terça-feira, 31 de dezembro de 2024

O retrovisor e o farol de milha (parte I)

                                                         

O retrovisor e o farol de milha

Que bom terminar bem mais um ano para começar outro melhor... Eis o desejo que cada um carrega, dentro de si, neste dias que antecedem o Ano Novo.

Mas, como terminar bem um ano? Olhando pelo retrovisor de nossa história, escrita ao longo de um ano que finda.  Poder terminá-lo, já é terminar bem, quando tantos não o puderam…

Terminar bem é ter a certeza de que é possível recomeçar melhor.

Quando um ano finda e outro começa, mais que mudança de algarismos, deve ser mudança de atitudes, revisão de caminhos, projetos, reorientação dos passos…

É poder olhar pelo retrovisor e contemplar o que de bom fizemos para a santificação de nossa família, pelo bem dos filhos, pela alegria de nossos pais…

É olhar, contemplar no mesmo retrovisor o crescimento da comunidade que fazemos parte, e saber que nela fomos apenas servos inúteis e fizemos o que devíamos fazer, embora ainda pudéssemos fazer muito mais.

É ver a Igreja concretizando propostas de Assembleias para os apelos da modernidade responder… E quantos apelos, quantos desafios! 

Como pobres sempre haveremos de ter, Boa-Nova sempre haveremos de anunciar e à messe, discípulos missionários jamais poderão faltar!

Há sempre muito mais a fazer! Os apelos da Boa Nova são intermináveis!

No retrovisor contemplo pessoas que acreditam que o Verbo Se fez, de fato, morada em nosso meio, conosco veio caminhar.

Se os apelos e desafios são grandes, bem maior é o nosso Deus e Sua força, Sua sabedoria e Sua luz…

É preciso saber que cada dia foi dom, graça para construir verdadeiras amizades, porque afinal são elas o que contam e devem se multiplicar em nossos retrovisores. Feliz quem puder contemplar alguns poucos e bons amigos em seu retrovisor.

É preciso contemplar no retrovisor do mundo passos dados para a construção da democracia, ainda que se insista em perpetuar o vírus do poder que mata, viola a beleza e a sacralidade da vida.

É preciso acreditar que os conflitos, que ainda teimam aparecer em nosso retrovisor, um dia serão coisas do passado:

Bombas lançadas contra pessoas, atrocidades abomináveis e práticas odiáveis serão apenas lembranças amargas de páginas viradas e pelo tempo amareladas...

É preciso ver que todo esforço em defesa da vida, da concepção ao seu declínio natural, não foi apenas um jargão, mas princípio que nos acompanha e nos orienta em todo existir na luta contra toda prática conivente com o aborto e a interrupção da vida…

É preciso ver que apesar da insanidade e nervosismo do mercado, crise mundial repetida incontáveis vezes, em páginas e telas multiplicadas, não dilacerou a esperança daqueles que têm outra métrica, outro parâmetro, outros sonhos, outro modo de ver a economia, o mercado…

É preciso contemplar pessoas que não se curvam ao capital e ao deus do mercado, que sobrevive à custa do sofrimento e miséria dos pobres…

Terminar bem...
É poder ver!
É não ter medo de ver!
É ter a ousadia de ver…

Quem não for capaz de assumir seu passado vive um presente de instabilidade e um futuro de incertezas sepulcrais, em que serão enterrados sonhos, alegrias, esperanças e utopias…

- O que você pode ver no teu retrovisor?
- Recomeçar um ano melhor é possível?

Sim, é possível. É possível para quem não temeu contemplar seu retrovisor existencial. Não temeu rever seus passos. Não temeu rever seus conceitos, parâmetros, passos às vezes sem rumo, outras vezes de rumo incerto.

Com coragem olhemos no retrovisor de nossa história:
Contemplemos os acertos e os multipliquemos; admitamos os erros e os superemos,
subtraiamos decididamente!

O retrovisor e o farol de milha (parte II)

                                                 

O retrovisor e o farol de milha

Feliz Ano Novo diremos uns aos outros. 
Mas como começar melhor o ano?

Acendendo o nosso farol de milha, apontando para os dias do novo ano e iluminando alguns sinais que nos permitirão recomeçá-lo melhor.

Permita-me falar de um “farol de milha existencial”, que nos acompanha em toda a vida:

É preciso saber apontar o farol para acertar o caminho. Não enveredar por caminhos escuros sem a Luz necessária: Deus e Seu Espírito. É lembrar que temos origem e meta.

