segunda-feira, 2 de setembro de 2024

“Por que as pessoas procuram uma religião?”

                                                          

Por que as pessoas procuram uma religião?”

Uma breve reflexão a partir da passagem do Evangelho proclamado na quarta feira da 22ª Semana do Tempo Comum (Lc 4, 38-44).

Uma pergunta aparentemente simples, mas nem tanto: “Por que as pessoas procuram a religião?”

Há os que acreditam que a maioria das pessoas que procuram a religião o faz por motivos egoístas, relacionando Deus como um grande servidor para obter a proteção, saúde, sucesso econômico, profissional, social ou afetivo.

Também pode ser para fugir do medo do desconhecido, do sobrenatural ou da própria morte, que se vislumbra irreversivelmente no horizonte de cada um de nós.

Outros afirmam que ela é um ópio que nos aliena da realidade em que nos encontramos inseridos, ocultando as complexidades e conflitos da sociedade.

Porém, há um autêntico motivo: a nossa configuração plena com Jesus. À luz dos Evangelhos, aprendemos a procurar na religião um relacionamento pessoal e amoroso com o próprio Deus, para que possamos servi-Lo amando os nossos irmãos e irmãs.

Nisto consiste o melhor conceito de religião, ainda que dito de forma sucinta: religar – religar-nos com Deus e com nosso próximo.

Torna-se um imperativo na vida do discípulo missionário do Senhor o conhecimento do Evangelho, no qual Ele nos anuncia a Boa-Nova do Reino de Deus.

O conhecimento do Evangelho interpela, inexoravelmente, à vivência concreta do amor, da solidariedade, do perdão, da partilha em relação com o nosso próximo.

Assim como Jesus no raiar do dia se recolheu em intimidade e Oração diante do Pai, também precisamos deste momento, em que nos colocamos num diálogo amoroso e frutuoso com o Deus Pai de Amor, para maior fidelidade ao Filho e continuidade de Sua missão com a força, sabedoria e luz do Santo Espírito.

Sem momentos de recolhimento, revigoramento de nossas forças, sem que nos deixemos interpelar por Deus e por Sua Palavra e vontade, podemos viver uma religião com matizes que subtraem o verdadeiro motivo da religião.

Portanto, é preciso que nossa vida seja mais intensamente configurada a Jesus, num relacionamento mais amoroso com Deus, para que mais fraternos o sejamos. 

Pétalas sobre o asfalto

                                                         

Pétalas sobre o asfalto

Há muito mais entre o cinza dos muros da cidade e dos prédios, e das grades que construímos, em busca de um pouco de segurança possível.

Há pessoas que passam com seus carros, esperando impacientemente o abrir dos faróis e, não desejavelmente, teclando celulares, “iPods”, “tablets”.

Há pessoas que caminham nas calçadas, quando possível, quando estas transitáveis são.

Há sirene de ambulância pedindo passagem, levando alguém para socorro imediato, e ficamos imaginando o que teria ocorrido, a agonia de quem nela se encontra, ou simplesmente nem pensamos.

Há mendicantes nos faróis, crianças e adolescentes com suas apresentações, corpos pintados, esperando um trocado, ou ao menos um sorriso...

Há também as flores ou pétalas dos ipês, já caídas e outras caindo, na manhã fria, com sua beleza e suavidade, tornando a cidade menos cinzenta, as dores menos amargas.

A beleza viva de suas cores é como um grito que ressoa fortemente neste cenário, cobrindo-nos com suavidade.

Vejo algumas flores ou pétalas do ipê rosa sobre o carro, enquanto espero o farol abrir, outras sobre o para-brisa... É como se a árvore dissesse:

“Quero cobrir os passantes com minhas flores e pétalas;
Quero cobrir cada carro que passa; florir o asfalto duro e escuro da cidade com minhas cores fortes, ainda que as rodas dos carros por cima de mim passem e pés me esmigalhem.

Cubro o chão para oferecer a quem passa um cenário mais colorido e delicado, sacrificando cada parte de mim para tocar corações insensíveis ou não...”

Pétalas ou flores dos ipês, uma parábola da cidade para nossos ouvidos e coração, que nos faz pensar em que consiste o humano viver em cada tempo...

Então aprendamos: de nada adianta reclamarmos do cinza da cidade, de suas grades e tempo “líquido”, que escoa e escapa de nossas mãos, se nada de bom oferecermos, se nada fizermos para  reencantar e reinventar a vida.

Haveremos de descobrir o possível a ser feito: uma palavra, um gesto simples ou mais complexo, para tornar a vida mais bela e sinal do Paraíso não perdido, mas a ser construído.

Haveremos de, em nome da fé, como as pétalas ou flores dos ipês, saber calar quando preciso, para contemplar corações sensíveis e, aos corações endurecidos, jamais a voz calar.

Haveremos de envolver, como as pétalas ou flores dos ipês, cada pessoa com quem convivemos, com o melhor que pudermos oferecer, sem jamais na esperança esmorecer.

Haveremos de "florir" a cidade, não importa a estação, porque a vida a elas ultrapassa; a vida não se limita apenas a esta ou àquela estação.

Haveremos de sempre florir, e o odor do amor sempre exalar.

As pétalas do Ipê cobrirão as cinzas da morte

                                               



As pétalas do Ipê cobrirão as cinzas da morte

Ao leitor dedico tão apenas alguns versos,
Que muito dirão, há mais neles ainda imerso.
Que as pétalas do Ipê cubram as tristes
Marcas das cinzas deitadas pelo chão.

As pétalas cobrirão as cinzas da morte
Que floresça a límpida inspiração
Sobre as cinzas deste complexo chão,
Emaranhado na mente, fincado no coração,
Conto com Deus e Sua colaboração.

As pétalas cobrirão as cinzas da morte
Enquanto a Primavera não chega
Rezo, contemplo sinais de vida e morte,
Mãos elevo em súplicas mais que ardentes,
Para que vida seja gerada das sementes.

As pétalas cobrirão as cinzas da morte
Flores vêm e sempre virão
Teimosamente em cada Primavera.
Nossos olhos contemplarão
E nossos lábios então louvarão!

Enquanto a Primavera não chega, 
o  Ipê Amarelo se antecipa e generosamente encanta o nosso olhar. 
Suas pétalas cobrem as cinzas funestas, tristes, gritantes... 
em sinal da Esperança que sempre haveremos de cultivar!

Enquanto a Primavera não chega...
As pétalas do Ipê cobrirão as cinzas da morte.

domingo, 1 de setembro de 2024

Em poucas palavras...

 


Eucaristia e o amor ao próximo

“É no coração que se devem inscrever a Lei de Deus e a Sua Palavra, ‘pois é do interior do homem que saem os pensamentos perversos: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças... Todos estes vícios saem do interior do homem e os tornam impuros...’

O critério último e decisivo da justa observância da Lei de Deus é o amor eficaz ao próximo. Porque é ele que julga a autenticidade da participação na Eucaristia que é o Sacramento do amor.” (1)

 

 

(1) Missal Quotidiano Dominical e Ferial  - Editora Paulus - pág. 1852

Discípulos missionários e a Vinha do Senhor

                                                         

Discípulos missionários e a Vinha do Senhor

À luz da passagem do Evangelho de Mateus (Mt 20,1-16a), refletimos sobre os pensamentos de Deus, que não são como os pensamentos dos homens, pois seguem a lógica da gratuidade e do amor, doação, partilha e serviço, graça sobre todos derramada.

A passagem do Evangelho é um convite de Nosso Senhor para trabalharmos em Sua Vinha, na construção do Reino.

A prática de Jesus e a Parábola revelam que todos somos filhos amados do Pai, que por amor assegura-nos o essencial para vivermos.

Através da Parábola, Jesus revela  o Amor de Deus pelos últimos, pelos excluídos; e revela-nos o rosto e o coração de um Deus que ama a todos sem exceção; tão diferente do Deus dos escribas e fariseus, que muitas vezes se assemelha a um “Deus contabilista” que nos recompensa conforme nossas ações, como se tivesse um lápis na mão para fazer as nossas contas e nos dar o pagamento conforme nossos merecimentos.

A nós cabe o imitar a Deus amando na gratuidade! Simplesmente, amar na gratuidade, a mais bela lógica da ação divina que a Parábola nos revela.

No trabalho da Vinha, ou seja, na Comunidade há lugar para todos. Alguns iniciaram mais cedo, até mesmo dentro do ventre materno. Outros um pouco mais tarde sentiram o chamado do Senhor. Outros bem mais tarde, já adultos. Outros ainda não responderam, são os últimos que nos fala a Parábola, aos quais Deus também quer revelar Seu amor e contar como servos de Sua Vinha.

Na Igreja, trabalho é o que não falta. Os desafios clamam por respostas. A messe é grande, mas poucos são os trabalhadores. A Palavra de Jesus tem que ecoar no coração de todos nós: “Ide vós para a minha Vinha!”

Faltam vocações: há lugares a serem ocupados nos bancos de nossas Igrejas e salas de reuniões; há realidades externas que nos desafiam (escolas, universidades, presídios, condomínios, favelas, hospitais, bolsões de miséria e tantos outros lugares...).

As palavras do Papa Bento XVI, no dia de sua eleição (19/4/2005) são oportunas:

“Amados Irmãos e Irmãs, depois do grande Papa João Paulo II, os Senhores Cardeais elegeram-me, simples e humilde trabalhador na Vinha do Senhor. Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes”.

Deus nos paga não pelos nossos méritos, 
nem nos chama não por nossa capacidade,
Mas até mesmo por não termos, para nos capacitar.

Como é bom ser Igreja,
servir como Igreja,
amar na gratuidade!

Em poucas palavras...

                                                   


Insuficientes instrumentos nas mãos de Deus 

“Amados Irmãos e Irmãs, depois do grande Papa João Paulo II, os Senhores Cardeais elegeram-me, simples e humilde trabalhador na Vinha do Senhor. Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes”. (1)

 

(1) Papa Bento XVI, no dia de sua eleição (19/4/2005)

 

“Seja feita a Vossa vontade...”

                                                         

“Seja feita a Vossa vontade...”

Aprofundemos com o Tratado de São Cipriano, bispo e mártir, as palavras de que dizemos na Oração que o Senhor nos ensinou, o "Pai-Nosso", quando dizemos "...Venha a nós o vosso Reino e seja feita a vossa vontade".

"A Oração continuaVenha a nós o Vosso ReinoPedimos que o Reino de Deus se torne presente a nós, da mesma forma que solicitamos seja em nós santificado o Seu nome.

Porque, quando é que Deus não reina? Ou quando para Ele começou o Reino que sempre existiu e nunca deixará de ser?

Pedimos a vinda de nosso Reino, prometido por Deus e adquirido pelo Sangue e Paixão de Cristo, a fim de que nós que fomos, outrora, escravos do mundo, reinemos depois, conforme Ele nos anunciou, pelo Cristo glorioso, ao dizer: Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a origem do mundo.

Pode-se igualmente, irmãos diletíssimos, entender que o próprio Cristo é o Reino de Deus, cuja vinda pedimos todos os dias. Estamos ansiosos por ver esta vinda o mais depressa possível.

Sendo Ele a Ressurreição, pois n’Ele ressurgimos, assim também se pode pensar que Ele é o Reino de Deus, pois n’Ele reinaremos.

Pedimos, é claro, o Reino de Deus, o Reino Celeste, já que há um reino terrestre. Mas quem já renunciou ao mundo está acima desse reino terrestre e de suas honrarias.

Acrescentamos aindaSeja feita a Vossa vontade assim na terra como no céuNão para que Deus faça o que quer, mas para que possamos fazer o que Deus quer.

Pois quem impedirá a Deus de fazer tudo quanto quiser? Mas porque o diabo se opõe a que nossa vontade e ações em tudo obedeçam a Deus, oramos e pedimos que se faça em nós a vontade de Deus.

Que se faça em nós é obra da vontade de Deus, isto é, resultado de Seu auxílio e proteção, porque ninguém é forte por suas próprias forças.

Com efeito, é a Indulgência e a Misericórdia de Deus que o protegem.

Finalmente, manifestando a fraqueza de homem, diz o Senhor: Pai, se possível, afaste-se de mim este cálice e, dando aos discípulos o exemplo de renunciar à própria vontade e de aceitar a de Deus, acrescentou: Contudo não o que Eu quero, mas o que Tu queres.

A vida humilde, a fidelidade inabalável, a modéstia nas palavras, a justiça nas ações, a misericórdia nas obras, a disciplina nos costumes; o não fazer injúrias; o  tolerar as recebidas; o manter a paz com os irmãos; o amar a Deus de todo o coração; o amá-Lo por ser Pai; o temê-Lo por ser Deus; o nada absolutamente antepor a Cristo, pois também Ele não antepôs coisa alguma a nós; o aderir inseparavelmente à Sua caridade; o estar ao pé de Sua Cruz com coragem e confiança, quando se tratar de luta por Seu nome e Sua honra, o mostrar firmeza ao confessá-Lo por palavras, e, no interrogatório, manter a confiança n’Aquele por quem combatemos, e, na morte, conservar a paciência que nos coroará, tudo isto é querer ser coeerdeiro de Cristo, é cumprir o preceito de Deus, é realizar a vontade do Pai”.

Quantas vezes rezamos assim no "Pai-Nosso": Venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade...”?

Tenhamos a coragem de nos perguntar: quando dizemos “seja feita a Vossa vontade...” temos consciência do que dizemos?

Procuramos, verdadeiramente, em tudo e em todo lugar realizar a vontade de Deus?

A Oração do "Pai-Nosso", por tudo que significa para nós, jamais poderá ser rezada de forma evasiva, sem ressonâncias no cotidiano, pois ao rezá-la, deve nos levar à santificação de todos nós, tão  querida por Deus.

Rezemos com a vida, não somente com a voz!



PS: Do Tratado sobre a Oração do Senhor”, de São Cipriano, Bispo e Mártir (Séc. III), conforme Liturgia das Horas – Vol. III – pág. 328-330.

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