terça-feira, 1 de outubro de 2024

Memórias missionárias

                                                    


Um dia inesquecível!

Todos os dias são importantes em nossa vida, pois são presentes que Deus nos concede. Há, porém, dias que são inesquecíveis, seja pela dor, alegria, ou algum outro fato marcante.

Um destes dias inesquecíveis foi, para mim, o dia 22 de março de 2001 – uma Quinta-feira. Naquela semana, estava na Paróquia São João Batista, em Presidente Médici - RO, ajudando na rodada de primeira visita às Comunidades.

Naquele dia, acordei, tomei o café da manhã junto com Pe. Afonso, Pároco daquela Paróquia, e o João, Agente de Pastoral, liberado da Paróquia. Bagagens prontas, fomos para as Comunidades da Quarta Linha (nome das estradas).

O carro era um Gurgel 85, não muito comum para nós, mas naquela realidade e tempo um tipo de carro mais barato, que consegue romper atoleiros, buracos, morros etc... Por falar nisto, a Quarta linha estava com vários pontos desafiadores por causa dos atoleiros e pontos escorregadios. Ainda bem que o João tinha experiência neste assunto.

Finalmente, chegamos à primeira Comunidade, para a celebração da primeira Missa do dia (normalmente duas por dia, quando na realização das visitas).

Antes disto, tivemos que atravessar um carreador (trilho) com muita água empoçada. Com muito custo, por sinal, conseguimos atravessar os duzentos metros que nos separava da casa onde foi celebrada a Missa (ainda não tem o Centro Comunitário da Comunidade, mas tem uma bonita Igreja-Povo).

Um rapaz, empurrando sua bicicleta, atravessava tranquilamente... Talvez eu não estivesse tão bem acostumado com a realidade, mas chegaria lá!

A Missa foi muito simples e bonita. A motivação do Ato Penitencial, à luz do tema da Campanha da Fraternidade, foi maravilhosa.

Após a Missa, subi numa charrete (tinha sempre a impressão que iria virar) com um casal, e fui a uma casa próxima almoçar. Almoço: galinha caipira, arroz, feijão, sempre muito bem temperado.

Logo após, fui visitar um jovem de 21 anos, a pedido de sua mãe, em quase tom de súplica. Um rapaz muito bom e com algum problema que os médicos não conseguiam descobrir (já tinham vindo até para São Paulo).

Enquanto almoçava, conversei com ele, após alguma resistência à minha visita. No desespero de sua família, como acontece em outras tantas, foi levado a uma Igreja, e lá disseram coisas do tipo: “é possessão do diabo” e coisas assim...

Palavras como estas destroem as pessoas ao invés de ajudá-las. Conversei, orei e o abençoei. Ao final, ele me desejou boa viagem e que tudo daria certo, que eu seria feliz e me chamou de amigo. Prometi rezar muito por ele.

Subi na moto de seu irmão que me levou de volta a casa onde estava a minha mala. Andar de moto no meio de buracos e tocos é muito emocionante. Tive alguns minutos para um descanso, enquanto aguardava a vinda do Gurgel para a segunda Missa.


  1. Após um café moído e feito na hora, com o tradicional coador de pano sustentado no mancebo, voltei ao local de encontro, e aí, no caminho (aquele que falei acima), vi uma cobra enorme; levei um tremendo susto, não sabia se voltava ou se corria para frente. Graças a Deus ela também se assustou comigo e voltou para dentro do mato (mais tarde me falaram que não era uma cobra perigosa, era a conhecida cobra “limpa mato”, mas até saber disto tinha a impressão de que era a mais perigosa da Amazônia...Não chegava a uma anaconda...risos).

Indo para as Comunidades onde celebraríamos à tarde, depois de ter passado por vários atoleiros, nosso Gurgel ficou encavalado num aguaceiro; nem para frente e nem para trás. O jeito foi descermos. Tirei o tênis branco e confortável que, a propósito, não combinava com aquela água barrenta e cheia de pedras, arregaçamos as calças até o joelho. Empurrar? Não adiantou nada! Alavanca com uma tora para remover a roda traseira esquerda, e nada!

Apareceu, providencialmente, um motoqueiro experiente no assunto, solidário, tirou a bota e nos atolamos juntos. Enfim, conseguimos empurrar para trás e sair. O João conseguiu passar por um atoleiro ao lado, que hesitamos passar no primeiro momento, mas foi o melhor caminho. É errando que se aprende. O prejuízo maior foi para ele, que perdeu os óculos nesta confusão toda! (Na volta, procuramos, e nem sinal do mesmo).

Antes de chegar à primeira Comunidade, tivemos que passar numa ponte. Mas para isto tivemos que descer, eu e o Pe. Afonso, para orientar o João, e aliviar o peso, e que peso! Que loucura, passar as rodas equilibradamente em dois troncos! Estávamos indo à Missa ou a um rali?

Chegamos à primeira Comunidade onde Celebrei a Missa: Comunidade Pe. Josimo. Lavei as mãos com a pouca água que tinha, aliás, tirada do filtro, por não ter outra.

A Comunidade se reunia numa sala de aula, que chamavam de Escola. Precária, como outras tantas. Estavam construindo sua Igreja ao lado, num assentamento recente.

Perguntei aos membros da Comunidade se podia celebrar só com a estola, pois estava com a calça toda encharcada de lama, bem como as pernas. O pessoal respondeu: “ Padre, prá nóis o que importa é a Missa!” .

Terminei a Missa, como sempre, povo simples mas cheio de Deus no coração. Aguardei a volta do Pe. Afonso e o João. Pelo eterno problema de avisos, o João não celebrou naquele dia, pela segunda vez. A questão de comunicação era problema lá e em qualquer lugar, e continua ainda hoje.

Voltando, um pouco antes daquele famoso atoleiro, um ônibus que vai e volta da Cidade todos os dias estava atolado. Sabe lá como sairia dali. Mas para eles isto é um fato normal, não se assustavam mais...

Enfim chegamos em casa. Tudo o que queria era um bom banho e descansar para o dia seguinte. Mas o segundo Gurgel que o João tinha levado até um certo trecho de manhã, não havia retornado. Pelo simples motivo de que as chaves se encontravam no seu bolso. Já era 17:40 horas.

Já tinham tentado ligação direta do carro, o que causou pane na parte elétrica. Não havia outra coisa à fazer. Peguei a Toyota da Paróquia em que era Pároco (Sagrado Coração - Ministro Andreazza), e com o João rebocamos  o Gurgel.

Finalmente, chegando em casa, pude tomar meu banho e comer alguma coisa e fim de dia. Antes das 21 horas já estava dormindo, para um novo dia, uma nova visita...

Como disse, há dias memoráveis em nossas vidas. Este dia foi um daqueles que marcaram meus três anos em Missão naquela Diocese que faz parte de minha história e que lembro com carinho e saudade, acompanhado de contínuas orações.

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG