terça-feira, 18 de junho de 2024

Peregrinar na fé

                                                        

Peregrinar na fé

Reflitamos mais dos Sermões de Santo Agostinho (séc. V) tornando mais luminosa a nossa fé.

"O justo alegra-se no Senhor e n’Ele espera; e gloriam-se todos os retos de coração (Sl 63,11). Acabamos de cantá-lo com a voz e com o coração. A consciência e a língua cristãs dizem estas palavras a Deus: Alegra-se o justo, não com o mundo, mas no Senhor. A luz nasceu para o justo, diz outro lugar, e a alegria, para os retos de coração (Sl 96,11). 

Indagas donde vem a alegria. Escutas: Alegra-se o justo no Senhor, e noutro passo: Põe tuas delícias no Senhor e Ele atenderá aos pedidos de teu coração (Sl 36,4). 

Que nos é indicado? O que é doado, ordenado, dado? Que nos alegremos no Senhor. Quem é que se alegra com aquilo que não vê? Acaso vemos o Senhor? Já O temos em promessa. 

Agora, porém, caminhemos pela fé; enquanto estamos no corpo, peregrinamos longe do Senhor (2Cor 5,7.6). Pela fé, não pela visão. Quando, pela visão? Quando se realizar o que diz o mesmo João: diletíssimos, somos filhos de Deus; mas ainda não se fez visível o que seremos. Sabemos que, quando aparecer, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal qual é (1Jo 3,2). 

Neste momento, então, será a grande e perfeita alegria, o gáudio pleno, onde já não mais teremos o leite da esperança, mas a realidade nos alimentará. Contudo, desde agora, antes que nos chegue a realidade, antes que cheguemos à realidade, alegremo-nos no Senhor.

Não é insignificante a alegria trazida pela esperança, já que depois será a posse. Agora, amamos na esperança. Por isso, alegra-se o justo no Senhor e logo em seguida, e n’Ele espera, porque ainda não vê. 

Todavia, possuímos as primícias do Espírito, e talvez de algo mais. Aproximamo-nos de quem amamos e, embora por uma gotinha, já provamos e saboreamos aquilo que avidamente comeremos e beberemos. 

Como é que nos alegramos no Senhor, se está longe de nós? Que Ele não esteja longe! A estar longe, és tu que O obrigas. Ama e aproximar-se-á; ama e habitará em ti. O Senhor está próximo, não fiques inquieto (Fl 4,5-6). Queres ver como, se amares, estará contigo? Deus é caridade (1Jo 4,8). 

Dir-me-ás: “Em teu parecer, que é caridade?” A caridade é a virtude pela qual amamos. O que amamos? O bem salutar, o bem inefável, o bem de todos os bens, o Criador. Que te deleite aquele de quem tens tudo o que te deleita. Não digo o pecado, pois só o pecado não recebes d’Ele. D’Ele é que terás tudo".

É preciso caminhar pela fé, reaviando sempre a esperança numa caridade inflamada a Deus que o melhor d’Ele sempre nos concede.

Peregrinar na fé sempre, até que um dia possamos contemplar Deus face a face, em meio às dificuldades que são próprias da condição humana, sem cedermos às tentações, sem permitirmos que a fragilidade da alma nos faça desistir de objetivos santos.

Peregrinar na fé sem jamais permitir que a nossa alma seja manchada pela ferrugem do pecado, da mágoa, do ódio, do ressentimento, do mau humor, da inquietação que nos roube a alegria e o sentido de viver.

Peregrinar impulsionados por uma esperança, virtude divina, que nos leva a buscar sempre o melhor de Deus, uma Igreja mais viva, fraterna e solidária, sinal do Ressuscitado, um mundo mais justo com vida digna e plena para todos.

Peregrinar inflamados pela caridade divina, que nos leva a procura contínua do Amor Uno e Trino que nos cria, redime, ilumina e santifica.

Peregrinar acolhendo as primícias do Espírito, para que os caminhos sombrios, as nuvens obscuras da história sejam iluminados, e nós revigorados sejamos, passos firmes na fé, com a âncora da esperança e a chama da caridade.

Peregrinemos na fé, incansavelmente. 

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG