Muito mais do que uma fábula
Houve uma reunião com todos os animais, e cada um deles deveria dizer o que tinha de específico, que o identificasse diante dos humanos, e que despertasse o coração até mesmo dos mais insensíveis. Foi lavrada uma ata para que tomássemos conhecimento.
Vamos então ouvir a ata:
“Aos vinte dias do mês de julho de dois mil e onze, começou a reunião com todos os animais da floresta. Após longa espera pelos últimos, foi dada a palavra a quem quisesse dizer o que o caracteriza cada um diante dos olhos humanos.
O primeiro a tomar a palavra foi o coelho:
— “Sou ágil, rápido. Nada pode me acompanhar. Admiram-me pela rapidez e também pela fertilidade. Claro que tenho também outras qualidades, como também limitações. Nenhum animal é perfeito, bem sabemos.”
O segundo foi a águia:
— “Faço voos altos. Contemplo as coisas lá de cima. Minhas asas me sustentam em voos invejáveis. Muitos ficam olhando para minhas manobras. Como o coelho, também tenho outras qualidades; meu processo de renovação e prolongamento da vida, mas também tenho limitações. Nenhum animal é perfeito, bem sabemos.”
Em seguida, um peixe por um momento apontou no mar e gritou bem alto:
— “Também faço parte desta reunião. Não posso ficar muito tempo fora da água, terei que ser breve. Mergulho nas profundezas do mar, conheço coisas que muitos animais não conhecem. Não tenho tempo para descrevê-las, quanto mais profundo o mergulho mais coisas posso revelar.”
Quando começou a falar de suas limitações (e uma delas é não poder ficar muito tempo fora da água), mergulhou novamente no mar. Se tempo tivesse com certeza diria: “nenhum animal é perfeito, nós peixes, também aqui o sabemos”.
Depois de um longo silêncio a tartaruga falou de sua especificidade, de como é conhecida pelos humanos, sua lentidão e sua vida longa (décadas). Mas a reunião tinha tempo limitado, e como havia muitos animais, nem todos puderam falar. A tartaruga nem tempo teve de falar sobre suas naturais limitações; mal pode se esquivar como os demais e nos ensinar dizendo: “Nenhum animal é perfeito, bem sabemos”.
Não havendo mais tempo para outros pronunciamentos, foi encerrada a reunião e para constá-la...”
Fábula? Muito mais do que uma fábula.
Como Igreja, temos muito que aprender com esta fábula. Somos diferentes, como os animais nos falaram. Temos nossas especificidades, nossas virtudes e limites. As diferenças se tornam nossas riquezas. Um só é o Espírito, diversos os dons, ministérios e carismas como nos falou o Apóstolo Paulo (1Cor 12 e Ef 4).
Assim é a Igreja, uma comunidade de eleitos, cada um podendo dar o melhor de si com amor para que o Reino de Deus aconteça.
Temos que aprender com o coelho a agilidade e a fecundidade. Há coisas que não podem ser morosas — o amor, a caridade, a solidariedade, o perdão, a partilha, a alegria, a comunhão, a fidelidade, a doutrina... Fecundidade do Espírito — quando a Ele nos abrimos não nos faltam respostas aos desafios da pós-modernidade. Urge que sejamos fecundados pela ação do Espírito para fazer frutificar a Semente do Evangelho.
Aprender com a águia a fazer voos mais altos, sondando as alturas divinas com a ajuda do Espírito. Buscar as coisas do alto onde Deus Se encontra (Cl 3,1). Buscar o amor, a verdade, a justiça, o direito, a paz, a fraternidade, a liberdade, o respeito, a defesa da vida e sua beleza sacral, bem como da Terra, a nossa Casa Comum, numa necessária ecologia integral.
Como os peixes, mergulhar nas profundezas dos Mistérios Divinos. Mergulhar profundamente no Mistério do Amor Trinitário, como diz aquele belíssimo canto “quero mergulhar nas profundezas do Espírito de Deus, descobrir suas riquezas, em meu coração...”. Fazer o mais desafiador e necessário mergulho dentro de nós mesmo para Deus encontrar. Afinal, Ele quis habitar no mais profundo de nós; somos Seu templo, Sua morada, e Ele o nosso mais Belo Hóspede...
Aprender com as tartarugas! “Mas é lenta demais”, dirão. Mas assim é a Igreja, assim são as “coisas” divinas, assim é o Reino de Deus como muito bem vemos nas Parábolas de Jesus (Mt 13) e no Salmo 85. Deus é assim conosco: lento na ira, paciente e misericordioso.
Ele espera pacientemente nossa conversão, pois somos lentos em construir vínculos verdadeiramente fraternos, lentos ao perdoar, lentos em compreender as imperfeições do outro, como se fossemos a medida da perfeição.
Paciência, pois o joio e o trigo crescem juntos (cf. Mt 13,24-30) e Deus, no tempo oportuno, fará a colheita, ou ainda, fará a separação dos peixes bons e ruins... Não nos cabe julgar, rotular, classificar, excluir ninguém da Misericórdia e Salvação Divina.
Acolhida a fábula, poderíamos nos colocar em atitude de revisão de nosso caminhar.
- O que ela nos diz?
- Em que temos que nos converter e melhorar?
Precisamos ter coragem para olharmos para nós mesmos, para nossa comunidade e, com misericórdia, fazermos as mudanças necessárias para melhor o Reino servir, a ponto de podermos dizer:
“O Reino de Deus é nossa maior riqueza, nossa mais bela pérola, nosso mais belo tesouro...”.
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