sexta-feira, 24 de novembro de 2023

“Quem nos separará do amor de Cristo?” (24/11)

                                                           

“Quem nos separará do amor de Cristo?”

No dia 24 de novembro, celebramos a memória do Presbítero Santo André Dug-Lac e seus companheiros mártires, e o Ofício das Leituras nos apresenta a Carta de Paulo Le Bao-Tinh aos alunos do Seminário de Ke-Vinh, de 1843, sobre a participação dos mártires na vitória de Cristo Rei.

“Eu, Paulo, preso pelo nome de Cristo, quero levar ao vosso conhecimento as minhas tribulações cotidianas que me assaltam de todos os lados, para que, inflamados pelo amor de Deus, possais louvá-lo, porque a sua misericórdia é eterna (Sl 117,1).

O meu cárcere é verdadeiramente uma imagem do fogo eterno. Aos cruéis suplícios de todo gênero, como grilhões, algemas e ferros, juntam-se ódio, vingança, calúnias, palavrões, acusações, maldades, falsos testemunhos, maldições e, finalmente, angústia e tristeza.

Mas Deus, que outrora libertou os três jovens da fornalha acesa, sempre me assiste e libertou-me dessas tribulações, que se tornaram suaves, porque a sua misericórdia é eterna!

Graças a Deus, no meio desses tormentos que continuam a apavorar os outros, sinto-me alegre e contente, pois não me julgo só, mas com Cristo. Nosso Mestre suporta todo o peso da Cruz, deixando-me apenas uma pequena e ínfima parte: não é só testemunha do meu combate, mas combatente, vencedor e consumador de toda luta. Assim, sobre Sua cabeça é que foi colocada a coroa da vitória, de cujo triunfo participam também os Seus membros.

Como, porém, Senhor, suportar tal espetáculo, ao ver diariamente os imperadores, os mandarins e seus soldados blasfemarem vosso santo nome, quando estais acima dos querubins e serafins? (cf. Sl 79,3). Eis que a Vossa Cruz é calcada pelos pagãos! Onde está a Vossa glória? Ao ver tudo isso, me inflamo por vós, preferindo morrer com os membros amputados, em testemunho do Vosso amor!

Mostrai, Senhor, o Vosso poder, salvando-me e protegendo-me. Que a força se manifeste na minha fraqueza e seja glorificada ante os gentios, pois, se eu vacilar no caminho, Vossos inimigos, cheios de orgulho, poderão levantar as cabeças.

Caríssimos irmãos, ao ouvirdes tudo isto, dai alegremente graças imortais a Deus, do qual procedem todos os bens. Bendizei comigo o Senhor, porque a Sua misericórdia é eterna! Minha alma engrandeça o Senhor e meu espírito exulte de alegria em Deus, meu Salvador; porque olhou para a humildade de Seu servo (cf. Lc 1,46-48), todas as gerações me proclamarão bendito, porque a Sua misericórdia é eterna!

Cantai louvores ao Senhor, todas as gentes, povos todos, festejai-O (Sl 116,1), porque Deus escolheu o que é fraco no mundo para confundir os fortes, e o que é vil e desprezível (1Cor 1,27-28), para confundir os nobres. Pelos meus lábios e inteligência, Deus confunde os filósofos, os discípulos dos sábios deste mundo, porque a Sua misericórdia é eterna!

Tudo isto vos escrevo, para unirdes à minha a vossa fé. No meio desta tempestade lanço a âncora, a viva esperança que trago no coração, até ao trono de Deus.

Caríssimos irmãos, correi de tal modo que possais alcançar a coroa: revesti-vos com a couraça da fé (1Ts 5,8), tomai as armas de Cristo, à direita e à esquerda, segundo os ensinamentos de São Paulo, meu patrono. É melhor para vós entrar na posse da vida comum só olho ou privados de algum membro (cf. Mt 5,29), do que serdes lançados fora com todos eles.

Vinde em meu auxílio com vossas preces, para que possa combater, segundo a lei, o bom combate, e combater até o fim, encerrando gloriosamente a minha carreira. Se já não nos podemos ver nesta vida, tal felicidade nos está reservada para o futuro, quando, junto ao trono do Cordeiro imaculado, exultantes com a alegria da vitória, cantaremos em uníssono eternamente os seus louvores. Assim seja.”

Anunciaram o Evangelho no extremo oriente da Ásia, nas regiões do Vietnã de hoje, o Evangelho já vinha sendo anunciado desde o século XVI. Contudo, de 1625 a 1886, excetuados breves períodos de paz, os governantes dessas regiões tudo fizeram para despertar o ódio contra a religião cristã e os discípulos de Cristo.

Canonizados pelo Papa São João Paulo II, no dia 19 de junho de 1988, foram inscritos 117 deles no rol dos santos mártires. Entre eles, 11 missionários dominicanos espanhóis, 10 franceses e 96 mártires vietnamitas.

Note-se que quanto mais foram perseguidos, maior se tornava o fervor cristão, tendo como resultado um elevadíssimo número de mártires: 8 bispos, 50 sacerdotes e 59 leigos, de diversas idades e condições sociais, na maioria pais e mães de família e, alguns, catequistas, seminaristas e militares.

Sejamos revigorados pelo testemunho destes mártires no bom combate da fé, no testemunho da esperança e na esforçada caridade a ser vivida.

Experimentemos também nós a força e a vitória, crendo no Senhor Jesus, que conosco está e caminha, e nada de fato nos separe d’Ele, como tão bem expressou o Apóstolo Paulo (cf Rm 8,35-39).

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Produzamos os frutos que a conversão pede (26/11)

                                                      

Produzamos os frutos que a conversão pede

Retomo um trecho do Sermão sobre o Evangelho de Lucas (Lc 22,7-10) escrito por Orígenes (séc. III):

Quem vos ensinou a escapar da cólera vindoura? Produzi frutos que a conversão pede.

Também a vós que vos aproximais para receber o batismo, vos é dito: produzi frutos que a conversão pede.

Quereis saber quais são os frutos que a conversão pede? Os frutos do Espírito são: amor, alegria, paz, compreensão, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança e outras qualidades do mesmo tipo.

Se possuíssemos todas estas virtudes, teríamos produzidos os frutos que a conversão pede”. (1)

Orígenes fala de nove frutos do Espírito, que produziremos se nos colocarmos numa sincera atitude de conversão permanente, abertos à ação do Espírito.

A proximidade do final do Ano Litúrgico é propícia para fazermos uma avaliação de quanto amadurecemos na fé, do quanto nos abrimos à ação do Espírito, e quais frutos do Espírito se tornaram visíveis em nossa vida, palavras e ações.

Como coroar Jesus Rei e Senhor do Universo sem a necessária conversão e abertura ao Seu Espírito?

Que os frutos do Espírito sejam cada vez mais abundantes em nós, na família, na comunidade e no mundo. Assim, a coroação do Senhor será, de fato, sincera, piedosa e agradável, renovando sagrados compromissos de reinar com Ele, no tempo presente, amando e servindo, em permanente apelo de conversão.


(1) Lecionário Patrístico  – Dominical - Editora Vozes – 2013 – Pág. 758

domingo, 19 de novembro de 2023

Em poucas palavras... (26/11)

 


A serenidade e o ardor...”

“A serenidade e o ardor devem caracterizar os cristãos no cumprimento das suas tarefas diárias. Cada liturgia, especialmente a da Eucaristia, é uma nova visita de Deus. Cada domingo é um ‘Dia do Senhor’ e o Ano Litúrgico uma série ininterrupta de domingos.” (1)

 

 

(1)             Missal Quotidiano, Dominical e Ferial – Editora Paulus – Lisboa – 2012 – pág.2250 – Passagem do Evangelho – Lc 21,5-19

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

“Misericordia et misera” (síntese n. 1)




“Misericordia et misera”

Seis anos passados, por ocasião do encerramento do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco nos agraciou com a Carta Apostólica “Misericordia et misera”, com vistas a continuar os propósitos e iniciativas surgidas ao longo de sua realização, e ora destaco alguns trechos.

“Misericordia et misera”, as duas palavras que Santo Agostinho utilizou para descrever o encontro de Jesus com a adúltera (cf. Jo 8, 1-11), em alusão ao amor de Deus que vem ao encontro do pecador: “Ficaram apenas eles dois: «a mísera e a misericórdia» Johannis 33,5), um ícone de tudo que celebramos no Ano Santo.

Ressalta que a misericórdia não pode ser reduzida a um parêntese na vida da Igreja, mas deve se constituir na sua própria existência, tornando visível e palpável a verdade profunda do Evangelho, pois tudo se revela na misericórdia; tudo se compendia no amor misericordioso do Pai.

No encontro de Jesus com a pecadora, não se encontram o pecado e o juízo em abstrato, mas uma pecadora e o Salvador. Jesus ao fixar nos olhos daquela mulher, leu o seu coração, com desejo de ser compreendida, perdoada e libertada:

– “A miséria do pecado foi revestida pela misericórdia do amor... ajuda-a a olhar para o futuro com esperança, pronta a recomeçar a sua vida; a partir de agora, se quiser, poderá «proceder no amor» (Ef 5, 2)”. (n.1)

O Papa também menciona a passagem do Evangelho em que uma pecadora, num banquete na casa de um fariseu (cf. Lc 7, 36-50), ungiu com perfume os pés de Jesus, banhando-os com as suas lágrimas e os enxugando com os seus cabelos, e muito foi perdoada, porque muito amou.

Fala-nos do perdão dado por Jesus no alto da Cruz: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34), de modo que, nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do Seu perdão.

Sendo assim, a misericórdia é a ação concreta do amor, que transforma e muda a vida de cada um de nós através do perdão.

O perdão experimentado pelas duas mulheres (a adúltera e a pecadora) faz brotar alegria no coração: “As lágrimas da vergonha e do sofrimento transformaram-se no sorriso de quem sabe que é amado. A misericórdia suscita alegria, porque o coração se abre à esperança duma vida nova. A alegria do perdão é indescritível, mas transparece em nós sempre que a experimentamos. Na sua origem, está o amor com que Deus vem ao nosso encontro, rompendo o círculo de egoísmo que nos envolve, para fazer também de nós instrumentos de misericórdia (n.3)

Não podemos permitir que a misericórdia experimentada, a alegria que ela nos dá, seja roubada devido às várias aflições e preocupações, por isto precisa estar bem enraizada no coração, para olharmos o dia-a-dia com serenidade.

Numa cultura marcada pela tecnologia, acompanhada da tristeza e solidão, urge que sejamos testemunhas da esperança e da alegria verdadeira, não nos enganando com felicidade fácil com “paraísos artificiais”, uma vez que a alegria verdadeira é sempre no Senhor (Fl 4, 4; cf. 1 Ts 5, 16) (cf n.3).

O vento impetuoso e salutar do Ano Santo nos desafia a não ficarmos na indiferença e, uma vez acolhido o sopro vital do Espírito, continuarmos o que foi iniciado.

Ele acena para as novas sendas a serem percorridas, levando a todos o Evangelho da Salvação, com a necessária “conversão pastoral”, a fim de não entristecermos o Espírito, com a força renovadora da Misericórdia. (n.5)

Continuaremos celebrando a misericórdia, porque ela está presente na oração da Igreja: no Ato Penitencial; no tempo quaresmal; na Oração Eucarística; depois do Pai Nosso; na oração antes do abraço da paz. De fato, cada momento da Celebração Eucarística faz referência à misericórdia de Deus (n.5).

Destaca de modo especial os Sacramentos de Cura: Penitência e Unção dos Enfermos, que favorecem a experiência da misericórdia de Deus, pois o amor de Deus nos precede, acompanha e permanece conosco, não obstante nossos pecados (n.5, n.8).

O Sacramento da Reconciliação precisa de voltar a ter o seu lugar central na vida cristã; para isso requerem-se sacerdotes que ponham a sua vida ao serviço do «ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18), de tal modo que a ninguém sinceramente arrependido seja impedido de aceder ao amor do Pai que espera o seu regresso e, ao mesmo tempo, a todos seja oferecida a possibilidade de experimentar a força libertadora do perdão (n.11).

Renovou a iniciativa das 24 horas para o Senhor, nas proximidades do IV Domingo da Quaresma, que goza já de amplo consenso nas dioceses e continua a ser um forte apelo pastoral para vivermos intensamente o Sacramento da Confissão (n.11).

Expressou gratidão aos Missionários da Misericórdia pelo valioso serviço oferecido para tornar eficaz a graça do perdão (n.9), de modo que todos os Sacerdotes devem se empenhar para oferecer oportunidade de confissão a quantos precisarem, vivendo a misericórdia de Deus de modo especialíssimo no Sacramento da Confissão.

É preciso que o sacerdote seja magnânimo de coração, ciente de que cada penitente lhe recorda a sua própria condição pessoal: pecador, mas ministro da Misericórdia (n.10).

Acena para a importância da Catequese, da Palavra de Deus proclamada, da homilia, que deve ser a expressão da verdade que anda de mãos dadas com a beleza e o bem, fazendo vibrar o coração dos crentes. Daqui decorre a necessária preparação pelo Sacerdote, como nos falou na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium n.142.

Cada vez mais deve ser acentuada a importância da Bíblia, que narra as maravilhas da misericórdia de Deus: «Toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (2 Tm 3, 16)

Enfatiza a importância da Leitura Orante como fonte de espiritualidade, assim como a valorização do Dia da Bíblia, num domingo do Ano Litúrgico.

Favorecer a “Lectio divina” sobre as Obras de Misericórdia à luz da Palavra de Deus e da Tradição espiritual da Igreja, levando a gestos e obras concretas de caridade (n.7).

Uma questão que merece toda a atenção está no parágrafo número 12, sobre o pedido de perdão para o pecado do aborto:

“Em virtude desta exigência, para que nenhum obstáculo exista entre o pedido de reconciliação e o perdão de Deus, concedo a partir de agora a todos os sacerdotes, em virtude do seu ministério, a faculdade de absolver a todas as pessoas que incorreram no pecado do aborto. Aquilo que eu concedera de forma limitada ao período jubilar fica agora alargado no tempo, não obstante qualquer disposição em contrário.

Quero reiterar com todas as minhas forças que o aborto é um grave pecado, porque põe fim a uma vida inocente; mas, com igual força, posso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai. Portanto, cada sacerdote faça-se guia, apoio e conforto no acompanhamento dos penitentes neste caminho de especial reconciliação”

Também concede a recepção válida e lícita da absolvição sacramental dos pecados dos que frequentam as Igrejas oficiadas pelos sacerdotes da Fraternidade de São Pio X (n.12).

No parágrafo seguinte, acena para o rosto da consolação que a misericórdia também possui «Consolai, consolai o meu povo» (Is 40, 1: “Enxugar as lágrimas é uma ação concreta que rompe o círculo de solidão onde muitas vezes se fica encerrado.

Todos precisamos de consolação, porque ninguém está imune do sofrimento, da tribulação e da incompreensão. Quanta dor pode causar uma palavra maldosa, fruto da inveja, do ciúme e da ira! Quanto sofrimento provoca a experiência da traição, da violência e do abandono! Quanta amargura perante a morte das pessoas queridas! E, todavia, Deus nunca está longe quando se vivem estes dramas. Uma palavra que anima, um abraço que te faz sentir compreendido, uma carícia que deixa perceber o amor, uma oração que permite ser mais forte... são todas expressões da proximidade de Deus através da consolação oferecida pelos irmãos” (n.13).

Grande ajuda também pode ser o silêncio; porque em certas ocasiões não há palavras para responder às perguntas de quem sofre: “O próprio silêncio pertence à nossa linguagem de consolação, porque se transforma num gesto concreto de partilha e participação no sofrimento do irmão” (n.13).

Também nos fala da família, da alegria do amor que se vive nas famílias, que é também o júbilo da Igreja, como mencionada em sua Exortação (Amoris Laetitiae n.17), em meio às dificuldades, provações, pelas quais passa, mas a família constitui num lugar privilegiado para se viver a misericórdia (Amoris Laetitiae n.291-300). A necessidade de acompanhá-las, solidifica-las na experiência viva da misericórdia.

Acena para a importância da presença do sacerdote no momento difícil que passa a família, a hora da morte de um de seus membros, sobretudo numa cultura em que se banaliza a morte, até mesmo a reduzindo a ficção ou a ocultando:

“Nós vivemos a experiência das exéquias como uma oração cheia de esperança para a alma da pessoa falecida e para dar consolação àqueles que sofrem a separação da pessoa amada”(n. 15).

O término do Jubileu e o fechar da Porta Santa exigem que a porta da misericórdia do nosso coração permaneça sempre aberta.

A misericórdia renova e redime, porque é o encontro de dois corações: o de Deus que vem ao encontro do coração do homem. Experimentada a misericórdia, não há como recuar.

Daqui decorre a necessidade de dar espaço à imaginação a propósito da misericórdia para dar vida a muitas obras novas, fruto da graça (n.17).

Volta à prática das obras de misericórdia (corporais e espirituais), que continuam a tornar visível a bondade de Deus, num mundo marcado por sinais de pecado, morte, sofrimento, pobreza e muito mais (n.18):

“...as obras de misericórdia corporal e espiritual constituem até aos nossos dias a verificação da grande e positiva incidência da misericórdia como valor social. Com efeito, esta impele a arregaçar as mangas para restituir dignidade a milhões de pessoas que são nossos irmãos e irmãs, chamados conosco a construir uma «cidade fiável»” (n.18).

...O mundo continua a gerar novas formas de pobreza espiritual e material, que comprometem a dignidade das pessoas. É por isso que a Igreja deve permanecer vigilante e pronta para individuar novas obras de misericórdia e implementá-las com generosidade e entusiasmo” (n.19).

“.... ponhamos todo o esforço em dar formas concretas à caridade e, ao mesmo tempo, entender melhor as obras de misericórdia. Com efeito, esta possui um efeito inclusivo pelo que tende a difundir-se como uma nódoa de azeite e não conhece limites. E, neste sentido, somos chamados a dar um novo rosto às obras de misericórdia que conhecemos desde sempre. De fato a misericórdia extravasa; vai sempre mais além, é fecunda. É como o fermento que faz levedar a massa (cf. Mt 13, 33), e como o grão de mostarda que se transforma numa árvore (cf. Lc 13, 19) (n.19).

“...O caráter social da misericórdia exige que não permaneçamos inertes mas afugentemos a indiferença e a hipocrisia para que os planos e os projetos não fiquem letra morta. Que o Espírito Santo nos ajude a estar sempre prontos a prestar de forma efetiva e desinteressada a nossa contribuição, para que a justiça e uma vida digna não permaneçam meras palavras de circunstância, mas sejam o compromisso concreto de quem pretende testemunhar a presença do Reino de Deus” (n.19).

O Papa nos interpela na construção da cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos. (n.20):

Esta cultura da misericórdia forma-se na oração assídua, na abertura dócil à ação do Espírito, na familiaridade com a vida dos Santos e na solidariedade concreta para com os pobres (n.20).

Concluindo, o Papa exorta que a continuidade da experiência do Jubileu faça chegar a todos a carícia de Deus através do testemunho dos crentes (n.21).

Vivemos o tempo da misericórdia, sentindo a presença de Deus, experimentando a sua ternura, de modo especial na solidariedade para com os pobres e buscando o perdão de Deus, como pecadores que somos, a fim de sentirmos a mão de Deus Pai que nos acolhe e nos abraça (n.21).

Como sinal concreto, o Papa exorta para que seja celebrado no 33º Domingo do Tempo Comum, o Dia Mundial dos Pobres, fazendo deste momento um modo mais digno para a preparação e vivência da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, que Se identificou com os mais pequenos e os pobres e nos há de julgar sobre as obras de misericórdia (cf. Mt 25, 31-46):

“Será um Dia que vai ajudar as comunidades e cada batizado a refletir como a pobreza está no âmago do Evangelho e tomar consciência de que não poderá haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa casa (cf. Lc 16, 19-21).

Além disso este Dia constituirá uma forma genuína de nova evangelização (cf. Mt 11, 5), procurando renovar o rosto da Igreja na sua perene ação de conversão pastoral para ser testemunha da misericórdia” (n.21).

Finaliza nos confiando à ajuda materna de Maria, a Mãe da Misericórdia que nos acompanha no testemunho do amor, pois ela nos indica o perene olhar para Jesus, “o rosto radiante da misericórdia de Deus” (n. 22).




Leia a Carta na íntegra acessando: 

“Misericordia et misera” (síntese n.2)

 
“Misericordia et misera” (síntese n.2)

Em novembro de 2016, ao encerrar o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco nos agraciou com a Carta Apostólica “Misericordia et misera”, com vistas a continuar os propósitos e iniciativas surgidas ao longo de sua realização: “Termina o Jubileu e fecha-se a Porta Santa. Mas a porta da misericórdia do nosso coração permanece sempre aberta de par em par” (n.16)

Inicia a referida Carta “Misericordia et misera”, referindo-se às duas palavras que Santo Agostinho utilizou para descrever o encontro de Jesus com a adúltera (cf. Jo 8, 1-11), em alusão ao amor de Deus que vem ao encontro do pecador.

Ressalta que a misericórdia não pode ser reduzida a um parêntese na vida da Igreja, mas deve se constituir na sua própria existência, por se tratar da verdade profunda e visível do próprio Evangelho.

Fundamenta-se na passagem do Evangelho, em que uma pecadora, num banquete na casa de um fariseu (cf. Lc 7, 36-50), ungiu com perfume os pés de Jesus, banhando-os com as suas lágrimas e os enxugando com os seus cabelos, e muito foi perdoada, porque muito amou.

Outra referência do Evangelho é o perdão dado por Jesus no alto da Cruz: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34), de modo que, nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do Seu perdão.

Sendo assim, a misericórdia é a ação concreta do amor, que transforma e muda a vida de cada um de nós através do perdão, e não é um parêntese na vida da Igreja.

O perdão experimentado pelas duas mulheres (a adúltera e a pecadora) faz brotar alegria no coração.

O vento impetuoso e salutar do Ano Santo nos desafia a não ficarmos na indiferença e, uma vez acolhido o sopro vital do Espírito, continuarmos o que foi iniciado, e apresento de forma esquemática algumas ações concretas na Carta mencionadas.

1 - Viver a necessária “conversão pastoral”, a fim de não entristecermos o Espírito, com a força renovadora da Misericórdia levando a todos a Boa- Nova da Salvação. (n.5)

2 - Celebrar a misericórdia, que se encontra presente na oração da Igreja: no Ato Penitencial; no tempo quaresmal; na Oração Eucarística; depois do Pai Nosso; na oração antes do abraço da paz. De fato, cada momento da Celebração Eucarística faz referência à misericórdia de Deus (n.5).

3 - Valorizar, de modo especial, os Sacramentos de Cura: Penitência e Unção dos Enfermos, favorecendo a experiência da misericórdia de Deus.

4 - Continuar a iniciativa das 24 horas para o Senhor, nas proximidades do IV Domingo da Quaresma, como forte apelo pastoral para vivermos intensamente o Sacramento da Confissão (n.11).

5 - Todos os Sacerdotes se empenhem para oferecer oportunidade de confissão a quantos precisarem, acolhendo assim os pecadores na misericórdia de Deus.

6 - Valorizar a Palavra de Deus na Catequese e Homilias, sendo esta última a expressão da verdade que anda de mãos dadas com a beleza e o bem, fazendo vibrar o coração dos crentes. Por isto a necessária preparação pelo Sacerdote (Evangelii Gaudium n.142).

7 - Acentuar cada vez mais a importância da Bíblia, que narra as maravilhas da misericórdia de Deus: «Toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (2 Tm 3, 16)

8 - Valorizar o Dia da Bíblia, num domingo do Ano Litúrgico, ressaltando a importância da Palavra de Deus, pois ela é a revelação da misericórdia de Deus.

9 - Incentivar a Leitura Orante como fonte de espiritualidade, e de modo especial sobre as Obras de Misericórdia à luz da Palavra de Deus e da Tradição espiritual da Igreja, levando a gestos e obras concretas de caridade (n.7).

10 - Todos os sacerdotes podem dar o perdão de Deus para quem pedir perdão para o pecado do aborto (um grave pecado, reitera o Papa), até que se diga algo em contrário:“Em virtude desta exigência, para que nenhum obstáculo exista entre o pedido de reconciliação e o perdão de Deus, concedo a partir de agora a todos os sacerdotes, em virtude do seu ministério, a faculdade de absolver a todas as pessoas que incorreram no pecado do aborto. Aquilo que eu concedera de forma limitada ao período jubilar fica agora alargado no tempo, não obstante qualquer disposição em contrário...” pois todo pecado, pressupondo o arrependimento pode ser destruído pela misericórdia divina.

11 - Conceder a recepção válida e lícita da absolvição sacramental dos pecados dos que frequentam as Igrejas oficiadas pelos sacerdotes da Fraternidade de São Pio X (n.12).

12 - Favorecer para que a alegria do amor que se vive nas famílias se intensifique, pois esta alegria é também o júbilo da Igreja, como mencionada em sua Exortação (Amoris Laetitiae n.17), em meio às dificuldades, provações, pelas quais passa, mas a família constitui num lugar privilegiado para se viver a misericórdia (Amoris Laetitiae n.291-300). A necessidade de acompanhá-las, solidificá-las na experiência viva da misericórdia.

13 - A importância da presença do sacerdote no momento difícil que passa a família, a hora da morte de um de seus membros, sobretudo numa cultura em que se banaliza a morte, até mesmo a reduzindo a ficção ou a ocultando, de modo que a oração das exéquias seja um momento forte de esperança para a alma da pessoa falecida e para dar consolação à família que sofre a separação da pessoa amada.

14 - Construir da cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos (n.20). Deste modo é preciso intensificar a oração assídua, na abertura dócil à ação do Espírito, na familiaridade com a vida dos Santos e na solidariedade concreta para com os pobres (n.20) na construção da cultura da misericórdia

15 - Exorta para que seja celebrado no 33º Domingo do Tempo Comum, o Dia Mundial dos Pobres, fazendo deste momento um modo mais digno para a preparação e vivência da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, que Se identificou com os pequeninos e os pobres e nos há de julgar sobre as obras de misericórdia (cf. Mt 25, 31-46):

Concluindo, o Papa exorta que, a continuidade da experiência do Jubileu, faça chegar a todos a carícia de Deus, através do testemunho dos crentes (n.21), confiando-nos à ajuda materna de Maria, a Mãe da Misericórdia, que nos acompanha no testemunho do amor, pois ela nos indica o perene olhar para Jesus, “o rosto radiante da misericórdia de Deus” (n. 22).




O que fazer para entrar pela “porta estreita” da Salvação?

                                        


O que fazer para entrar pela “porta estreita” da Salvação?

Antes que a “porta” do Reino se feche quero entrar por ela...
O que faço para passar por esta “porta”?
O que faço para alcançar a Salvação?
A “porta” se fechará?  

Reflitamos sobre o Evangelho proclamado na Liturgia da quarta-feira da 30ª Semana do Tempo Comum – (Lc 13, 22-30), em que Jesus apresenta proposta da Salvação destinada a todos os povos.

O desejo de Deus é que haja um só povo, superando-se todas as divisões, discriminações, exclusões...

A Salvação Divina traz em si o desejo de Deus: todos podem ser salvos. A universalidade da Salvação passa por Jesus e vem por meio d’Ele, exclusivamente.

Ele é a “porta estreita” da caridade, doação, partilha e solidariedade. Para passar por esta “porta” não basta apenas multiplicar Orações, aumentar o número de vezes que participamos da Missa e tão pouco das vezes que pronunciamos o nome de Deus...

A porta, ou melhor, a passagem pela porta exige que superemos toda acomodação e  desânimo.

Exige a coragem de enfrentar o sofrimento, que por si só, não faz sentido algum, mas que na perspectiva da fé visto pode ser pedagógico e medicinal.

Sofrimento assumido na perspectiva da Cruz ensina, corrige, amadurece, pode nos curar de certas enfermidades e fragilidades que muitas vezes nem damos conta.

É inconcebível uma fé que nos instale e nos acomode, ao contrário, uma fé autêntica  nos incomoda até que o mundo seja o que Deus deseja, ou seja, o melhor para nós.

Urge recuperar sempre o brilho e o entusiasmo que provém da fé genuína. Mesmo em noites escuras, em momentos de crises Deus continua nos amando. Mesmo nos dramas da vida, Deus manifesta o Seu indizível Amor que nos acompanha e nos salva.

Podemos duvidar de muitas coisas, mas jamais do Amor incondicional de Deus, que muitas vezes parece ausente, mas é constante e sempre presente.

Com isto somos chamados a abandonar toda prática que nos afasta de Deus e do próximo: egoísmo, arrogância, petulância, prepotência, individualismo, indiferenças, rancores, ressentimentos.

Passar pela “larga porta” é trilhar por estas escolhas. A “porta larga” seduz momentaneamente, no entanto, a “porta estreita” salva eternamente! A porta larga é mais fácil, mas empobrece.

A “porta estreita” é muito mais difícil, mas nos enriquece, amadurece. 

Entrar por ela é fazer-se pequeno como Jesus: simples, humilde, servidor, capaz de amar os outros até o extremo, fazendo de nossa vida um dom.

É seguir Jesus no Seu exemplo de Amor e entrega ao Pai, Amor que nos ama e nos amou até o fim, até o extremo.

Amor que foge de nossos parâmetros e categorias. Amor muitas vezes incompreendido.

Amor que, por nós, precisa ser vivido, e quando vivido causa “vertigem”, porque nos desaloja e impulsiona e a vida redimensiona, pois se enraizados no Amor de Cristo, só haverá uma “porta”: a estreita.

Reflitamos:

 A porta da salvação é estreita, mas quem por ela não deseja entrar?
 O céu é possível? Para quem e como?
 Como passar pela porta que nos leva aos céus?

De fato, a salvação é para todos, e a questão, portanto, não é saber quantos a alcançarão, mas se estamos dispostos a multiplicar esforços para pela “porta estreita” passar e a eternidade alcançar!

Façamos, de fato, esforço incansável de passar pela “porta estreita” que nos conduz à eterna felicidade, enraizados no amor de Cristo, brotarão frutos que ficarão para a eternidade!

Joelhos dobrados diante de Deus

 


Joelhos dobrados diante de Deus

Retomo duas citações do Missal Cotidiano, ao ouvirmos as passagens da Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 8,12-17) e do Evangelho de Lucas (Lc 13,10-17), na Liturgia da segunda-feira da 30ª Semana do Tempo Comum:

- “Só de joelhos diante de Deus, definido pela Bíblia como Amor, pode-se entender alguma coisa.” (1)

- “Se, porém, Deus é amor, obedeceremos a um contínuo impulso para inventar, para sempre ser ‘novos’ com Ele e com os irmãos.” (2)

Quando nos curvamos diante de Deus, dobrando joelhos, reconhecemos nossa finitude diante do infinito; assumimos os limites de nossa condição diante d’Aquele que não conhece limite, pois ultrapassa nossa humana concepção, porque onipotente.

Tomamos consciência de nossa miséria diante da misericórdia; reconhecemos que nada somos, podemos e temos, não fosse a onipotência da misericórdia de Deus, que vem em socorro de nossas fraquezas – “Por isto, me comprazo nas fraquezas, nas angústias, por causa de Cristo. Pois, quando sou fraco, então é que sou forte.” (2 Cor 12,10).

Joelhos dobrados diante de Deus e Sua infinita Misericórdia, na fidelidade a Jesus Cristo, que nos revelou o Seu divino rosto em Sua humanidade, tornamo-nos uma nova criatura, não mais para viver segundo a carne, mas segundo o Espírito, porque tão somente a Trindade em nós agindo nos renova, recria, e mergulhados neste imenso, inesgotável, infinito Mistério de amor e comunhão, seguimos em frente.

Realidades aparentemente intransponíveis são superadas. Caminhos tortuosos dos pecados capitais (soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça) são aplainados, e trilhamos por novas veredas, onde florescem as flores pascais do amor, da verdade, justiça, vida, luz e paz, sinais do Reino de Deus entre nós.

Dobremos nossos joelhos diante de Deus enquanto é tempo, para que o Seu Amor aja em nós, fecundando nosso coração para a acolhida das sementes e germes de vida plena e feliz e eterna. Amém.

 

(1) Missal Cotidiano – Editora Paulus – p.1424

(2)Idem – p.1427

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG