terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

“Não nos deixeis cair em tentação”

“Não nos deixeis cair em tentação”

Ouvimos na Leitura da quarta-feira da quarta Semana do Tempo Comum (ano par) uma passagem do Segundo Livro de Samuel (2Sm 24,2.9-17), na qual o Rei Davi reconhece o seu pecado ao fazer o recenseamento do povo.

A tentação do poder levou Davi ao recenseamento, que era a expressão de sua dupla ambição: o cadastramento da população que contribuía com tributos (exploração econômica); o levantamento dos homens aptos para a guerra (dominação política).

Este episódio do recenseamento mostra certa "secularização" do governo de Davi, ou seja, a tendência a gerir os negócios do reino segundo os costumes dos outros poderosos, e por isto seu remorso e oração ao Senhor, por ter se comportado como se tudo não estivesse nas mãos de Deus, Senhor da vida e da morte; como se o registro do potencial humano e econômico lhe garantisse uma segurança demasiado humana, proporcionando-lhe uma sensação de êxito e poder.

Bem diferente é a ótica de Deus e do Profeta, ainda que pareça um pouco fora do comum para nós, apresenta-se como a nova visão que perpassa os acontecimentos humanos e faz da história profana uma história sagrada: o Deus da Aliança quer e deve ser o único.

No Missal Quotidiano, encontramos esta questionadora reflexão para nossas comunidades que professam a fé em Deus:

“A tentação de medir o progresso do Reino de Deus sempre ronda nossas comunidades: ainda com demasiada frequência, avaliamos as coisas sob o aspecto quantitativo e visível.

Quando fazemos estatísticas e levantamentos necessários, não podemos esquecer uma variável misteriosa, mas real, que pode mudar todos os valores dos nossos dados: a graça de Deus”. (1)

Em todos os níveis, corre-se o risco de escrever a história com dupla atitude extrema: escrevê-la como se nada dependesse de Deus, sem espaço para Sua graça, presença e ação, na absoluta negação ou indiferença em relação a Ele; de outro lado a passividade ou omissão, confiando tudo à ação divina, não fazendo o que nos é próprio, com as forças e recursos que nos são confiados e disponíveis.

Reflitamos:

- Em que sentido elas se relacionam e se completam, para que a vida seja mais humana, como expressão de vida plena para todos?

- De que modo se dá a interação entre a fé e a razão para não cairmos em estéril fideísmo ou num ativismo que prescinda de Deus e da própria fé?

- Como colocar todos os recursos disponíveis que nos são confiados para cuidar da nossa casa comum, de nosso planeta, como refletimos a partir da Encíclica do Papa Francisco – “Laudato Si”?

- De que modo a tentação e o pecado de Davi se repetem ao longo da história da humanidade, de nossas comunidades e de nossa própria história?

São questões pertinentes que nos desafiam a tomar a mesma atitude de Davi: reconhecer nosso pecado, e nos colocarmos como frágeis criaturas diante do Criador, a quem tudo pertence, e cuidar do jardim que Ele nos confiou, como responsáveis jardineiros da criação. E tão somente assim, cuidaremos de nossa casa comum, e todos teremos melhores condições de vida, assegurando também aos que virão.


(1) Missal Quotidiano – p.719 – Ed. Paulus.

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG