sexta-feira, 7 de março de 2025

A prática do Jejum na perspectiva bíblica (20/02)

                                                             

A prática do Jejum na perspectiva bíblica 

Ao lado da Oração e da Esmola, o Jejum é uma das três Práticas Quaresmais.

Vejamos no que consiste o jejum, para que serve, como deve ser e qual o sentido de falar em jejum hoje:

Jejum, bem compreendido e vivido, muito nos ajuda no Itinerário Quaresmal em preparação à grande festa da Páscoa do Senhor!

A Igreja orienta para o jejum que consiste na abstenção de carne na Quarta-Feira de Cinzas e Sexta-feira Santa. 

Mas, fundamentada na Palavra Divina, ela nos pede muito mais.

Na Quarta-feira de Cinzas, lemos:

“Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos, rasgai o coração e não as vossas vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; Ele é benigno é compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (Joel 2,12-18).

Por sua vez, o Profeta Isaías nos diz claramente como deve ser o Jejum que agrada ao Senhor:

“Acaso o Jejum que prefiro não é outro – quebrar as cadeias injustas, desligar as amarras do jugo, tornar livres os que estão detidos, enfim, romper todo tipo de sujeição?

Não é repartir o pão com o faminto, acolher em casa os pobres e peregrinos? Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a sua carne. Então brilhará tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa; à frente caminhará tua justiça e a glória do Senhor te seguirá.

Então invocarás o Senhor e Ele Te atenderá, pedirás socorro, e Ele dirá – Eis me aqui” (Is 58,6-9a).

O Profeta Isaías diz claramente que o Jejum praticado pelo povo de Deus não agradava ao Senhor, porque não vinha acompanhado de atitudes coerentes, pelo contrário, praticavam litígios, brigas, agressões, negociatas…

Jejum, Penitência e Oração não têm valor algum se não forem vivificados e acompanhados pelas obras de misericórdia.

Não agrada ao Senhor a prática do Jejum sem a prática da justiça. Logo, este Jejum não alcança o coração de Deus e não edifica a Paz!

O Jejum agradável ao Senhor consiste em libertar-se do egoísmo e prestar alívio e ajuda ao próximo; de modo que deve ser acompanhado sempre da prática da conversão e solidariedade.

Enquanto Jesus caminhava com os discípulos não era preciso o Jejum, pois Ele era o Esposo da humanidade. Após Sua morte e Ressurreição inaugura-se o tempo da Igreja... E, a necessidade do Jejum até que Ele venha!

É, portanto, tempo do nosso Jejum, na perspectiva dos Profetas Joel e Isaías. Jejum biblicamente vivido é garantia de que a vida corresponderá cada vez mais aos desígnios de Deus: com liberdade, dignidade, solidariedade, alegria, comunhão fraterna...

Jejum biblicamente vivido é garantia de nossa dignidade, a qual Deus tem alta estima, revelando Seu rosto, porque a perfeita imagem d'Ele nós somos!

A prática do Jejum e o crescimento espiritual

                                                          

A prática do Jejum e o crescimento espiritual

No Tempo da Quaresma, a Liturgia da sexta-feira depois das cinzas, nos apresenta a passagem do Evangelho de Mateus (Mt 9,14-15), sobre a autêntica e frutuosa prática do jejum, num caminho de aperfeiçoamento espiritual, vivendo intensamente o itinerário quaresmal.

O Missal Dominical cita longamente o Teólogo Paulo Evdokimow, iluminando neste propósito.

"A ascese cristã nunca foi fim em si mesma; é apenas um meio, um método a serviço da vida, e como tal procurará adaptar-se às novas necessidades.

Outrora, a ascese dos Padres do deserto impunha jejuns e privações intensas e extenuantes; hoje a luta é outra. O homem não tem necessidade de sofrimento suplementar; cilício, cadeias de ferro, flagelações, correriam o risco de extenuá-lo inutilmente.

A mortificação da nossa época consistirá na libertação da necessidade de entorpecentes, pressa, ruídos, estimulantes, drogas, álcool sob todas as formas.

A ascese consistirá acima de tudo no repouso imposto a si mesmo, na disciplina da tranquilidade e do silêncio, onde o homem encontra a possibilidade de concentrar-se para a Oração e a contemplação, mesmo em meio a todos os ruídos do mundo, no metrô, entre a multidão, nos cruzamentos de uma cidade. 

Consistirá principalmente na capacidade de compreender a presença dos outros, dos amigos, em cada encontro. O jejum, ao contrário da maceração imposta, será a renúncia alegre do supérfluo, a sua repartição com os pobres, um equilíbrio espontâneo, tranquilo".

No Missal também encontramos a citação do Bispo São João Crisóstomo (séc. IV) que já nos advertia sobre esta necessidade da ascese espiritual para a construção de relações mais sinceras e fraternas na vivência comunitária:

"Mas, direis, que divisão vês entre nós? Aqui, nenhuma, mas quando termina a nossa assembleia, um critica o outro; esse injuria publicamente o irmão; aquele se enche de inveja, de avareza ou de cobiça; aquele outro se entrega à violência; outro ainda à sensualidade, à impostura, à fraude.

Se nossas almas pudessem ser postas a nu, veríeis então a exatidão de tudo isso... Desconfiando uns dos outros, nos tememos mutuamente, falamos ao ouvido do vizinho e se vemos aproximar-se um terceiro, calamo-nos e mudamos de assunto...

Respeitai, respeitai esta Mesa da qual todos nós comungamos; respeitai o Cristo imolado por nós, respeitai o Sacrifício que é oferecido".

Urge rever nossa conduta cristã, abrindo-nos à graça divina, para que nossas comunidades sejam mais fraternas, mais credíveis da presença do Ressuscitado.

Participando da Celebração Eucarística e intensificando nossa vida de oração, acompanhada da fecunda prática do jejum, renovemos sagrados compromissos do aperfeiçoamento espiritual acompanhados de esforços indispensáveis para que o resplendor da glória divina seja vislumbrado em nosso olhar, porque oriunda de um coração que foi moldado e purificado pela misericórdia divina.

Vivendo este santo propósito de ascese espiritual, estaremos no caminho do crescimento e amadurecimento, para que nossa fé produza os frutos queridos por Deus, acompanhados de oração, jejum  e esmola, intensificando a intimidade com Ele e a comunhão fraterna e solidária entre nós, e tão somente assim poderemos celebrar a alegria Pascal trasbordante, com a Ressurreição do Senhor.

Quaresma: oração, jejum e esmola

                                                 

Quaresma: oração, jejum e esmola

Neste tempo de Quaresma, como Igreja, somos chamados a viver os exercícios quaresmais da oração, jejum e esmola.

Quanto à oração: o Terço em família, Grupos de Reflexão; intensificação e qualificação dos momentos orantes. Oração – a relação entre Deus e eu!   Uma Oração pura, verdadeira e sincera é revertida em ações solidárias.

A Quaresma também nos lembra que "Nem só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”. Portanto, a importância de ler, ouvir, meditar, praticar a Palavra de Deus.  

Devemos renunciar a algo que habitualmente fazemos, para nos dedicarmos mais à leitura orante da Palavra de Deus: leitura de textos bíblicos, da história dos Santos, da Tradição da Igreja; pesquisar fontes boas para o nosso alimento espiritual.

Sobre o jejum: devemos agradecer a Deus o que temos. Eu jejuo livremente em prol de quem o faz por privação.

Quando abrimos o coração para Deus, também abrimos o coração para o outro. Quando assim acontece, tudo se abre em nossa vida, inclusive nossos projetos.  Coração fechado, mãos fechadas.

A prática do jejum leva-nos à esmola, que não é somente jogar moeda para um pedinte, ou um pedaço de pão, é transformar o amor em ação; é agir com compaixão. Viver a compaixão é ‘dar mão ao coração’; é Deus levando nossas mãos a agirem em favor do outro.

Vivamos intensamente, portanto, o Tempo da Quaresma, tempo de graça e salvação, firmando nossos passos na fidelidade ao Senhor, no Mistério de Sua Paixão e Morte, para também com Ele alcançarmos a Ressurreição.

Quaresma: Tempo de Graça e Salvação

                                                

Quaresma: Tempo de Graça e Salvação

No Tempo da Quaresma, somos convidados a viver em atitude penitencial, intensificando a Oração, o jejum e a esmola.

Como Igreja, acolheremos as exortações do Apóstolo Paulo, abertos ao Mistério da misericórdia divina:

Como colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois Ele diz: ‘No momento favorável, Eu te ouvi e no dia da salvação, Eu te socorri’ É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2 Cor 6,1-2).

De fato, Quaresma é tempo favorável de Graça e Salvação para toda a Igreja, para que seja presença luminosa no coração do mundo, e ao mesmo tempo pessoas reais, com suas histórias, que se tornam a presença do mundo no coração da Igreja, de modo que nada que diz respeito ao homem e à mulher, pode se tornar indiferente à Igreja, como nos lembram as primeiras palavras da Constituição “Gaudium Et Spes”, em que se acentua a íntima união da Igreja com toda a família humana:

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (GS 1).

A Igreja se une a todas as pessoas de boa vontade, colocando nas mãos de Deus nossas limitações e fraquezas, para que através delas, paradoxalmente, o Senhor manifeste a Sua força, fortalecendo nosso coração no amor e cuidado do outro, nosso irmão e irmã.

Não podemos ficar surdos e indiferentes a este clamor de milhões que sobe aos céus, pois seria o mesmo que nos fecharmos aos apelos de conversão que Deus nos propõe.

Deste modo, iniciaremos as primeiras reflexões sobre a Campanha da Fraternidade 2025, com o tema: “FRATERNIDADE E ECOLOGIA INTEGRAL", e o lema: “Deus viu que tudo era muito bom" (Gn 1,31).

Importantes e necessários serão os momentos de oração que a comunidade oferecerá: Vias Sacras, encontros de reflexão sobre a Campanha da Fraternidade e, de modo especialíssimo, as celebrações das Missas e o Sacramento da Penitência (Confissão), além da Oração pessoal e familiar, que deve ser cultivada em todo tempo.

Como Igreja, haveremos de empenhar esforços de conversão, para que se fortaleçam os vínculos fraternos dentro da comunidade, chegando a todos os âmbitos em que vivemos, em gestos multiplicados de amor, partilha e solidariedade, para que alcancemos uma vida nova, envolvidos e renovados pela misericórdia divina que nos faz novas criaturas.

Que o roxo, a cor litúrgica da Quaresma, seja a expressão do nosso empenho para que morra o pecado em nosso coração e no mundo. Somente assim, lavados dos pecados, mergulhados no Mistério da Paixão e Morte do Senhor, com Ele Ressuscitaremos na tão esperada madrugada, quando celebraremos, com exultação e alegria, a Páscoa de nosso Redentor.

Será o mais belo e radiante Aleluia, que não sairá apenas de nossos lábios, mas de nosso coração, onde Deus habita, onde Se fez nosso mais belo Hóspede.

Quaresma: Tempo forte de Oração

                                                    

Quaresma: Tempo forte de Oração

Com a Homilia do século IV, de Pseudo-Crisóstomo, refletamos sobre a Oração, fundamental em todo o tempo, de modo especial na Quaresma.

“A Oração, o diálogo com Deus, é um bem incomparável, porque nos põe em comunhão íntima com Deus. Assim como os olhos do corpo são iluminados quando recebem a luz, a alma que se eleva para Deus é iluminada por Sua luz inefável.

Falo da Oração que não é só uma atitude exterior, mas que provém do coração e não se limita a ocasiões ou horas determinadas, prolongando-se dia e noite, sem interrupção.

Com efeito, não devemos orientar o pensamento para Deus apenas quando nos aplicamos à Oração; também no meio das mais variadas tarefas – como o cuidado dos pobres, as obras úteis de misericórdia ou quaisquer outros serviços do próximo – é preciso conservar sempre vivos o desejo e a lembrança de Deus. 

E assim, todas as nossas obras, temperadas com o sal do Amor de Deus, se tornarão um alimento dulcíssimo para o Senhor do Universo.

Podemos, entretanto, gozar continuamente em nossa vida do bem que resulta da Oração, se lhe dedicarmos todo o tempo que nos for possível. A Oração é a luz da alma, o verdadeiro conhecimento de Deus, a mediadora entre Deus e os homens.

Pela Oração a alma se eleva até os céus e une-se ao Senhor num abraço inefável. Como uma criança que chorando, chama sua mãe, a alma deseja o leite divino, exprime seus próprios desejos e recebe dons superiores a tudo que é natural e visível.

A Oração é venerável mensageira que nos leva à presença de Deus, alegra a alma e tranquiliza o coração. Não penses que nessa Oração se reduza as palavras.

Ela é desejo de Deus, amor inexprimível que não provém dos homens, mas é efeito da graça divina, como diz o Apóstolo: Nós não sabemos o que devemos pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis (Rm 8,26).

Semelhante Oração, quando o Senhor a concede a alguém, é uma riqueza que não lhe pode ser tirada e um alimento celeste que sacia a alma.

Quem a experimentou inflama-se do desejo eterno de Deus, como que de um fogo devorador que abrasa o coração. Praticando-a em sua pureza original, adorna tua casa de modéstia e humildade, torna-a resplandecente com a luz da justiça.

Enfeita-se com boas obras, quais plaquetas de ouro, ornamenta-se de fé e de magnanimidade em vez de paredes e mosaicos. Como cúpula e coroamento de todo o edifício, coloca a Oração.

Assim prepararás para o Senhor uma digna morada, assim terás um esplendido palácio real para O receber, e poderás tê-Lo contigo na tua alma, transformada, pela graça, em imagem e templo de Sua presença.” (1)

Como vemos, a Oração o jejum e a esmola são os três Exercícios que devem ser mais intensificados neste Tempo de Quaresma.

Reflitamos sobre o primeiro: a Oração.

Evidentemente que não é só na Quaresma que se deve orar. É sempre tempo de orar, em todas as situações e em todos os tempos, adversos ou favoráveis; diante de fracassos anunciados ou vitórias preanunciadas; na agitação e na tranquilidade; na alegria e na tristeza; na angústia e esperança; no tempo dos sonhos para que não cedam lugar a pesadelos; tempo da presença divina mais percebida, para percepção mais aguçada, quando tudo parecer desolação e abandono divino (o que será sempre impossível).

A Oração bem feita é expressão  e fortalecimento de nossa amizade com Deus.

Orar e sentir nossa alma a Deus elevada.
Orar e perceber que o quarto escuro
de nossa alma foi iluminado.

Orar, como encontro e esquecimento do tempo,
para ficar com o Eterno que transcende
nosso miserável tempo.
Oremos! 

(1) Liturgia das Horas - Vol. II - Quaresma e Páscoa - pp. 58-9

Santas Perpétua e Felicidade: testemunhas corajosas do Senhor

                                                              

Santas Perpétua e Felicidade: testemunhas corajosas do Senhor

No dia 07 de março, celebramos a Memória das Santas Perpétua e Felicidade, Mártires da Igreja, como lemos nesta narração, escrita em parte pelos próprios confessores da fé cartagineses e, também, por um escritor contemporâneo.

“Despontou o dia da vitória dos mártires, e vieram do cárcere até ao anfiteatro, como se fosse para o Céu, de rosto radiante e sereno; e se algum tinha o rosto alterado, era de alegria e não de medo.

Perpétua foi a primeira a ser arremessada ao ar pela vaca brava, e caiu de costas no chão. Levantou-se imediatamente e, vendo Felicidade caída por terra, aproximou-se, estendeu-lhe a mão e ergueu-a. Ficaram ambas de pé. Saciada a crueldade do povo, foram reconduzidas à porta chamada Sanavivária.

Perpétua foi aí acolhida por um certo catecúmeno, chamado Rústico, que permanecia sempre ao seu lado; e como se acordasse do sono (até esse momento estivera em êxtase do espírito) começou a olhar à volta e, para espanto de todos, perguntou: ‘Quando é que seremos expostas à tal vaca?’.

Quando lhe disseram que já tinha acontecido, não quis acreditar, e só se convenceu quando viu no seu corpo e nas suas vestes a marca dos ferimentos recebidos. Chamou então para junto de si o seu irmão e aquele catecúmeno e disse-lhes: ‘Permanecei firmes na fé, amai-vos uns aos outros e não vos perturbeis com os nossos sofrimentos’.

Por sua vez, Sáturo, noutra porta do anfiteatro, exortava o soldado Pudente com estas palavras: ‘Até agora, tal como te tinha afirmado e predito, não fui ainda ferido por nenhuma fera. Acredita, portanto, agora de todo o coração: agora vou avançar de novo para ali e serei abatido com uma única mordedura de leopardo’.

E imediatamente, já quase no fim do espetáculo, foi lançado a um leopardo, e com um só golpe ficou coberto de tanto sangue que o povo, sem saber o que dizia, dava testemunho do seu segundo batismo, aclamando: ‘Foste lavado, estás salvo. Foste lavado, estás salvo!’. E na verdade estava salvo quem de tal modo fora lavado.

Sáturo disse então ao soldado Pudente: ‘Adeus. Lembra-te da fé e de mim, e que estas coisas não te perturbem, mas te confirmem’. E pediu-lhe o anel que trazia no dedo, mergulhou-o na ferida e devolveu-lho como uma herança, deixando-lho como penhor e recordação do sangue. Depois, já exânime, prostrou-se com os outros no lugar destinado ao golpe de misericórdia.

Mas o povo reclamava em alta voz que aqueles que iam receber o golpe final fossem levados para o meio do anfiteatro, porque queriam ver com os seus próprios olhos, cúmplices do homicídio, a espada penetrar nos corpos das vítimas; os mártires levantaram-se espontaneamente e foram para o sítio onde o povo os queria, depois de terem dado mutuamente o ósculo santo, para coroarem o martírio com este rito de paz.

Todos receberam o golpe da espada imóveis e em silêncio: especialmente Saturo, que fora o primeiro a subir (na visão de Perpétua) e que foi o primeiro a entregar a alma. Até ao último instante ia confortando Perpétua. E esta, que desejava ainda experimentar maior dor, exultou ao sentir em seus ossos a cutilada, e ela própria guiou até à garganta a mão incerta do inexperiente gladiador. Talvez esta mulher, de quem o espírito do mal se temia, não tivesse podido ser morta de outra maneira do que querendo-o ela própria.

Ó mártires, cheios de força e ventura! Verdadeiramente fostes chamados e eleitos para a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Impressiona-nos a coragem e a fidelidade destas mulheres, juntamente a outros mártires, como vemos na narração do martírio dos santos Mártires de Cartago (séc. III).

Elas e outros, como vimos, foram chamados e escolhidos para glória do Senhor, consumada em sua expressão máxima da fé, o Martírio.

Cada tempo suas provações e dificuldades, e estes são para nós, exemplos a serem imitados pela coragem e fidelidade, no bom combate da fé.

Celebrando esta Memória, renovemos a alegria de ser discípulos missionários do Senhor, participando mais intensa e frutuosamente de nossas comunidades, a fim de que sejam verdadeiras comunidades eclesiais missionárias; que anunciam a Palavra de Deus, fortalecidas pelo Pão da Eucaristia, testemunhas da Caridade que gera um mundo novo, movidas pela fé e esperança que não decepciona (cf. Rm 5,5).

Oremos:

“Ó Deus, pelo Vosso intenso amor, as santas Mártires Perpétua e Felicidade resistiram ao perseguidor e venceram os tormentos da morte; concedei-nos, por sua intercessão, crescer sempre mais em vosso amor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, que é Deus e convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém

Conversão e sincero arrependimento

                                                           

Conversão e sincero arrependimento

Reflexão à luz de uma das Cartas do abade e Confessor São Máximo (séc. VII), em que retrata a ação de Deus em favor de todos nós, movido pela misericórdia divina que deseja a nossa conversão:

“Os pregadores da verdade e os ministros da graça divina, todos os que, desde o princípio até os nossos dias, cada um a seu tempo, expuseram a vontade salvífica de Deus, dizem que nada lhe é tão agradável e conforme a Seu Amor como a conversão dos homens a Ele com sincero arrependimento.                                                                       
E para dar a maior prova da bondade divina, o Verbo de Deus Pai (ou melhor, o primeiro e único sinal de Sua bondade infinita), num ato de humilhação que nenhuma palavra pode explicar, num ato de condescendência para com a humanidade, dignou-Se habitar no meio de nós, fazendo-Se homem.

E realizou, padeceu e ensinou tudo o que era necessário para que nós, Seus inimigos e adversários, fôssemos reconciliados com Deus Pai e chamados de novo à felicidade eterna que havíamos perdido.

O Verbo de Deus não curou apenas nossas enfermidades com o poder dos milagres. Tomou sobre Si as nossas fraquezas, pagou a nossa dívida mediante o suplício da Cruz, libertando-nos dos nossos muitos e gravíssimos pecados, como se Ele fosse o culpado, quando na verdade era inocente de qualquer culpa.

Além disso, com muitas Palavras e exemplos, exortou-nos a imitá-lo na bondade, na compreensão e na perfeita caridade fraterna.

Por isso dizia o Senhor: Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão (Lc 5,32). E também: Aqueles que têm saúde não precisam de médicos, mas sim os doentes (Mt 9,12). Disse ainda que viera procurar a ovelha desgarrada e que fora enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel.

Do mesmo modo, pela Parábola da dracma perdida, deu a entender mais veladamente que viera restaurar no homem à imagem divina que estava corrompida pelos mais repugnantes pecados. E afirmou: Em verdade Eu vos digo, haverá alegria no céu por um só pecador que se converte (cf. Lc 15,7).

Por esse motivo, contou a Parábola do bom samaritano: àquele homem que caíra nas mãos dos ladrões, e fora despojado de todas as vestes, maltratado e deixado semimorto, atou-lhe as feridas, tratou-as com vinho e óleo e, tendo colocado em seu jumento, deixou-o numa hospedaria para que cuidassem dele; pagou o necessário para o seu tratamento e ainda prometeu, dar na volta, o que porventura se gastasse a mais.

Mostrou-nos ainda a condescendência e bondade do pai que recebeu afetuosamente o filho pródigo que voltava, como o abraçou porque retornara arrependido, revestiu-o de novo com as insígnias de sua nobreza familiar e esqueceu todo o mal que fizera.

Pela mesma razão, reconduziu ao redil a ovelhinha que se afastara das outras cem ovelhas de Deus e fora encontrada vagueando por montes e colinas. Não lhe bateu nem a ameaçou nem a extenuou de cansaço; pelo contrário, colocando-a em seus próprios ombros, cheio de compaixão, trouxe-a sã e salva para o rebanho.

E deste modo exclamou: Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e Eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo (Mt 11,28-29).

Ele chamava de jugo os Mandamentos ou a vida segundo os Preceitos evangélicos; e quanto ao peso, que pela penitência parecia ser grande e mais penoso, acrescentou: O meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11,30).

Outra vez, querendo nos ensinar a justiça e a bondade de Deus, exortava-nos com estas Palavras: Sede Santos, sede perfeitos, sede misericordiosos, como também vosso Pai celeste é misericordioso (cf. Mt 5,48; Lc 6,36). 
E: Perdoai, e sereis perdoados (Lc 6,37). Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles (Mt 7,12).”

Deus age movido pela misericórdia infinita e irrevogável para com os pecadores para que se convertam e vivam, recuperando a dignidade e o sentido da existência perdida.

Com a Carta, o Abade nos leva a um mergulho na profundidade da misericórdia de Deus, que encontramos no Sagrado Coração de Jesus.

Como um pintor, nos apresenta, em telas do Espírito, a ação de Jesus em diversas situações e Parábolas, com uma leveza indescritível.

Sobretudo, neste Tempo Quaresmal, reconheçamos nossa condição pecadora, intensificando o processo contínuo de conversão e arrependimento sincero.

Procuremos novos caminhos, em que renunciando às obras das trevas, nos introduzirá no esplendor da Luz do Ressuscitado que celebraremos no Tempo Pascal.

Assim é o Itinerário Quaresmal que nos conduz à alegria Pascal: conversão e sincero arrependimento de nossos pecados, acompanhados de gestos e novos compromissos, para que sejamos testemunhas vivas e credíveis do Ressuscitado; testemunhas de que a misericórdia de Deus pode nos purificar e nos libertar de todo pecado que rouba nosso movimento, como que numa indesejável paralisia espiritual.

Bem afirmou o Apóstolo Paulo: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). 

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