segunda-feira, 15 de abril de 2024

Confesso...

                                                   

Confesso...
“Confessai, pois, uns aos
outros os vossos pecados” (Tg 5,16)

Quando fico sozinho com meu mal, fico totalmente só, apesar da devoção e oração comum, apesar de toda comunhão no servir.

É possível que eu não sinta romper aquela última barreira que nos separa da comunhão, porque vivemos juntos como pessoas crentes e piedosas, e não como pessoas descrentes e pecadoras.

A comunhão piedosa não permite que eu me sinta pecador, por isto preciso esconder o pecado de mim mesmo e da comunidade.

É inimaginável o pavor que sentiria, como cristão piedoso, se visse aparecer de repente um pecador de verdade diante de mim. Contento-me em ficar sozinho com meu pecado, na mentira, na hipocrisia.

Tenho dificuldade de compreender a Sagrada Escritura quando diz: “Tu és pecador, um grande pecador incurável; e agora, como pecador que tu és, chega-te a teu Deus que te ama. Ele te quer tal como és. Não quer nada de ti, nem sacrifício nem obra. Ele quer a ti somente. ‘Meu filho, dá-me o teu coração” (Pv 23,26).

Mas Deus veio a mim para me salvar, porque pecador sou. Diante de Deus não posso me ocultar. Diante d’Ele, nada vale a máscara que uso perante as pessoas.

Deus quer ver-me assim como sou, quer ser misericordioso comigo. Já não tenho necessidade de mentir para mim mesmo nem para o irmão, como se não tivesse pecado: sou pecador e agradeço a Deus por isso, pois Ele ama o pecador, mas odeia o pecado.

Cristo tornou-se nosso irmão na carne, para que crêssemos n’Ele. N’Ele veio o amor de Deus ao pecador: a miséria do pecador e a misericórdia de Deus – eis a verdade do Evangelho de Jesus Cristo.

Por esta razão autorizou os seus a ouvir a confissão dos pecados e a perdoá-los em Seu nome: “Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,23).

O irmão-ministro que perdoa está no lugar de Cristo e perante ele já não preciso fingir. Perante ele, e mais ninguém no mundo, posso ser o pecador que sou, pois neste momento reina, de modo sublime, a verdade de Jesus e Sua misericórdia.

Cristo tornou-se nosso irmão para nos ajudar; e agora o irmão se tornou um Cristo, age “in persona Christi”, no poder de sua missão.
O irmão está diante de mim como o sinal da verdade e da graça de Deus: ajuda-me, ouve minha confissão em lugar de Cristo e em lugar d’Ele me perdoa; guarda o segredo de confissão tão bem como Deus o guarda. Assim, quando me confesso ao irmão, confesso-me a Deus.

Na confissão que faço acontecem irrompimentos:

a) o irrompimento (reconstrução, resgate, restauração) da comunhão: o pecado queria ficar a sós comigo para me afastar da comunhão, pois quanto mais solitário a pessoa o for, mais destruidor será o poder do pecado em sua vida, e quanto mais profundo o envolvimento com o pecado, mais desesperadora se torna a solidão. Assim é o pecado, faz questão de permanecer no anonimato, por isto teme a luz. Na confissão, à luz do Evangelho, sinto irromper nas trevas e no fechamento do coração. Todas as coisas ocultas que tinha, agora ficam manifestas. O pecado uma vez expresso e confessado, já não tem poder, pois foi manifesto como pecado e julgado como tal, e já não tem o poder de dilacerar a comunhão. Sinto que o mal foi tirado e agora me encontro na comunhão dos pecadores que vivem na graça de Deus, e sinto que reencontrei a comunhão justamente na confissão.

b) o irrompimento para a cruz (abertura, aceitação): sendo a soberba a raiz de todo pecado, quero viver para mim mesmo, tendo direito a mim mesmo, a meu ódio e minha cobiça, minha vida e minha morte. A confissão a um irmão é a mais profunda humilhação, pois machuca, torna-me pequeno, abate a soberba horrivelmente. Por esta humilhação ser tão amarga, creio que posso evitar a confissão diante do irmão.

Mas foi o próprio Jesus Cristo que sofreu publicamente em nosso lugar a morte vergonhosa do pecador. Não Se envergonhou de ser crucificado como malfeitor. E nesta Cruz temos a destruição de toda soberba; na confissão sinto irromper a autêntica comunhão da Cruz de Jesus Cristo e nela aceito a minha cruz.

Experimento na confissão a Cruz de Cristo como salvação e bem-aventurança. Morre em mim o homem velho, tenho parte na Ressurreição de Cristo e na vida eterna.

c) o irrompimento (inauguração) para a nova vida“Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova” (2 Cor 5,17). Pela confissão sinto que Cristo fez um novo começo. Ao confessar entrego tudo para seguir o Senhor como fizeram os primeiros discípulos. A partir deste momento alcanço vitória sobre vitória, e na confissão, renova-se o que aconteceu no dia do Batismo: fui salvo das trevas para o Reino de Jesus Cristo. Sinto-me envolvido por uma mensagem de imensa alegria. Sinto que a confissão é a renovação da alegria batismal –“De tarde vem o pranto nos visitar, de manhã gritos de alegria vem nos saudar” (Sl 30,6).

d) o irrompimento (abertura) para a certeza: Muitas vezes me parece mais fácil confessar perante Deus do que diante de um irmão; é que Deus é santo e sem pecado e o irmão pecador como eu, conhece tanto quanto eu a noite do pecado secreto por experiência própria. Muitas vezes vivo na auto-absolvição e não na real absolvição dos pecados; a primeira não leva o rompimento com o pecado. Na presença do irmão, o pecado deve vir à luz. Deste modo a confissão dos pecados ao irmão é graça. Quando ouço o irmão dizer “Eu te absolvo”, sinto que a confissão foi feita e pela absolvição dada pelo Senhor tenho a certeza do perdão divino.

Concluindo: numa confissão bem feita sinto a oferta da graça, da ajuda divina a mim que sou um pecador. Sinto que a confissão é um ato em nome de Cristo, completo em si mesmo, sendo praticado na comunidade, sempre que exista sincero desejo.

Reconciliado com Deus e com as pessoas, quero receber o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, lembrando as Palavras do Senhor, segundo as quais não posso me apresentar diante do Altar se o coração não estiver reconciliado com o irmão. Esta ordem se aplica a cada culto, a cada oração e muito mais para a autêntica participação da Santa Ceia do Senhor.

Para participar da Ceia do Senhor devo afastar de mim toda ira, discórdia, inveja, conversa maliciosa e atitudes desleais, uma vez que, a Celebração da Eucaristia é festa para a comunidade cristã da qual faço parte.

Reconciliada no coração com Deus e com os irmãos, a comunidade recebe a dádiva do Corpo e Sangue de Jesus Cristo, e nela, o perdão, a nova vida e a Bem-Aventurança, expressão da comunhão cristã. Por ora, unidos no Corpo e Sangue na Mesa do Senhor.

  
PS: Livre Adaptação do Texto “Vida em Comunhão” (D. Bonhoeffer). 

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