A misericórdia divina espera nossa conversão:
choremos nossas culpas
“Convertei-vos,
porque o Reino dos céus está próximo” (Mt 4,
17)
Para aprofundamento da passagem do Evangelho (Mt 4,12-23), proclamada
no 3º Domingo do Tempo Comum (ano A), voltemo-nos para o Sermão de São Cesário
Arles (séc. VI).
“Enquanto nos era lido o Santo Evangelho,
caríssimos irmãos, nós escutamos: ‘Convertei-vos, porque está próximo o Reino
dos Céus’. O Reino dos céus é Cristo, de quem nos consta ser conhecedor de bons
e maus, e juiz de todas as coisas.
Portanto, antecipemo-nos a Deus na confissão de
nosso pecado e castiguemos, antes do juízo, todos os erros da alma. Corre um
grave risco quem não procura corrigir por todos os meios o pecado. Sobretudo
devemos fazer penitência, sabendo como sabemos que teremos de prestar conta das
causas de nossa negligência.
Reconhecei, amadíssimos, a grande piedade de nosso
Deus para conosco ao querer que reparemos através da satisfação e antes do
juízo, a culpa do pecado cometido; pois se o justo juiz não cessa de
prevenir-nos com os Seus avisos, é para não ter um dia de recorrer à
severidade.
Não é sem motivos, amadíssimos, que Deus nos exige
torrente de lágrimas, a fim de compensar com a penitência o que perdemos pela
negligência. Pois Deus bem sabe que nem sempre o homem é constante em seus
propósitos: peca rotineiramente no agir e vacila no falar. Por isso lhe ensinou
o caminho da penitência, a fim de que possa reconstruir o destruído e reparar o
arruinado.
Assim, o homem, seguro do perdão, sempre deve
chorar a culpa. E mesmo quando a condição humana encontre-se exercitada por
muitas dificuldades, que ninguém se desespere, porque Deus é paciente e
dispensa com liberalidade a todos os enfermos os tesouros de sua misericórdia.
Porém, é possível que alguém do povo se diga: E
por que hei de temer se não fiz nada de mal? Escuta o que sobre este detalhe
diz o Apóstolo João: ‘Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos e não somos
sinceros’.
Que ninguém vos engane, amadíssimos: o pior dos
pecados é não compreender os pecados. Porque todo aquele que reconhece os seus
delitos pode reconciliar-se com Deus mediante a penitência, e não existe
pecador mais digno de lástima do que aquele que crê não ter nada do que lamentar-se.
Por isso, amadíssimos, vos exorto a que, conforme
o que está escrito, ‘vos humilheis sob a poderosíssima mão de Deus’, e visto
que ninguém está livre do pecado, ninguém se creia isento da obrigação de
satisfazer. Pois já peca por presunção de inocência o que se acredita inocente.
Pode ser alguém menos culpável, porém inocente?
Ninguém. Certamente existe diferença entre pecador e pecador, mas ninguém está
imune de culpa.
Portanto, amadíssimos, os que forem réus de culpas
mais graves, peçam perdão com maior confiança; e os que se mantêm isentos de
faltas graves, receiem para não macularem-se, pela graça de Nosso Senhor Jesus
Cristo, que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina pelos séculos dos
séculos. Amém”. (1)
Este Sermão é propício para que reconheçamos nossa condição pecadora: limitações,
fragilidades, imperfeições e pecados cometidos por pensamentos, palavras, atos
e omissões.
Ressoem, também, as palavras de Santo Agostinho:
(séc. V) em um de seus Sermões:
“... Deus Se fez homem para que o homem se
tornasse Deus. Para que o homem comesse o Pão dos Anjos, o Senhor dos Anjos Se
fez homem...
O homem pecou e tornou-se culpado; Deus nasceu
como homem para libertar o culpado. O homem caiu, mas Deus desceu. O homem caiu
miseravelmente, Deus desceu misericordiosamente; o homem caiu por orgulho, Deus
desceu com a Sua graça...
Só nasceu sem pecado Aquele que não foi gerado por
homem nem pela concupiscência da carne, mas pela obediência do Espírito”.
Quanto mais formos capazes de reconhecer nossos pecados, mais os
choraremos, e muito mais ainda recorreremos à misericórdia divina,
confessando-os, de modo sublime no Sacramento da Penitência, que a Igreja nos
oferece em todo o tempo.
Choremos nossas culpas e nossos pecados; confessemo-los diante da
misericórdia divina, num contínuo processo de conversão, alegrando-nos com a
presença de Jesus em nosso meio.
Deus nos ama para nos fazer melhores, pois é próprio do verdadeiro amor
gerar o bem no coração do amado. Deus quer gerar sempre o melhor d’Ele em nós,
quando nos deixamos fecundar pela Sua Santa Palavra.
Deus rico em misericórdia, é bondoso e compassivo e espera
incansavelmente nossa conversão.
Iniciando o ano, é tempo de revermos caminhos, para
que favoreçamos o resplandecer da luz divina por nossas palavras e ações.
(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes
2013 - pp.120-121
“Convertei-vos,
porque o Reino dos céus está próximo”
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