Olhar
de fé contemplativo e transcendente
Sejamos
enriquecidos pelo Comentário sobre o Cântico dos Cânticos, escrito por Orígenes
(séc. III)
“O Apóstolo Paulo
nos ensina a compreender as coisas invisíveis de Deus através das visíveis, e a
contemplar, sobre a base da razão e da semelhança, as coisas que não se veem,
partindo das que se percebem.
Com isso Paulo nos
demonstra que este mundo visível nos instrui sobre o invisível, e que esta
situação terrenal contém certas reproduções das realidades celestes, de modo
que a partir das coisas de baixo podemos subir às do alto, e pelas que vemos na
terra podemos perceber e compreender as que existem no céu.
A semelhança destas
realidades celestes, para que se pudessem perceber e deduzir mais facilmente as
diferenças, o Criador conferiu a forma às criaturas terrenais. E, como fez ao
homem à sua imagem e semelhança, possivelmente também criou as demais criaturas
à imagem de certas realidades celestes por razão de semelhança.
E possivelmente
também cada uma das realidades terrenas tem imagem e semelhança nas celestes, a
tal ponto de que o próprio grão de mostarda, que é a menor de todas as
sementes, tem sua parcela de imagem e semelhança nos céus; e o fato de que
tenha um desenvolvimento natural tão complexo que, mesmo sendo a menor entre as
sementes, se torna o maior dos arbustos, tanto que as aves do céu podem vir e
habitar em seus ramos, faz com que tenha semelhança, não só de qualquer
realidade celeste, mas do próprio Reino dos Céus.
Por isso é possível
que também as outras sementes que existem na terra tenham nos céus alguma
semelhança e razão. E se isto têm as sementes, também o terão as plantas; e se
as plantas, também e sem dúvida os animais: alados, répteis ou quadrúpedes.
Mas ainda pode-se
entender outra coisa: como o grão de mostarda não oferece apenas uma
semelhança, ou seja, a do Reino dos Céus e morada dos pássaros em seus ramos,
mas tem também outra semelhança, a saber: é imagem da perfeição da fé, tanto
que, se alguém tem fé assim como um grão de mostarda, pode dizer ao monte que
se translade e ele se transladará, da mesma forma é possível que também as
demais coisas terrenas sejam portadoras de imagem e semelhança das realidades
celestes, não mais sob um só aspecto, mas em vários.
E como, por exemplo,
no grão de mostarda são muitas as propriedades que representam imagens das
realidades celestes, e a última de todas é o uso que dele fazem os homens no
serviço do corpo, assim também nos outros: sementes, plantas, raízes de ervas,
e inclusive animais, podemos entender que certamente prestam aos homens um uso
e um serviço corporal, mas que ainda têm formas e imagens de realidades
incorpóreas com as quais a alma pode
aprender e instruir-se para contemplar também as realidades invisíveis e
celestes.
Pelas coisas que
vemos na terra podemos perceber e compreender as que existem no céu.” (1)
De
fato, pelas coisas que vemos na terra podemos perceber e compreender as que
existem no céu.
Que
o Senhor nos conceda o colírio da fé, para que tenhamos este olhar
contemplativo das coisas que passam, sem jamais deixar de fixar nossos olhares
naquelas que não passam.
Para isto, precisamos contar com a abertura de coração e mente, a
presença e ação do Espírito Santo que nos guia, ilumina e conduz, rumo à
eternidade, na espera de um novo céu e uma nova terra. Amém.
(1)
Lecionário Pastrístico Dominical - Editora Vozes - 2013 - pág.
408-409
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