segunda-feira, 10 de junho de 2024

Olhar de fé contemplativo e transcendente

 


Olhar de fé contemplativo e transcendente

Sejamos enriquecidos pelo Comentário sobre o Cântico dos Cânticos, escrito por Orígenes (séc. III)

“O Apóstolo Paulo nos ensina a compreender as coisas invisíveis de Deus através das visíveis, e a contemplar, sobre a base da razão e da semelhança, as coisas que não se veem, partindo das que se percebem.

Com isso Paulo nos demonstra que este mundo visível nos instrui sobre o invisível, e que esta situação terrenal contém certas reproduções das realidades celestes, de modo que a partir das coisas de baixo podemos subir às do alto, e pelas que vemos na terra podemos perceber e compreender as que existem no céu.

A semelhança destas realidades celestes, para que se pudessem perceber e deduzir mais facilmente as diferenças, o Criador conferiu a forma às criaturas terrenais. E, como fez ao homem à sua imagem e semelhança, possivelmente também criou as demais criaturas à imagem de certas realidades celestes por razão de semelhança.

E possivelmente também cada uma das realidades terrenas tem imagem e semelhança nas celestes, a tal ponto de que o próprio grão de mostarda, que é a menor de todas as sementes, tem sua parcela de imagem e semelhança nos céus; e o fato de que tenha um desenvolvimento natural tão complexo que, mesmo sendo a menor entre as sementes, se torna o maior dos arbustos, tanto que as aves do céu podem vir e habitar em seus ramos, faz com que tenha semelhança, não só de qualquer realidade celeste, mas do próprio Reino dos Céus.

Por isso é possível que também as outras sementes que existem na terra tenham nos céus alguma semelhança e razão. E se isto têm as sementes, também o terão as plantas; e se as plantas, também e sem dúvida os animais: alados, répteis ou quadrúpedes.

Mas ainda pode-se entender outra coisa: como o grão de mostarda não oferece apenas uma semelhança, ou seja, a do Reino dos Céus e morada dos pássaros em seus ramos, mas tem também outra semelhança, a saber: é imagem da perfeição da fé, tanto que, se alguém tem fé assim como um grão de mostarda, pode dizer ao monte que se translade e ele se transladará, da mesma forma é possível que também as demais coisas terrenas sejam portadoras de imagem e semelhança das realidades celestes, não mais sob um só aspecto, mas em vários.

 

E como, por exemplo, no grão de mostarda são muitas as propriedades que representam imagens das realidades celestes, e a última de todas é o uso que dele fazem os homens no serviço do corpo, assim também nos outros: sementes, plantas, raízes de ervas, e inclusive animais, podemos entender que certamente prestam aos homens um uso e um serviço corporal, mas que ainda têm formas e imagens de realidades incorpóreas  com as quais a alma pode aprender e instruir-se para contemplar também as realidades invisíveis e celestes.

Pelas coisas que vemos na terra podemos perceber e compreender as que existem no céu.” (1)

De fato, pelas coisas que vemos na terra podemos perceber e compreender as que existem no céu.

Que o Senhor nos conceda o colírio da fé, para que tenhamos este olhar contemplativo das coisas que passam, sem jamais deixar de fixar nossos olhares naquelas que não passam.

Para isto, precisamos contar com a abertura de coração e mente, a presença e ação do Espírito Santo que nos guia, ilumina e conduz, rumo à eternidade, na espera de um novo céu e uma nova terra. Amém.

 

(1) Lecionário Pastrístico Dominical - Editora Vozes - 2013 - pág. 408-409

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG