço de nossa vida cristã, na vigilante expectativa da última vinda do Senhor, servindo-O na alegria, fazendo frutificar o amor que vence no dia do juízo final.

Jesus nos fala do juízo final, nos revela  qual será o fim daqueles que se mantiveram ou não vigilantes e preparados para a Sua vinda vitoriosa “... para que Deus seja tudo em todos)” (1Cor 15,28).

Lembremo-nos do contexto da comunidade de Mateus, que é de desinteresse, instalação, acomodação, rotina. É preciso despertá-la para uma atitude vigilante e comprometida na espera do Senhor que vem. Vigilância para o juízo final.

O critério de julgamento será o amor ou a indiferença vivida para com os pobres (famintos, sedentos, doentes, presos, estrangeiros, nus). Somente o amor concreto e a solidariedade ativa nos credenciam para a eternidade. 

Somente o amor na simplicidade e na gratuidade nos eterniza. Quem vive a misericórdia, o amor, a solidariedade ativa não tem motivo para temer o julgamento final (Tg 2,12-13).

Os discípulos têm que amar Cristo e viver como Ele. Deus não quer condenar ninguém. A autoexclusão de Seu amor está em nossas mãos. Não há lugar para egoísmo e indiferença na construção do Reino de Deus, como Jesus nos falou através de diversas Parábolas.

Cabe a nós, como discípulos missionários, edificá-lo na história através do amor concreto, em solidariedade ativa até que Ele venha e instaure o Reino definitivo, na realização da Parusia.

Jesus também reconhece que existe um cristianismo autêntico mesmo fora da Igreja visível, e que aqueles que não O conheceram mediante o Evangelho, nem por isto ficam isentos do Mandamento do Amor, que se estende a toda a humanidade, nem da sua manifestação na solidariedade ativa.

Reflitamos:

- Como vivemos o amor e a solidariedade ativa?

- O que fazemos para que o Reino de Deus deixe de ser uma imagem e seja, de fato, o Reino do amor, da verdade, da graça, da liberdade, da santidade e da vida?

- Fazemos da religião um ópio que nos anestesia, nos entorpece ou ela é, de fato, a expressão e o revigoramento de nosso compromisso com os empobrecidos, na verdadeira adoração a Deus?

Vivendo a Quaresma, mais configurados a Jesus Cristo no Mistério de Sua Paixão e Morte, contemplemos a Cruz de nosso Senhor: O Seu trono.
Contemplemos Sua coroa, a coroa de espinhos dada pelos homens, a Coroa da Glória dada pelo Pai.

Fixemos nosso pensamento e abramos nosso coração ao Seu Novo Mandamento, o Mandamento do Amor.

A Sua Lei seja a nossa Lei: o amor, vivenciado na mais bela página das Bem-Aventuranças. Que ela seja nosso programa de vida para que um dia também participemos do Reino definitivo, quando Ele vier em Sua glória.

Sejamos armados em Seu exército com a arma do amor.

Testemunhando nossa fé,  
damos corpo e conteúdo à caridade no coração inflamada, 
e somos movidos pela fé na Ressurreição.


A solidariedade, a fraternidade, o amor à vida, 
a paixão pelo Reino nos consome, 

e nos sentimos fascinados por Sua Palavra, 
em nosso pregar e viver,
provocando o mesmo fascínio
naqueles que nos ouvem.


PS: Oportuno para reflexão sobre a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46)

Eliminemos a ferrugem da alma!

                                                              

Eliminemos a ferrugem da alma!
 
A Liturgia das Horas nos apresenta, na Quinta-feira depois das cinzas, um sermão do Papa São Leão Magno (séc. V):
 
 “Em todo tempo, amados filhos, a terra está repleta da misericórdia do Senhor (Sl 32,5). A própria natureza é para todo fiel uma lição que o ensina a louvar a Deus, pois o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe proclamam a bondade e a onipotência de seu Criador; e a admirável beleza dos elementos postos a nosso serviço requer da criatura racional uma justa ação de graças.
 
O retorno, porém, desses dias que os mistérios da salvação humana marcaram de modo mais especial e que precedem imediatamente a festa da Páscoa, exige que nos preparemos com maior cuidado por meio de uma purificação espiritual.
 
Na verdade, é próprio da solenidade pascal que a Igreja inteira se alegre com o perdão dos pecados. Não é apenas nos que renascem pelo santo Batismo que ele se realiza, mas também naqueles que desde há muito são contados entre os filhos adotivos. 
 
É, sem dúvida, o banho da regeneração que nos torna criaturas novas; mas todos têm necessidade de se renovar a cada dia para evitarmos a ferrugem inerente à nossa condição mortal, e não há ninguém que não deva se esforçar para progredir no caminho da perfeição; por isso, todos sem exceção, devemos empenhar-nos para que, no dia da redenção, pessoa alguma seja ainda encontrada nos vícios do passado.
 
Por conseguinte, amados filhos, aquilo que cada cristão deve praticar em todo tempo, deve praticá-lo agora com maior zelo e piedade, para cumprir a prescrição, que remonta aos apóstolos, de jejuar quarenta dias, não somente reduzindo os alimentos, mas sobretudo, abstendo-se do pecado.
 
A estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar-se com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas, todos os fiéis podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais diversos que sejam os recursos de cada um.
 
Se verdadeiramente amamos a Deus e ao próximo, nenhum obstáculo impedirá nossa boa vontade. Quando os anjos cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14), proclamavam bem-aventurado, não só pela virtude da benevolência mas também pelo dom da paz, todo aquele que, por amor, se compadece do sofrimento alheio.
 
São inúmeras as obras de misericórdia, o que permite aos verdadeiros cristãos tomar parte na distribuição de esmolas, sejam eles ricos, possuidores de grandes bens, ou pobres, sem muitos recursos. Apesar de nem todos poderem ser iguais na possibilidade de dar, todos podem sê-lo na boa vontade que manifestam.”
 
Iluminadoras suas palavras: “... todos têm necessidade de se renovar a cada dia para evitarmos a ferrugem inerente à nossa condição mortal, e não há ninguém que não deva se esforçar para progredir no caminho da perfeição...”.
 
A reflexão deste sermão nos ajuda  no aprofundamento do sentido espiritual do jejum e da caridade, que brotam de um coração orante, na fidelidade ao Senhor, a Luz das Nações, Salvador de todos os povos.
 
Quaresma é um convite para que nossa vida cristã consista em dar passos contínuos, sem cansaço ou desistência, no itinerário que tem como meta a eternidade, a glória. No entanto, é inevitável, para alcançar esta meta, passar pelo caminho da cruz.
 
Não tenhamos medo de embarcar nesta maravilhosa aventura de amor com o Cristo Senhor, tomando cada dia a nossa cruz, na mais estreita configuração a Ele, procurando eliminar do coração toda ferrugem da alma.


Por isto, retomemos esta expressão “ferrugem inerente à nossa condição mortal...” , e como discípulos missionários do Senhor, façamos silêncio e um mergulho no mais profundo de nós mesmos, com a necessária purificação interior, acolhidos e envolvidos pela Misericórdia Divina para que, em atitudes contínuas de conversão, possamos atender ao apelo do Papa Clemente I (séc. I):
 
“Convertamo-nos sinceramente ao Amor de Deus. Abandonemos  as obras más, a discórdia e a inveja que conduz à morte”.
 
Eliminemos a ferrugem da alma, para que o esplendor da Páscoa seja mais do que desejável, uma realidade, e Luz do Senhor brilhe mais forte por meio de nosso testemunho.


Sejamos pessoas verdadeiramente pascais, que sabem e acreditam que a palavra última não ficou escrita no Calvário, pois, definitivamente, a Palavra que existiu desde sempre, Ressuscitou, e junto do Pai e conosco está.
 
Urge, portanto, buscar a purificação espiritual, por meio do jejum e da misericórdia divina, que nos recria e nos faz novas criaturas, a fim de que a Quaresma seja um tempo favorável de salvação, não desperdiçando a graça de Deus que nos é derramada, abundantemente, todos os dias de nossa vida.


Façamos da Quaresma um tempo de purificação e solidificação de nossa fé, para que nossa esperança seja sólida, porque enraizada na Fonte inesgotável do Amor de Deus, que nos é comunicada de maneira especialíssima na Celebração da Eucaristia, na qual Deus nos sacia a fome com Sua Palavra, que é Pão, e com Seu Corpo e Sangue, que também é Verdadeira Comida e Verdadeira Bebida.
 
Deste modo, iniciaremos as primeiras reflexões sobre a Campanha da Fraternidade 2025, com o tema: “Fraternidade e Ecologia Integral", e o lema: “Deus viu que tudo era muito bom" (Gn 1,31).
 
Seguindo o caminho de purificação espiritual, eliminando a ferrugem da alma, vivamos o tempo favorável de nossa Salvação, que nos foi alcançada por meio de Jesus Cristo, que por nós morreu para nos redimir e abrir-nos o caminho de vida plena, eterna e feliz. 
 
Sem a ferrugem da alma, com esforços multiplicados se alcança o desejável: que iluminados e iluminadores sejamos, e o odor do Amor Divino seja exalado em todos os momentos e lugares em Primaveras do Espírito permanentes através de nossas palavras e ações.


quarta-feira, 5 de março de 2025

A sede da alma...

A sede da alma...
A procura e o encontro

Talvez pareça estranho, mas neste post vou falar de música, e de um cantor, provavelmente pouco conhecido, Vander Lee, ou de repente mais conhecido até do que eu possa pensar..

A primeira vez que o ouvi foi numa FM com a música, “Esperando aviões”. Pouco depois descobri que ele  vem da nossa querida Minas Gerais, e que é autor de outras músicas que conheço. Mas quando ouvi: “Onde Deus possa me ouvir”, percebi que ela nos leva a múltiplas reflexões, e para facilitar  transcrevo a letra:

“Sabe o que eu queria agora, meu bem...?
Sair chegar lá fora e encontrar alguém
Que não me dissesse nada,
Não me perguntasse nada também
Que me oferecesse um colo ou um ombro
Onde eu desaguasse todo desengano,
Mas a vida anda louca,
As pessoas andam tristes,
Meus amigos são amigos de ninguém.
Sabe o que eu mais quero agora, meu amor?
Morar no interior do meu interior
Pra entender porque se agridem,
Se empurram pro abismo
Se debatem, se combatem sem saber.
Meu amor...
Deixa eu chorar até cansar
Me leve pra qualquer lugar
Aonde Deus possa me ouvir
Minha dor...
Eu não consigo compreender
Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui pode sair.
Adeus...”

Temos uma poética descrição da realidade, do cotidiano, que me inspira a colocar luzes de espiritualidade, como é o propósito deste blog.

Quem não viveu momentos como este?
Quem de nós não precisou de um colo?

Às vezes colo da mãe ou do pai, outras pessoas precisaram  do colo do amado ou da amada; e ainda do ombro de um amigo, para reclinar a cabeça e partilhar o peso de uma responsabilidade.

Este desejo tão existencial e tão humano levou-me a refletir sobre aquele momento em que João repousou no lado do Senhor. Quantas vezes desejarmos e quisermos poderemos fazer o mesmo, colocar-se no lugar do discípulo amado... Que cena enternecedora!

 “Onde eu desaguasse todo desengano” canta o poeta. Com quem podemos nos abrir e sermos sincero?
No espaço da comunidade procuramos construir relações que nem sempre culminam na pura expressão da sinceridade, da abertura, da confiança...

Nas Cartas de Paulo têm várias passagens que são profundas e sempre novas exortações à unidade, à sinceridade, à concórdia, ao crescimento espiritual, contra toda tentação de infantilismo espiritual...

Será triste e decepcionante, no mínimo, descobrirmos que “meus amigos não são amigos de ninguém” Que graça terá a vida se não for a construção de feixe de relações que se vinculam, estreitam e solidificam pelo amor fraterno, em autênticas amizades, que nos enriquecem como nos diz a Escritura: “Quem tem um amigo tem um tesouro”?

“Mas a vida anda louca...” Infelizmente, é fato! Mas creio, piamente que reversível desde que a loucura da Cruz tome o lugar da loucura do mundo. Loucura da Cruz que foi escândalo para os judeus, loucura para os gregos. 

A loucura do mundo abraçada e propagada é a simultaneidade do abraço com a tristeza. O embalo do mundo, das coisas que passam não traz a alegria. Perfeita alegria somente em Deus e com Deus.

A sede da alma... (continuação)


A sede da alma...                         
A procura e o encontro

Com estas poucas palavras o autor nos diz muito: “Pra entender porque se agridem, se empurram pro abismo; se debatem, se combatem sem saber...”.

Quantas  vezes vemos cenas absurdas se multiplicando; de violência, de competição, de prevalecimento da fraqueza do outro; noutras vezes até se colabora para que a pessoa caminhe para o abismo do desencontro consigo mesmo.

Quantas vezes mais do que se empurrar para o abismo, faz-se crescer o abismo entre as pessoas, entre os ricos e os pobres; abismos que nos distanciam, nos desfiguram, nos exilam da humanidade feita pelas mãos do Deus-Criador, para que fossemos Sua querida imagem... (Gênesis 1-2)

Quantos combates sem sentido, muitas vezes, entre quatro paredes. Ah, como seria bela a vida se o combate, a rivalidade fosse no amor mútuo tão apenas!  Quantos combates, gastos astronômicos com armas de guerra, para quê?

Lembro-me de um quadro em que haviam crianças, metralhadora, cenário de guerra e apenas uma pergunta – “Why” – “Por que?”, nunca me esqueci deste quadro... talvez porque este cenário se repete ao nosso lado, tal qual ou disfarçado...

Este pedido é  tão sincero e profundo: “Deixa eu chorar até cansar”. Cansar do choro sim, da luta jamais, desistir jamais... Choro alivia a alma, rega sementes de esperança, revigora passos com maior confiança.

Embora  na letra da música estejam separados, vejo a perfeita sintonia: “Morar no interior do meu interior... Me leve pra qualquer lugar aonde Deus possa me ouvir...”. Haverá lugar melhor para o encontro com Deus, do que o “... interior do meu interior?” Bem disse o grande Bispo Santo Agostinho nas Confissões “Tarde Te amei...“ que ora deleitosamente transcrevo:

“Onde Te encontrei Senhor, para Te conhecer? Não estavas certamente em minha memória antes que eu Te conhecesse... Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Estavas dentro e eu fora te procurava.” (vide post: Nunca é tarde para amar o amado - Jesus).

Finalizando, se é que se pode finalizar algo aqui:  “Eu não consigo compreender; Eu quero algo pra beber; Me deixe aqui pode sair.”

“Beber” poderá ser entendido como a busca do álcool para afogar as angústias, como muitos assim pensam e fazem. Não acredito nisto, e jamais diria que este  é o caminho, ao contrário, descaminho, e a queda do abismo a que se referiu anteriormente.

Quem tenha se entregado ao vício e encontrado equilíbrio e sentido para a vida? Desconheço! Prefiro entender que há muitas coisas que ultrapassam nossa compreensão, e isto é muito bom. Somos limitados, passíveis de erros e acertos, ganhos e perdas, encontros e desencontros...

Se há algo a beber, que seja o vinho do Cálice Sagrado. O Próprio Senhor jamais nos apresentou Cálice do vinho como fuga, como algo prazeroso: “Por acaso podeis beber do Cálice que vou beber?”, aos discípulos interrogou. E na agonia do Horto assim disse: “Pai, se possível afasta de mim este cálice...”

Há músicas que ouvimos e passam sem nada deixar, outras jamais serão esquecidas... Esta é uma delas, quando a ouvi muita coisa foi passando como um filme em minha mente e não poderia deixar lá.

Procurei as palavras certas e a Palavra mais que certa, para oferecer ao leitor algo um tanto quanto diferente, mas que tem como única pretensão fazer bem à alma...

Que não vejamos as noites escuras como algo insuperável e interminável. Que no voltar-se para o interior do interior possamos Deus encontrar, e quando o encontramos tudo se ilumina. Na caverna de nossa existência o fogo do Espírito aquece, abrasa, queima, ilumina...

Quem sou eu

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG