quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A prática fecunda das Obras de Misericórdia

                                                 


A prática fecunda das Obras de Misericórdia

Através da Bula “Misericordiae Vultus”, o Papa Francisco proclamou o Ano Santo Extraordinário da Misericórdia.

No parágrafo 15 da Bula – “O rosto da misericórdia” ­– o Papa nos convida a fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática.

Fala das muitas feridas gravadas na carne daqueles que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos.

Exorta a Igreja para cuidar destas feridas, aliviando-as com o óleo da consolação, e enfaixando-as com a misericórdia, tratando-as com a solidariedade e atenção.

É preciso que não caiamos na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói.

Por fim, nos convida a refletir sobre as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais acordando nossa consciência, muitas vezes adormecida perante o drama da pobreza, entrando, de fato, no coração do Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina.

Na fidelidade a Jesus e ao Evangelho, é preciso redescobrir as Obras de Misericórdia Corporais (dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos), que por sua vez não se separam das Obras de Misericórdia Espirituais (aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do próximo, rezar a Deus pelos vivos e defuntos).

Praticando as Obras de Misericórdia, reconhecendo Jesus presente nos “mais pequeninos”, a Sua carne se torna de novo visível como corpo martirizado, chagado, flagelado, desnutrido, em fuga... Citando São João da Cruz, nos fala do julgamento final: “Ao entardecer desta vida, examinar-nos-ão no amor”, logo, o quanto vivenciamos Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais”.

Completo a reflexão apresentando algumas passagens bíblicas que fundamentam ou explicitam a prática da misericórdia: Mt 25, 31-46; 1 Pd 3,8; Rm 12,8-15; 2 Cor 7,15; Fl 1,8; Fl 2,1; Cl 3,12; Hb 13,3). 

São Bento apresenta uma lista das obras que chamou de “instrumentos das boas obras” com um acréscimo: “Nunca desesperar da misericórdia divina” (Regra de São Bento IV, 74).

O Cardeal Walter Kasper nos adverte para um fato significativo: “as Obras de Misericórdia corporais nem, em especial, as espirituais têm a ver com a transgressão de preceitos divinos explícitos. Da mesma forma que no discurso de Jesus sobre o Juízo, aqui não se condena nenhum pecador que tenha assassinado, cometido adultério, mentido ou defraudado os outros. A condenação de Jesus não afeta contravenções dos Mandamentos de Deus, mas a omissão do bem” (1).

Sendo assim, o pecado pode ser cometido não somente como na violação dos Mandamentos de Deus, mas também pela omissão da prática do bem, o que permite afirmar que a misericórdia é algo mais do que a justiça, e é preciso que se faça a superação da autorreferência, que nos torna apáticos e nos cega para as necessidades corporais e espirituais dos outros, e com isto, a necessidade de vencer a dureza de coração perante o chamamento de Deus, que nos chega através do encontro com a necessidade dos demais. (2)

Finalizando, o Cardeal adverte que as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais não são ingênuas nem tão pouco caprichosas, porque interpelam frente a quatro classes de pobreza:

1)    Pobreza física ou econômica: é a de mais fácil compreensão, pois se trata de não ter um teto nem nada na panela com que saciar a fome e a sede. É carecer de roupa e de abrigo para a proteção das inclemências do tempo. Além do desemprego, as enfermidades, incapacidades graves no tratamento e cuidados médicos adequados;

2)  Pobreza cultural: analfabetismo; ausência ou escassez de oportunidades de formação; carência de oportunidades de futuro e exclusão da vida social e cultural;

3) Pobreza relacional que considera a pessoa com um ser social: manifestada na solidão e introversão; morte do cônjuge. Falecimento de familiares ou amigos. Dificuldades de comunicação; exclusão da comunicação social (por culpa própria ou por imposição externa); discriminação e marginalização até ao isolamento por encarceramento ou desterro;

4) Pobreza espiritual ou anímica: desorientação; vazio interior. Desconsolo e falta de esperança; desespero no que se refere ao sentido da própria existência; confusão moral e espiritual até chegar ao abandono da alma. (3)

Com esta exposição, compreendemos melhor as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais, e no progresso contínuo de praticá-las, empenhando-nos para sermos misericordiosos como o Pai (Lc 6, 36). Somente a prática da misericórdia fará puro nosso coração, e assim poderemos, um dia, ver a face de Deus, como Ele nos falou no Sermão da Montanha:

“Bem-Aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia... Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mt 5, 7-8).

Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais, compreendidas e vividas, nos apresentam o caminho para a construção de um novo céu e uma nova terra, porque não nos acomoda, e assim, nos sentimos incomodados e interpelados pelos clamores dos pequeninos, com os quais o Senhor Se identificou e Se solidarizou, na mais bela página de misericórdia da história da humanidade.


(1) Cf. “A misericórdia" - Cardeal Walter kasper - Ed. Loyola - pp. 177-178.
(2) Idem - p. 178

(3) Idem - pp. 178-179.

PS: O Ano Santo da Misericórdia, proclamado pelo Papa Francisco, teve início em 08 de dezembro de 2015 e foi concluído no dia 20 de novembro de 2016, com a Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo.

Oportuno para a Liturgia do dia de Finados quando se proclamar a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46).

Em poucas palavras... (Santidade)

                                                          

                          Santidade: revelar a Face de Cristo

Jamais Santidade poderá ser sinônimo de “beatice”, medo de viver, fuga, evasão, alienação. 

O mundo precisa de Santos e Santas que nos revelem a Face de Cristo, que nos comuniquem o Amor do Pai e nos iluminem com a Luz do Espírito.     


Em poucas palavras...

                                                                  


Jesus: do presépio até a Cruz

“O Reino é dos pobres e pequenos, quer dizer, dos que o acolheram com um coração humilde. Jesus foi enviado para «trazer a Boa-Nova aos pobres» (Lc 4, 18) (Lc 7,22).

Declara-os bem-aventurados, porque «é deles o Reino dos céus» (Mt 5,3). Foi aos «pequenos» que o Pai se dignou revelar o que continua oculto aos sábios e inteligentes (Mt 11,25).

Jesus partilha a vida dos pobres, desde o presépio até à cruz: sabe o que é sofrer a fome (Mc 2,23-26; Mt 21,28), a sede  (Jo 4,6-7; 19,28) e a indigência (Lc 9,58).

Mais ainda: identifica-se com os pobres de toda a espécie, e faz do amor ativo para com eles a condição da entrada no seu Reino (Mt 25,31-46).” (1)

 

(1)       Catecismo da Igreja católica – parágrafo n. 544

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

A Palavra do Senhor é luz em nosso caminho

                                                                

A Palavra do Senhor é luz em nosso caminho

Reflexão à luz da passagem da Carta de São Pedro (1Pd 5,5b-7):

“Revesti-vos todos de humildade no relacionamento mútuo, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes. Rebaixai-vos, pois, humildemente, sob a poderosa mão de Deus, para que, na hora oportuna, Ele vos exalte. Lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, pois é Ele quem cuida de vós”.

À luz das palavras do Apóstolo, como discípulos missionários do Senhor, é urgente solidificar os pilares da evangelização (Palavra, Pão, Caridade e Ação Missionária), rever e renovar a alegria da missão.

Assim, retomemos os verbos: “revesti-vos”, “rebaixai-vos” e “lançai sobre Ele”, numa breve reflexão.

Urge que sejamos todos revestidos de humildade no relacionamento mútuo, porque Deus resiste aos soberbos e dá a Sua graça aos humildes.

Maria também nos falou sobre esta verdade, como podemos ver no canto do Magnificat, que ela cantou quando de sua visita a Isabel (cf. Lc 1,46-55).

Da mesma forma, é necessário que nos rebaixemos humildemente, sob a poderosa mão de Deus, para que no tempo oportuno ele nos exalte.

Em vários momentos, junto aos Seus discípulos, Jesus falou da humildade necessária, do colocar-se a serviço dos pequenos, fazendo-se o último de todos e a serviço de todos.

Ressaltou atitudes de humildade, confiança e abertura à misericórdia de Deus, colocando-Se totalmente em Suas mãos.

No discipulado vivido, não são poucas as preocupações, inquietações, provações, adversidades. 

Nestes momentos, ressoem as palavras do Apóstolo – lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, pois é Ele quem cuida de vós.”

Assim é nosso discipulado, como uma longa travessia no mar revoltoso, em que somos interpelados a vencer todo o medo, confiantes na presença da Trindade, que nos envolve com Seu amor e proteção, experimentando em nossas fraquezas e limitações, a onipotência da misericórdia e força divinas.

Sigamos em frente, como alegres e corajosos discípulos missionários do amor, revestidos de amor mútuo, crescendo na solidariedade e fortalecendo os vínculos de comunhão e fraternidade.

Memórias Missionárias...

O mistério da dor e da morte no cuidado do rebanho 

Fiz esta reflexão em 2002, quando estava em trabalho missionário em Ministro Andreazza - RO. 

Retrata um dos momentos mais doloridos por mim vivido em todo o meu Ministério.

Foi diante da morte de duas crianças, que senti as limitações,  a impotência humana e a Onipotência Divina. Diante da morte quantas coisas caem por terra...

Não tenho dúvida, esta reflexão vai levar o leitor à mesma experiência.

Na 1.ª Epístola de Pedro (1Pd 5), aprendemos que devemos cuidar do rebanho por livre vontade, com sobriedade, autodomínio e oração, a fim de que tenhamos bom êxito em nosso Ministério.

O cuidado do rebanho, que se nos apresenta muitas vezes terrivelmente machucado, de coração dilacerado, exige dos Presbíteros especial atenção.

Refiro-me a situações extremadas de miséria, de abandono político, de exclusão em todos os aspectos… Refiro-me a uma situação limite de dor: um jovem casal, que não podendo ter mais filhos, perde os seus dois afogados (um de três e outro de quatro anos).

- Na Celebração das Exéquias, uma das mais duras experiências que vivi, como consolar o rebanho machucado, inquieto diante deste fato?

Diante daqueles corpos inertes, frios, a ausência de movimentos apontava para o movimento contínuo da eternidade: o céu, que é Amor de Deus em contínuo e infinito movimento…

A ausência de respiração nos asfixiava em busca do Sopro do Espírito, para compreender o porquê daquela triste, fria e dura imagem a nossa frente: dois pequeninos corpos no caixão.

A partida do convívio de seus pais era, com certeza, ao mesmo tempo, a entrada na Glória dos Céus; a despedida dos pais, e de todos nós, que chorávamos, era a saudação de chegada aos Anjos e Santos na Eternidade, diante de Deus nosso Criador.

Diante de tantas perguntas, tantas inquietações, até mesmo a revolta contra Deus, chegamos à certeza de nossa pobreza, de nossa limitação, de nossa provisoriedade e transitoriedade.

Aqueles corpos, moradas de barro a serem destruídas, davam a certeza de que para os que os ocuparam, há a garantia da posse da mansão espiritual, que nos fala o Apóstolo Paulo.

É fácil e cômodo cuidar do rebanho gordo, sadio… O desafio, para o Presbítero, é cuidar das ovelhas magras e machucadas, como nos fala o Profeta Ezequiel (Ez 34).

Finalizando, este extremo momento de dor no pastoreio, com certeza, é grão de trigo, que morre e assegura frutos novos de Deus, a partir do barro que somos em Sua Olaria.

Eis um verdadeiro encontro com Jesus: o trabalho missionário junto ao Povo de Deus. 

Pela estreita porta passarei se...

                                                         

Pela estreita porta passarei se...

... Viver a vocação como resposta ao Amor Divino,
Confiando n’Ele, com o coração de um menino.
Sem hesitações em realizar o Seu Santo desejo,
Para que o mundo não seja tal como eu o vejo.

... Os princípios da ética nortearem meu destino,
Sem trair os princípios em execráveis desatinos.
Pela verdade, justiça, direito, liberdade e amor
A vida pautar, fazendo dela dulcíssimo labor.

... A minha vida marcar pela melíflua ternura,
Sem a perda de horizontes de uma vida mais pura,
Que se expressa em gestos de alegre acolhida
Do dom mais belo e sagrado que é o dom da vida.

... A paixão pelo Reino como fogo me consumir,
Para que a chama do amor não venha a se extinguir.
Como é bela a vida de quem pelo Amor se encanta,
Força que se renova em cada manhã que se levanta!

... Na família, espaço sagrado, empenhos multiplicar,
Para que nela possamos arduamente nos santificar
E bondade, perdão, diálogo, compreensão, ternura,
Amor, respeito, diálogo vividos numa santa candura.

... O Cristo reconhecer presente em cada criatura,
E gestos de comunhão, solidariedade em nova postura.
Laços de comunhão sem desigualdades ou exclusão,
Sinais do Reino credíveis e não indesejável ilusão.

... Não me omitir no bem, que chamado sou a realizar,
Evitando determinadas atitudes para a vida não banalizar.
Defesa da vida da concepção ao seu declínio natural,
Empenho incansável para que prevaleça o bem sobre o mal.

... Revelar ao mundo o Encontro mais desejável:
O Bem Maior - Deus, mais que desejável: amável!
Que a cada encontro um novo desejo de reencontro.
Que a cada reencontro, amor vivenciado: Reencanto!


Passagem do Evangelho: Mt 7,6.12-14; Lc 13,22-30

Seduzidos por Jesus trilhemos o caminho da verdade!

                                                      

Seduzidos por Jesus trilhemos o caminho da verdade!

"Que preciosos e maravilhosos são, caríssimos, os dons de Deus! Vida na imortalidade, esplendor na justiça, verdade na liberdade, fé na confiança, temperança na santidade; e tudo isto nossa inteligência concebe".

 

Sejamos enriquecidos pela Carta aos Coríntios, do Papa São Clemente I (Séc. I). 

"Revistamo-nos de concórdia; e humildes e moderados, rejeitemos para longe toda murmuração e maledicência, justificando-nos não por palavras, mas por obras.

Pois se disse: Quem fala muito, ouvirá por sua vez; ou acaso se julga justo o homem falador? (cf. Jó 11,2).

Cumpre-nos, portanto, estar prontos a fazer o bem; de Deus tudo procede.

Pois Ele nos predisse: Eis o Senhor, e Sua recompensa está diante d'Ele para dar a cada um segundo suas obras (cf. Ap 22,12). Por isso exorta-nos a nós que n’Ele cremos de todo o coração, a não sermos preguiçosos e indolentes em toda obra boa.

Nele nos gloriemos, n’Ele confiemos. Submetamo-nos à Sua vontade e, atentos, observemos a multidão dos anjos, como a Seu redor cumprem Sua vontade.

A Escritura conta: Miríades de miríades assistiam-no e milhares de milhares o serviam e clamavam: Santo, santo, santo, Senhor dos exércitos; toda a criação está cheia de Sua glória (Dn 7,10; Is 6,3).

Por conseguinte também nós, em consciência, congregados como um só na concórdia, com uma só voz clamemos sem descanso para nos tornarmos participantes de Suas excelentes e gloriosas promessas: Os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, nem suspeitou o coração dos homens, quão grandes coisas preparou para os que o aguardam (cf. 1Cor 2,9).

Que preciosos e maravilhosos são, caríssimos, os dons de Deus! Vida na imortalidade, esplendor na justiça, verdade na liberdade, fé na confiança, temperança na santidade; e tudo isto nossa inteligência concebe.

O que não será então o que se prepara para aqueles que O aguardam? O Santíssimo Artífice e Pai dos séculos é o único a conhecer a quantidade imensa e a beleza de tudo isso.

Assim, pois, a fim de participarmos dos dons prometidos, empreguemos todo o empenho em sermos contados no número dos que O esperam.

E como se fará isto, diletos? Far-se-á, se pela fé nosso pensamento se estabilizar em Deus, se procurarmos com diligência aquilo que lhe é agradável e aceito, se fizermos tudo quanto se relaciona com Sua vontade irrepreensível e seguirmos a via da verdade, rejeitando para longe de nós toda injustiça”.

Firmemos nossos passos no seguimento de Jesus, Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14,6), seduzidos por Jesus testemunhemos a verdade! Este é o verdadeiro Caminho na fidelidade a Ele. Quando negamos a verdade, ofendemos a Deus.

Seduzidos por Jesus, por Seu amor, sempre a caminho, testemunhemos com fidelidade esta Verdade que nos liberta.

Com Ele teremos como disse o Papa –“...Vida na imortalidade, esplendor na justiça, verdade na liberdade, fé na confiança, temperança na santidade; e tudo isto nossa inteligência concebe.” 

Sigamos Jesus, o próprio Caminho no caminho, 
a Verdade da verdade para a perfeita alegria e liberdade, 
a Vida Plena, abundante que se prolonga e se torna infinita: 
eternidade! Amém. 

Quem sou eu

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG