segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

A capacidade inata de amar

                                                  


A capacidade inata de amar

Nossa vocação é amar, porque Deus nos amou primeiro!

“Da Regra mais longa” do bispo São Basílio Magno (Séc. IV), convida-nos a reflexão sobre a essência do cristianismo, que consiste no Mandamento do Amor a Deus e no amor ao próximo.

“'O Amor de Deus não é matéria de ensino nem de prescrições.

Não aprendemos de outrem a alegrar-nos com a luz, ou a desejar a vida, ou a amar os pais ou educadores. Assim, com muito mais razão, não se encontra o amor de Deus na disciplina exterior. Mas, quando é criado o ser vivo, isto é, o homem, a força da razão foi, como semente, inserida nele, uma força que contém em si a capacidade e a inclinação de amar.

Logo que entra na escola dos divinos preceitos, o homem toma conhecimento dessa força, apressando-se em cultivá-la com ardor, nutri-la com sabedoria e levá-la à perfeição, com o auxílio de Deus. Sendo assim, queremos provar vosso empenho em atingir este objetivo.

Pela graça de Deus e contando com as vossas preces, nós nos esforçamos, segundo a capacidade dada pelo Espírito Santo, por suscitar a centelha do amor divino escondida em vós. Antes de mais nada, nós d’Ele recebemos antecipadamente a força e a capacidade de pôr em prática todos os Mandamentos que Deus nos deu.

Por isso não nos aflijamos como se nos fosse exigido algo de incomum, nem nos tornemos vaidosos pensando que damos mais do que havíamos recebido. Se usarmos bem dessas forças, levaremos uma vida virtuosa; no entanto, mal empregadas, cairemos no pecado. 

Ora, o pecado se define como o mau uso, o uso contrário à vontade de Deus daquilo que Ele nos deu para o bem. Pelo contrário, a virtude, como Deus a quer, é o desenvolvimento destas faculdades que brotam da consciência reta, segundo o preceito do Senhor. O mesmo diremos da caridade.

Ao recebermos o mandamento de amar a Deus, já possuímos a capacidade de amar, plantada em nós desde a primeira criação.

Não há necessidade de provas externas: Cada qual por si e em si mesmo pode descobri-la.

De fato, nós desejamos naturalmente as coisas boas e belas, embora à primeira vista algumas pareçam boas e belas a uns e não a outros. Amamos também, sem ser necessário que nos ensinem, nossos parentes e amigos e temos espontaneamente grande amizade por nossos benfeitores. 

O que haverá, pergunto então, de mais admirável do que a beleza divina? Que coisa pode haver mais suave e deliciosa do que a meditação da magnificência de Deus? Que desejo será mais veemente violento do que aquele inserido por Deus na alma liberta de toda impureza e que lhe faz dizer do fundo do coração: Estou ferida de amor? É na verdade totalmente indescritível o fulgor da beleza de Deus” (1)

São Basílio Magno, um dos pais da Capadócia (além de Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa), deixou-nos este legado riquíssimo que aborda questões atualíssimas, como: Nascemos com inata capacidade de amar? No que consiste a virtude? No que consiste o pecado?

Literalmente, o bispo afirma que já possuímos a capacidade inata de amar plantada em nós desde a primeira criação, por isto pôde nos confiar o Mandamento do amor a Ele e ao próximo. 

Os grandes místicos sentiram e vivenciaram em intensidade a “ferida de amor” do Amado, que somente se cura amando e se identificando com o objeto do amor, pois é próprio do amor a procura e ânsia por esta identificação. É próprio de quem ama assemelhar-se ao amado... É o que Deus espera de nós, fazendo-nos deuses por participação.

O bispo fala da alma ferida de amor, que nos remete, inevitavelmente, ao Livro Cântico dos Cânticos: Amamos, porque Deus nos amou primeiro, possibilitando à nossa alma o relacionamento profundo de amor com Ele e com o outro

“Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus. E todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus porque Deus é Amor”. (1Jo 4,7-8). 

Amar é dom divino, que nos assemelha a Deus, criados à Sua imagem! Nascemos aptos para amar: Uma graça por Deus, a nós, concedida.

Amar é possível porque Deus, antes de nascermos, tal dom nos concedeu. Se assim não o fosse, amar seria opção. Ao contrário, amar é a essência do existir e nos identifica com Aquele que nos criou. Sendo imagem de Deus, amar é inato à condição humana.

Amar é ser envolvido pela chama da caridade divina, que é ardente, inextinguível.

Não amar é não potencializar aquilo que de mais belo podemos fazer e que nos identifica com Aquele que nos criou; é morrer como semente para novos frutos produzir.

E para mantermos esta chama viva a comparemos ao fogo: se não tiver o que queimar, apaga-se.

Da mesma forma, o amor que não se consome em gestos concretos; o amor que não se visibiliza e potencializa em relacionamentos pequenos, comunitários, sociais, universais: apaga, morre!

Já não será mais fogo, da mesma forma que já não será amor, no que consistiu a tônica da pregação de Jesus: Amor que ama até o fim, amor que se destina também aos inimigos; amor vivido que nos identifica como Seus discípulos: “Eu dou a vocês um novo Mandamento: Amem-se uns aos outros. Assim como Eu amei vocês  devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são Meus discípulos” (Jo 13,34-35).

Urge que continuemos na “Escola do Amor”, para construirmos uma civilização do amor, como nos exortam constantemente os Papas.

Somente na realização da capacidade inata do amor é que a humanidade superará conflitos incontáveis, disparidades sociais que bradam aos céus, violências de toda ordem.

Sendo que de Deus viemos, nascemos e nos movemos e para Ele haveremos de retornar, a prática da violência é a mutilação, violação, negação do princípio e fim último de todos nós: O amor, o encontro com o Amor – Deus! 

Finalizando, sendo inata a capacidade de amar, podemos, aprofundar, intensificar, amadurecer, crescer, progredir no Mandamento do Amor. Buscar incansavelmente a cura desta ferida simplesmente amando, e nisto consiste a vivência de toda a Lei, pois como disse o Apóstolo Paulo “a caridade é a plenitude da Lei” e ainda: “a caridade é o vínculo da perfeição”.

(1)  Cf. Liturgia das Horas – Vol. III - pág. 45-47.

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG