domingo, 11 de fevereiro de 2024

Cortemos o rancor pela raiz (VIDTCA)


Cortemos o rancor pela raiz

“...extirpai vossas paixões enquanto são jovens,
antes que se endureçam em vós e que não tenhais que sofrer”.

A Conferência sobre o rancor, escrita por São Doroteu de Gaza (séc. VI), muito nos enriquece ao celebramos o 6º Domingo do Tempo Comum, em que ouvimos a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 5,17-37).

“Evágrio disse: ‘Encolerizar-se e contristar a alguém são coisas impróprias ao monge’. E também: ‘Quem tem triunfado da cólera, tem triunfado dos demônios. Porém, aquele que é presa desta paixão está em absoluta oposição à vida monástica’.

Que há que dizer de nós que, sem limitar-nos à irritação e a cólera, chegamos às vezes ao rancor? O que temos de fazer a não ser chorar nosso estado tão lastimoso e indigno do homem? Sejamos vigilantes, irmãos, cooperemos com Deus, para preservar-nos do amargor desta funesta paixão.

Talvez alguém se desculpe com seu irmão pela perturbação causada ou a ferida infligida, porém, mesmo depois da desculpa, permanece incomodado e conserva pensamentos contra seu irmão. Ele não deve dar importância a esses pensamentos e rechaçá-los imediatamente. Isso é o rancor, e para não colocar-se em perigo detendo-se nele é preciso, como disse, muita vigilância; é necessária a desculpa e é imperativo o combate.

Ao pedir desculpas simplesmente para cumprir com o preceito, curou-se da cólera momentaneamente, mas não lutou ainda contra o rancor: conserva-se o rancor contra o seu irmão. Uma coisa é o rancor, outra a cólera, a irritação, e outra a desavença.

Vou dar-vos um exemplo que vos fará compreender: alguém acende um fogo. A princípio não consegue mais do que um pequeno carvão. Isso representa a palavra do irmão que nos ofende. Vede, não é mais do que um pequeno carvão, porque, o que é uma simples palavra de vosso irmão? Se a suportais, extinguis o carvão. Se, ao contrário, começas a pensar: ‘Por que disse isso? Posso bem responder-lhe! Se não quisesse ofender-me, não teria me falado assim! Que ele saiba que eu também posso prejudicá-lo’.

Como alguém que acende um fogo, vós estais lançando ali raminhos ou qualquer outra coisa e produzis fumaça, que é a perturbação. A perturbação não é mais que o movimento e a afluência de pensamentos que despertem e inquietam o coração. E essa excitação, chamada também ira, impulsiona a vingar-se do ofensor. Como disse o abade Marcos: ‘A malícia introduzida nos pensamentos excita o coração; mas, dissipada com a oração e a esperança, perece’.

Suportando uma simples palavra de vosso irmão, vocês podem extinguir o pequeno carvão antes que a perturbação apareça. Porém, inclusive esse ânimo perturbado ainda podeis acalmá-lo facilmente enquanto nasce, com o silêncio, com a oração, com uma simples satisfação que brote do coração. Se, ao contrário, continuais a produzir fumaça, ou seja, exaltando e excitando o vosso coração, pensando:

“Por que me disse aquilo? Eu também posso lhe responder!”, a afluência e o entrechoque dos pensamentos avivando e ebulindo o coração provocam a chama da exasperação. Esta, segundo Basílio, é somente a ebulição do sangue em torno ao coração. Isso é a irritação, chamada também rancor. Se quiserdes, ainda podeis extingui-la antes que se transforme em cólera. Mas se continuais a perturbar-vos e a perturbar aos demais, fazeis como o que joga troços de madeira à fogueia para avivar o fogo: a lenha se transforma em brasas, e isto é a cólera.

É o mesmo que dizia o abade Zósimo quando lhe pediram que explicasse esta sentença: ‘Onde não há irritação, não há combate’. Se ao começo da perturbação, assim como aparecem a fumaça e as chispas, alguém se adianta e acusa a si mesmo e oferece uma satisfação, antes que se eleve a chama da irritação, permanece em paz.

Mas se, provocada a irritação, esta não se acalma e persiste na perturbação e na exaltação, se parece ao que lança madeira ao fogo e continua a alimentá-lo até que se torne em brasas vivas. Como as brasas, feitas carvão e postas de lado, subsistem anos sem se corromper, mesmo que se lance água em cima, assim a cólera que se prolonga se converte em rancor e já não é possível livrar-se dele a não ser vertendo sangue.

Disse-vos a diferença dos quatro graus: compreendam-nos bem. Agora sabeis o que é a primeira perturbação, o que é a exasperação, o que é a cólera e o que é o rancor. Percebeis como uma só palavra chega a produzir um mal tão grande? Se desde o começo se tivesse censurado a si mesmo, se tivesse suportado pacientemente a palavra do irmão, sem querer se vingar, nem responder duas ou cinco palavras por uma só, e responder ao mal com o mal, se teriam evitado todos esses males.

Por isso não cesso de recomendar-vos, extirpai vossas paixões enquanto são jovens, antes que se endureçam em vós e que não tenhais que sofrer. Pois uma coisa é arrancar uma planta pequena e outra desarraigar uma grande árvore”. (1)

Em nossos relacionamentos, pode acontecer que vivamos experiências semelhantes. No entanto, urge que o rancor seja cortado na raiz para que não cresça e fique impossível de ser extirpado de nosso coração, como São Doroteu nos ensinou.

É preciso sempre dar um passo adiante na fraternidade, no amor e na sinceridade de nossa fé, e tão somente assim, seremos sal da terra e luz do mundo.

Se não cultivarmos o rancor e ressentimentos em coração, poderemos rezar com amor e confiança a oração que o Senhor nos ensinou: – “O Pai Nosso”, sobretudo a súplica do perdão:

“Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nos perdoamos a quem nos tem ofendido...”.

(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013 – pág. 1135-1137

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG