A voz de João ressoa em todos os tempos
“Preparai- o caminho do Senhor,endireitai suas estradas!” (Mc 1,3)
Celebrando a Liturgia do segundo Domingo do Tempo do Advento, sejamos enriquecidos pelo Sermão de São Máximo de Turim (sec. V), que nos fala da voz de João, convocando-nos a preparar o caminho do senhor e aplainar os caminhos de nosso Deus (cf. Mt 3,1-12; Mc 1,1-8; Lc 3,1-6).
“A Escritura divina não cessa de falar e gritar, como se escreveu de João: Eu sou a voz que grita no deserto. Pois João não gritou somente quando, anunciando aos fariseus o Senhor e Salvador, disse: Preparai o caminho do Senhor, aplainai os caminhos de nosso Deus, mas hoje mesmo a sua voz segue ressoando em nossos ouvidos, e com o estrépito de sua voz sacode o deserto dos nossos pecados. E mesmo que ele durma já com a morte santo do martírio, sua palavra segue, contudo, viva. Também a nós ele nos diz hoje: Preparai o caminho do Senhor, aplainai os caminhos de nosso Deus. Assim, pois a Escritura divina não cessa de gritar e falar.
Entretanto, hoje João grita e diz: Preparai o caminho do Senhor, aplainai os caminhos de nosso Deus. Se ele nos manda preparar o caminho do Senhor, a saber: não se refere às desigualdades do caminho, mas à pureza da fé. Porque o Senhor não deseja abrir um caminho nas veredas da terra, mas no segredo do coração.
Porém, vejamos como esse João nos manda preparar o caminho do Senhor, se ele mesmo o preparou ao Salvador. Ele dispôs e orientou todo o curso de sua vida para a vinda de Cristo. Foi, de fato, amante do jejum, humilde, pobre e virgem. Descrevendo todas estas virtudes, diz o evangelista: João se vestia de pele de camelo, com uma correia de couro na cintura, e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre.
Cabe maior humildade em um profeta que, desprezando as vestes macias, cobrir-se com a aspereza da pele do camelo? Cabe fidelidade mais fervorosa que, com a cintura cingida, estar sempre disposto para qualquer serviço? Existe abstinência mais admirável que, renunciando às delícias desta vida, alimentar-se de gafanhotos estridentes e mel silvestre?
Penso que todas estas coisas das quais o profeta se servia eram em si mesmas uma profecia. Pois que o precursor de Cristo levasse uma veste trançada com os rudes pelos do camelo, que outra coisa podiam significar senão que vindo Cristo ao mundo iria se revestir da condição humana, que encontrava-se tecida pela aspereza dos nossos pecados? A correia de couro que leva à cintura, que outra coisa evidencia senão esta nossa frágil natureza, que antes da vinda de Cristo estava dominada pelos vícios, enquanto que depois de sua vinda foi encaminhada para a virtude?” (1)
Dando os primeiros passos neste Tempo do Advento, em que nos preparamos para celebrar o nascimento do Salvador, e renovar sagrados compromissos na espera de Sua vinda gloriosa, acolhamos a voz profética de João – “Preparai- o caminho do Senhor, endireitai Suas estradas!” (Mc 1,3).
Vivemos o início de uma crise “poliédrica”, como nos fala o Cardeal José Tolentino de Mendonça que nos desafia à conversão e reorientação dos rumos de nossa história:
“Que tempo é este que estamos a viver? A que o havemos de comparar? Podemos, efetivamente, olhar apenas para o assédio devastador desta crise que começa por ser sanitária, mas que depressa contaminou tantos outros âmbitos, tornando-se uma crise poliédrica: econômica, social, política, eclesial, civilizacional... Este não é o momento para fazer cair os braços em desânimo, mas é um tempo para apostas de confiança... Não é só um tempo para fechar a semente no celeiro enquanto se aguardam as condições que considerarmos propícias: este é um tempo bom para os semeadores saírem para o campo, para os pescadores se aventurarem ao lago. Não é só uma estação para gerir aflições crescentes: é também a ocasião em que Deus nos ordena que arrisquemos como Igreja e que compremos um campo novo.”
Urge que a voz de João Batista ressoe mais forte em nossos ouvidos, e como o “estrépito de sua voz sacode o deserto dos nossos pecados”, nos acorde para novos tempos, nesta preparação para a celebração do nascimento do Salvador da humanidade.
(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013 – pp.277-278


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