É nunca esquecer que de Deus viemos, nos movemos e somos, e para Ele haveremos de um dia voltar… O nascimento aponta para o crescimento, morte, eternidade… para além da contagem de segundos, horas, dias, semanas, meses e anos…

É acreditar que outro mundo é possível, não como teimosia inconsequente, mas como sonho e paixão pelo horizonte do inédito ainda não vislumbrado.

É alargar os horizontes e nossos sonhos, projetos, para que não apenas caibam nossas ambições desmedidas, mas possam contemplar a humanidade de que somos parte, uma pequenina e necessária parte.

É saber que não somos o mar, apenas uma gota nele. Mas o que faz o mar existir se não a somatória das gotas?

É não esquecer que o grão de areia ínfimo que somos se perde na imensidão da areia do mundo. Mas não haveria areia do mar e areia no deserto se não fosse o menor dos menores dos grãos.

Consciência de nossa pequenez, sem lugar para arrogância e prepotência que assola tantos corações e mentes.

É acreditar que a seiva de um pequeno ramo faz a mata, a floresta; que a seiva do amor, que em nosso sangue e coração corre, faz a grande humanidade.

É os pilares da casa da paz, revigorar: Verdade, justiça, amor e liberdade, e em todos os telhados esta Boa-Nova anunciar…

É decretar a pobreza como mal a ser eliminado, a partir da solidariedade global; é fazer um lema de nossa vida esta grande verdade: “combater a pobreza é construir a paz”… Não apenas a pobreza material, que por si mesma já é abominável e deplorável, mas também a pobreza espiritual e mental que abate ricos e abastados.

A riqueza da graça de Deus não combina com um mundo em que a pobreza material e espiritual vítimas ainda multiplique...
É cuidar de nossa casa comum, o planeta, com todo carinho: “Dominar a terra” não será destruí-la inescrupulosamente. Somos todos por esta casa responsável: terra, céu, fogo e ar…

É fazer da paz um sonho, uma busca, uma meta, uma conquista, uma utopia. Verdadeiramente, a paz deve guiar o destino da humanidade:

Todo dia há de ser o Natal da Paz,
Da fonte da Paz, de Jesus,
Aquele que nos Salva
E a vida tece e refaz…

É manter acesa e inflamada a chama da fé com o cuidado para que os ventos das contrariedades e dificuldades, enfermidades e mortes não a apaguem…

É cuidar da semente da esperança, que no Natal foi plantada, para que regada em nosso coração, flores e frutos saborosos o mundo possa saborear…

É a incansável subida da escada da caridade continuar: “… conjugar o verbo armar sem a letra r…”. O amor é a nossa grande arma!

Não deixar de buscar a escada que Jacó contemplou, e que Jesus ao mundo apresentou: a escada da caridade que leva para a cruz, para a morte consumar, para a vida por amor entregar. 

O amor que por amor até fim nos amou. Escada que aponta para o alto, para a glória dos céus, para a glória da eternidade.

É pedir ao Pai:

“A escada da caridade de cada dia nos dai hoje
E não nos deixeis desanimar,
ainda que a cruz tenhamos que carregar.
Que o amor possamos testemunhar,
Para a glória dos céus alcançar.
Amém!”

Um Ano que termina, outro que inicia...

                                              

Um Ano que termina, outro que inicia...
       
Textos, obras, escritos, a história;
A arte, a música, a ideologia,
O sonho, a utopia, a reflexão espiritual...
Um relacionamento de amizade ou conjugal...

Mais um Ano que termina...
Tempo favorável para retrospectivas frutuosas:
Rever as atitudes, avaliar os sentimentos.

Tudo pode ser uma auspiciosa procura e encontro, ou não...
Que cada um faça suas buscas.
faça seus encontros e reencontros.
Refaça seus caminhos e concretize seus sonhos.

Tenhamos coragem de olhar para trás,
E erros, mais que dar conta, admitir, perdão a Deus pedir.
Acertos, mais que exaltação, aprimoramentos...
E louvores a Deus elevar.

Um Ano Novo que inicia...
Deixemos algumas coisas para trás, outras nem tanto.
Que olhemos para frente,
Com olhar de confiança e esperança;
Ousadia e coragem...

Assim é a história de cada um:
Aprendizado com o passado
Para um presente mais amadurecido.
No futuro, por certo, flores e frutos,
Colher com alegria e gratidão,
Por ter a vida, com graça e encanto,
Deliciosamente vivido!

Deus quer sempre o melhor de nós para nós mesmos.
Faço votos que esta reflexão nos propicie esta necessária avaliação:
Simples, mas não menos ousadas propostas fazer,
Para a que a Luz de Deus em mais um Ano venha a resplandecer.
Haverá melhor forma de amá-Lo e adorá-Lo?

Deus seja louvado pelo ano que encerra.
Deus abençoe o novo ano que iniciaremos...

“O Verbo Se fez Carne”

                                                   


“O Verbo Se fez Carne”

Na Missa do Dia de Natal, celebramos o Mistério da Encarnação numa atitude de serena alegria e de ação de graças por tão maravilhoso acontecimento:

- O Filho eterno do Pai fez-Se homem;
- O Verbo que tudo criou fez-Se carne da nossa carne;

- Aquele que habitava nos Céus pôs a Sua morada no meio de nós;
- A “verdadeira luz” que veio ao mundo, deu a conhecer a Deus “a quem nunca O tinha visto”.

Na passagem da primeira Leitura, proclamamos o oráculo do Profeta Isaías (Is 52, 7-10). Um oráculo em forma de poema, com um lirismo surpreendente:

“Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a Boa Nova, que proclama a Salvação...” (Is 52.7).

Somos convidados a contemplar a Pessoa do recém-nascido reclinado numa manjedoura, e assim contemplamos a imensurável humildade de um Deus, cuja força se manifesta na fraqueza.

Na passagem da segunda Leitura, ouvimos o início da Epístola aos Hebreus (Hb 1,1-6). Deus, ao contrário dos ídolos mudos, falou conosco e por muito tempo, de modo especial pelos Profetas.

“Nestes tempos, que são os últimos”, enviou a Sua própria Palavra, “imagem do Seu ser divino”, do Seu desígnio, da Sua vontade. Ele mesmo Se faz Palavra e vem ao nosso encontro. Ele, Palavra viva e eficaz (Hb 4,12)."

Na proclamação do Evangelho de São João, ouvimos os primeiros versículos (Jo 1,1-18). Com extrema beleza e estilo próprio, o Evangelista, ao mesmo tempo, sóbrio e solene, nos apresenta a Encarnação de Jesus através de um grande hino litúrgico, como que a abertura de uma “Sinfonia do Novo Mundo”.

Enuncia os temas que, logo a seguir, se desenvolverão em múltiplas variações com contrapontos sutis, de modo que o realismo da Encarnação do Filho de Deus constitui o centro desta vigorosa introdução do Evangelho.

A Palavra feita Carne é a revelação do Pai, do Seu amor. Receber, acolher e crer nesta Palavra é ter a vida eterna, como afirma nos capítulos posteriores.

Verdadeiramente assim cremos: Deus, movido por amor, desce misericordiosamente ao nosso encontro, porque havíamos caído miseravelmente, conforme nos falou o Bispo Santo Agostinho.

Agora que celebramos o Mistério desta Presença em nosso meio, urge que sejamos alegres mensageiros do Verbo, num mundo marcado por vezes por realidades sombrias, tristes e de morte.

A Encarnação do Verbo é, ao mesmo tempo, a nossa elevação, porque Ele Se faz hóspede de nossa alma e nos envia para sermos, no mundo, sinal de Sua presença, como alegres discípulos da misericórdia divina, dando razão de nossa esperança, no corajoso testemunho de nossa fé, inflamados pelo fogo do Seu indizível Amor.

Enfim, contemplar a Encarnação e ver a glória de Deus, é viver de modo a favorecer que vejam e sintam a presença de Deus em nós e em todas as pessoas.


PS: Missal Quotidiano, Dominical e Ferial – Ed Paulus – Lisboa - pp.178-180
Apropriado para dia 31 de  dezembro - Jo 1,1-18

Em poucas palavras...

 


Jesus Cristo: perfeito na divindade e humanidade

«Na sequência dos santos Padres, ensinamos unanimemente que se confesse um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, igualmente perfeito na divindade e perfeito na humanidade, sendo o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto duma alma racional e dum corpo, consubstancial ao Pai pela sua divindade, consubstancial a nós pela sua humanidade, «semelhante a nós em tudo, menos no pecado» (Hb 4,15): gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nestes últimos dias, por nós e pela nossa salvação, nascido da Virgem Mãe de Deus segundo a humanidade.

Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é abolida pela sua união; antes, as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas numa só pessoa e numa só hipóstase»”

(1)        Concílio Ecumênico de Calcedônia (451d.C.) – Catecismo da Igreja Católica – parágrafo 467

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

O amor de Deus nos livra do abismo da morte

                                                                

O amor de Deus nos livra do abismo da morte

No dia 30 de dezembro, a Liturgia nos oferece as seguintes proclamações: Leitura (1 Jo 2,12-17); Salmo 95, 7-10, e a passagem do Evangelho (Lc 2, 36-40), em que a viúva Ana fala acerca do Menino apresentado no templo a todos os que esperavam a libertação de Israel.

Vejamos o que nos diz Lecionário Comentado:"

O amor a Deus liberta-nos da transitoriedade que nos arrasta para o abismo da morte. E proclamar em voz alta este caminho de vida é obra profética, sobretudo pela profecia que vem de Cristo”. (1)

De fato, somente com a presença de Deus e Sua misericórdia que vem sempre ao encontro de nossa miséria, podemos firmemente dar passos na busca das coisas do alto, onde Ele habita, fazendo da própria vida um serviço a Ele, porque vivemos da alegria e do amor vivenciado e marcante deste inesquecível e decisivo encontro um dia realizado.

Com a profetisa Ana não foi diferente, uma vez que, depois de oitenta e quatro anos vividos na busca da realização da vontade de Deus, ela tem a alegria do encontro pessoal com Jesus, o Menino Deus.

Aprendamos com esta viúva que não fica com a alegria só para si, retendo-a e guardando como um tesouro, ao contrário, sai anunciando a todos que Aquele Menino, Aquela frágil criança, que oculta a divindade somente percebida pelos corações que creem, é a resposta do próprio Deus a todos os que esperam a verdadeira libertação.

Com Ana, como discípulos missionários do Verbo que Se encarnou e habitou entre nós, façamos nosso anúncio, acompanhado do reconhecimento do amor de Deus, que é fiel às Suas promessas, através do louvor, pois Ele é digno de toda honra, glória, poder e louvor.

Somente quem fez este encontro com Jesus sente a alegria transbordar no coração que palpita mais fortemente, e torna mais inflamada a chama do primeiro amor vivenciado, e envolvido por este amor está livre de todo e qualquer abismo de morte.

Finalizemos o ano vislumbrando novos dias, renovando diante do altar e no altar do Senhor a alegria de sermos seus discípulos.

Concluamos com as palavras do Profeta Isaías:

“Pois nasceu para nós um pequenino, um filho nos foi dado. O principado está sobre seus ombros e seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai para sempre, Príncipe da Paz” (Is 9,5).

E ainda:

“Como são formosos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, que anuncia coisas boas e proclama a salvação, dizendo a Sião: ‘Teu Deus começou a reinar’” (Is 52,7).


 

(1) Lecionário Comentado - Editora  Paulus - p.284 – Vol. Advento/ Natal.

As aves do céu e os lírios do campo

 

                       
 As aves do céu e os lírios do campo

“Olhem os pássaros do céu: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns. No entanto, o Pai que está no céu os alimenta. Será que vocês não valem mais do que os pássaros

 Quem de vocês pode crescer um só centímetro, à custa de se preocupar com isto? E por que vocês ficam preocupados com a roupa? Olhem como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam” (cf. Mt 6,26-28)


Fixar o olhar nas aves do céu e nos lírios do campo,
Em meio a sinais de mortes, devastação é possível?
Não é esta a questão essencial a ser respondida,
Mas o que podem nos ensinar neste contexto?
 
Que nossa ânsia enferma por voos mais altos tem preço;
Voos sinônimos de arrogância, acúmulo, consumo voraz,
Devastação desmedida, colocando em colapso a ecologia integral,
Multiplicando sinais de sofrimento, luto, dor e morte.
 
Aprendemos com o crescimento silencioso dos lírios dos campos,
Que crescem sem impedir que outros lírios também cresçam.
Com pureza e beleza, encantam os olhos dos passantes,
Como que dizendo: ainda resta um quê de esperança!
 
Voar e crescer.
Aprendamos com as aves dos céus e os lírios dos campos.
Voar nas asas do Espírito, buscando as coisas do alto,
Fazer crescer e florir os mais belos lírios no Jardim do Senhor. 


Feliz Ano Novo!

Quem sou eu

Minha foto
4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG