terça-feira, 16 de setembro de 2025

A necessária Sabedoria divina

                                                  


A necessária Sabedoria divina

Ouçamos o que nos diz o apóstolo Paulo:

“Que a Palavra de Cristo, com toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros com toda a sabedoria.

Do fundo dos vossos corações, cantai a Deus salmos, hinos e cânticos espirituais, em ação de graças.” (1)

Oremos:

Senhor Deus, que Vossa Palavra esteja em nossos lábios, mas antes nas entranhas de nosso coração, para que saibamos ensinar e admoestar com misericórdia e sabedoria inseparáveis, promovendo a concórdia e comunhão.

Pelos presbíteros, para que sejam como pastores: “...discreto no silêncio, útil na fala, para não falar o que deve calar, nem calar o que deve dizer. Pois da mesma forma que uma palavra inconsiderada arrasta ao erro, o silêncio inoportuno deixa no erro aqueles a quem poderia instruir.” (2)

Em todo o tempo, com salmos, hinos e cânticos espirituais, saibamos render-Vos graças, por todas os bens e dons recebidos de Vossas mãos tão liberais e generosas, ainda que nada mereçamos. Amém.

 

 

(1) Cl 3,16

(2) Papa São Gregório Magno (séc. VI)

Em poucas palavras...

 


João, Mãe, te é entregue em vez de Jesus...”.

"João, Mãe, te é entregue em vez de Jesus, o servo em lugar do Senhor, o discípulo pelo Mestre, o filho de Zebedeu pelo Filho de Deus, o puro homem, em vez do Deus verdadeiro. 

Como ouvir isso deixaria de transpassar tua alma tão afetuosa, se até a sua lembrança nos corta os corações, tão de pedra, tão de ferro?" -  

Sermão do Abade São Bernardo (séc XII). 

"Uma fé decidida e estável e o indefectível amor fraterno"

                                    

"Uma fé decidida e estável e o indefectível amor fraterno"

A Igreja celebra no dia 16 de setembro, a memória de dois grandes mártires: O Papa São Cornélio e o Bispo São Cipriano.

Em uma das Cartas de São Cipriano ao Papa Cornélio podemos contemplar duas corajosas e preciosas testemunhas do Senhor, além de contemplar mais que uma amizade, uma comunhão que ultrapassa todas as barreiras, porque sabe que se eternizarão em Deus, pela fé decidida e estável vivida, e o indefectível amor fraterno.

“Cipriano a Cornélio, seu irmão. Tive notícias, irmão caríssimo, dos gloriosos testemunhos de vossa fé e fortaleza. Recebemos com tanta exultação a honra de vossa confissão que também nos julgamos participantes e companheiros de vossos merecidos louvores.

Pois se em nós e na Igreja só há um modo de pensar e indivisa concórdia, qual o sacerdote que não se rejubilaria como próprios com os louvores dados a seu irmão no sacerdócio? Ou que fraternidade não se alegraria com o júbilo de todos os irmãos?

Impossível expressar como foi grande esta exultação e alegria, quando fui informado de vossas vitórias e atos de coragem.

Nisto foste o primeiro, durante o interrogatório dos irmãos. O testemunho do chefe ainda foi acrescido pela confissão dos irmãos. Enquanto vais à frente na glória, fazes muitos companheiros nesta glória e estimulas o povo a dar testemunho por estares preparado, primeiro que todos, a confessar em nome de todos.

Não sabemos o que primeiro elogiar em vós: se vossa fé decidida e estável, se o indefectível amor fraterno. Aí se provou de público a virtude do Bispo indo à frente, e se revelou a união da fraternidade que o seguia. Já que em vós só há um coração e uma só voz, foi toda a Igreja Romana que testemunhou.

Tornou-se evidente, irmão caríssimo, a fé que o Apóstolo já tinha louvado em vós. Já então ele previa a virtude louvável e a firmeza da coragem, atestando com isso vossos méritos futuros.

O elogio aos pais era estímulo aos filhos. Por serdes assim unânimes, assim fortes, destes exemplos de unanimidade e de fortaleza aos outros irmãos.

Sinais da providência do Senhor nos avisam, e palavras salutares da divina misericórdia nos advertem de que já se aproxima o dia de nossa grande luta.

Por isto, como podemos irmão caríssimo, pela mútua caridade que nos une, nós vos exortamos a não esmorecer.

Nos jejuns, nas vigílias e orações com todo o povo. São estas armas celestes que fazem ficar de pé e perseverar com denodo; são estas as defesas espirituais, as lanças, que protegem.

Lembremo-nos um do outro, concordes e unânimes, mutuamente oremos sempre por nós, suavizando as tribulações e angústias pela caridade recíproca.”

Reflitamos sobre a presença de  São Cornélio na vida de São Cipriano, a ele dedicando esta Carta, como que escrita pelo próprio punho  como expressão de autêntica amizade.

“Oremos: Ó Deus, que em São Cornélio e São Cipriano destes ao Vosso povo pastores tão dedicados e mártires invencíveis, fortificai, por suas preces, nossa fé e coragem, para que possamos trabalhar incansavelmente pela unidade da Igreja. Por N. S. J. C. Amém!”



PS: “Cornélio foi ordenado Bispo da Igreja de Roma no ano 251. Teve de combater o cisma dos Novacianos e, com a ajuda de São Cipriano, conseguiu consolidar a sua autoridade. Foi desterrado pelo imperador Galo e morreu no exílio, perto de Civitavecchia, no ano 253. O seu corpo foi trasladado para Roma e sepultado no cemitério de Calisto.

Cipriano nasceu em Cartago cerca do ano 210, de uma família pagã. Tendo-se convertido à fé e, ordenado sacerdote, foi eleito bispo daquela cidade no ano 249. Em tempos muito difíceis, governou sabiamente, com suas obras e escritos, a Igreja que lhe foi confiada. Na perseguição de Valeriano, sofreu primeiramente o exílio, e depois o martírio no dia 14 de setembro do ano 258”.

Em poucas palavras...

 


“Se rasgam com açoites o corpo de Jesus...”

“Se rasgam com açoites o corpo de Jesus, Maria sente todas essas feridas; se lhe atravessam com espinhos a cabeça, Maria sente-se dilacerada pela ponta desses espinhos; se lhe apresentam fel e vinagre, Maria experimenta todo esse amargor; se lhe estendem o corpo sobre a cruz, Maria sofre toda essa violência”  (1)

 

(1)  A. Tanquerey, La divinización del sufrimiento, pág. 108

A nossa dor não é indiferente para Deus

                                                                

A nossa dor não é indiferente para Deus

Cristo vence a morte e é a Salvação, como vemos na passagem do Evangelho de Lucas (Lc 7,11-17): diante da triste realidade daquela viúva da cidade de Naun, que vira a morte de seu filho, contemplamos a intervenção do Senhor para ressuscitá-lo.

A Palavra de Jesus é a mesma ontem, hoje e sempre: “Jovem, Eu te ordeno, levanta-te! O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe”. (v. 14-15).

O comentário do Missal Dominical conclui com uma frase de indiscutível beleza e profundidade: “A humanidade tem diante de si, não o nada sem fim, mas a vida em plenitude sem fim. Cristo Ressuscitado é o futuro do homem”. (1)

E ainda acrescento esta citação: “As leituras de hoje proclamam um encontro entre o Senhor e a nossa pobreza. Ele aproxima-Se para restituir um espaço de vida àqueles a quem foi negado, veio abrir horizontes de esperança a todos os que a perderam.

São muitas as tramas de morte, as feridas abertas, as expectativas desiludidas, que encontramos nos caminhos da nossa vida pessoal, das nossas famílias e das nossas comunidades”.  (2)

A vida humana e suas fragilidades não ficam indiferentes para Deus, por isto, na passagem do Evangelho, Lucas assim fala do Senhor ao ver a viúva em sua extrema dor: “Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chore! ” (v.13).

A Palavra de Jesus no Evangelho e, sobretudo, quando na Missa proclamada, gera em nossos corações uma esperança que não decepciona (Rm 5, 5):

“A uma Humanidade sofredora na sua solidão que, não obstante os seus narcóticos e as suas drogas, os seus prazeres e as suas evasões, fica aterrorizada perante uma doença mortal ou uma morte improvisa, a todos os que vivem o drama dos sofrimentos sem saída e sem redes de segurança, somos convidados a anunciar que em Jesus, Filho de Deus e Filho da nossa terra, nos é dada uma esperança inaudita.

Melhor, ela já germina nas nossas decisões e nos nossos gestos de partilha, na entrega serena de nossa vida ao Senhor, ponto de partida para a humanidade renovada” . (3)

Dramas da morte, feridas abertas e expectativas desiludidas por vezes marcam nosso existir, de fato, mas crendo em Jesus Ressuscitado, e na força vital de Sua Palavra, não podemos nos curvar diante destas realidades.

Para o drama da morte, a promessa da Ressurreição nos recoloca no caminho, preenchendo o vazio deixado, na feliz espera de um dia nos encontrarmos com todos aqueles que nos precederam nos céus.

Não há o nada sem fim para quem tem fé, quando a morte bate em nossa porta, cremos na vida plena, eterna e sem fim, este é o nosso destino, porque de Deus viemos, nos movemos e somos, e para Ele voltaremos, pois na casa do Pai há muitas moradas para aquele que com Ele caminhar, pela Verdade se deixar seduzir, Vida plena alcançar.

Para as feridas abertas, temos em cada Eucaristia, quando comungamos, o remédio de imortalidade e o antídoto para não morrer, pois assim disse o Senhor:
 “Quem comer da minha Carne e beber do meu Sangue não morrerá para sempre”.

Para as expectativas desiludidas, a âncora da esperança nos firma na fé, que nos impulsiona a olhar para frente, vivendo o Mandamento do Amor que o Senhor nos deixou, avançando sem tristes e empobrecedores recuos.


(1) Missal Dominical - pág. 1143.
(2) Leccionário Comentado - Editora Paulus - pág. 471.
(3) idem - pág. 472.


PS: Liturgia da Palavra do 10º Domingo do Tempo Comum 1ª Leitura: (1Rs 17,17-24 ); Sl 29; 2ª Leitura (Gl 1,11-19; Evangelho (Lc 7,11-17).  Proclamado na 24ª Terça-feira do Tempo Comum.

A compaixão do Senhor gera vida nova

                                                               

 A compaixão do Senhor gera vida nova

A Liturgia da Terça-feira da 24ª Semana do Tempo Comum nos apresenta como mensagem: Cristo vencedor da morte é a nossa Salvação! 

Diante da triste realidade daquela viúva da cidade de Naun, que vira a morte de seu filho, vemos a intervenção do Senhor em ressuscitá-lo (cf. Lc 7,11-17).

A Palavra de Jesus é a mesma ontem, hoje e sempre: “Jovem, Eu te ordeno, levanta-te! O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe”. (v. 14-15).

Assim nos diz o comentário do Missal Dominical: “A humanidade tem diante de si, não o nada sem fim, mas a vida em plenitude sem fim. Cristo Ressuscitado é o futuro do homem”. (1)

A passagem do Evangelho proclama um encontro “...entre o Senhor e a nossa pobreza. Ele aproxima-Se para restituir um espaço de vida àqueles a quem foi negado, veio abrir horizontes de esperança a todos os que a perderam.

São muitas as tramas de morte, as feridas abertas, as expectativas desiludidas, que encontramos nos caminhos da nossa vida pessoal, das nossas famílias e das nossas comunidades”.  (2)

A vida humana e suas fragilidades não ficam indiferentes para Deus, por isto, na passagem do Evangelho, Lucas assim fala do Senhor ao ver a viúva em sua extrema dor: “Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: ‘Não chore! ” (v.13).

A Palavra de Jesus no Evangelho e, sobretudo, quando na Missa proclamada, gera em nossos corações uma esperança que não decepciona (Rm 5, 5):

“A uma Humanidade sofredora na sua solidão que, não obstante os seus narcóticos e as suas drogas, os seus prazeres e as suas evasões, fica aterrorizada perante uma doença mortal ou uma morte improvisa, a todos os que vivem o drama dos sofrimentos sem saída e sem redes de segurança, somos convidados a anunciar que em Jesus, Filho de Deus e Filho da nossa terra, nos é dada uma esperança inaudita.

Melhor, ela já germina nas nossas decisões e nos nossos gestos de partilha, na entrega serena de nossa vida ao Senhor, ponto de partida para a humanidade renovada” . (3)

Dramas da morte, feridas abertas e expectativas desiludidas por vezes marcam nosso existir, de fato, mas crendo em Jesus Cristo Ressuscitado, e na força vital de Sua Palavra, não podemos nos curvar diante destas realidades.

Para o drama da morte, a promessa da Ressurreição nos recoloca no caminho, preenchendo o vazio deixado, na feliz espera de um dia nos encontrarmos com todos aqueles que nos precederam nos céus.

Não há o nada sem fim para quem tem fé, quando a morte bate em nossa porta, cremos na vida plena, eterna e sem fim, este é o nosso destino, porque de Deus viemos, nos movemos e somos, e para Ele voltaremos, pois na casa do Pai há muitas moradas para aquele que com Ele caminhar, pela Verdade se deixar seduzir, Vida plena alcançar.

Para as feridas abertas, temos em cada Eucaristia, quando comungamos, o remédio de imortalidade e o antídoto para não morrer, pois assim disse o Senhor:

“Quem comer da minha Carne e beber do meu Sangue não morrerá para sempre” (Jo 6,54).

Para as expectativas desiludidas, a âncora da esperança nos firma na fé, que nos impulsiona a olhar para frente, vivendo o Mandamento do Amor que o Senhor nos deixou, avançando sem tristes e empobrecedores recuos.


(1) Missal Dominical - Editora Paulus - pág. 1143.
(2) Lecionário Comentado - Editora Paulus - Lisboa - pág. 471.
(3) idem - pág. 472.

A serviço da vida plena e feliz

                                                              

A serviço da vida plena e feliz

Com a Liturgia da terça-feira da 24ª Semana do Tempo Comum, reflitamos sobre a vitalidade e importância da vocação profética.

A passagem do Evangelho (Lc 7,11-17) nos apresenta a morte do filho de uma viúva e a ação solidária e misericordiosa de Deus para com elas, pois a morte deles sem a intervenção divina seria a perda da esperança e derrota definitiva. Duas histórias parecidas falando da vida resgatada por Deus.

Deus jamais abandona o Seu Povo ao poder da morte, mas sempre o visita e envia Profetas para ser sinal de Sua presença. Ele mesmo veio ao encontro da humanidade, através de Seu Filho Amado.

Jesus é o grande Profeta que visita Seu povo em total oblação, na oferenda de Sua vida. A ação de Jesus nos revela que a vida triunfa sobre a morte. Ele nos oferece a plenitude da alegria: ação marcada pela piedade, compaixão e ação efetiva que transforma a morte em vida, a dor em alegria, a treva em luz.

A ação de Jesus nos faz pensar em dois diferentes cortejos: da morte ou da vida.

- Qual deles seguimos?
- Que caminho fazemos?

- Com quem somamos?
- Temos convicção de que não podemos entrar na fila dos que promovem o cortejo da morte, dos sem esperança, que se submergem em suas lágrimas de luto, dor e desespero?

- Temos convicção de que precisamos firmar nossos passos para solidificar nossa fé, renovar nossa esperança e fazer crescer a caridade?
- Colocamo-nos, de fato, no caminho da esperança, da transformação do choro da morte em alegria da vida, ou seja, a fé na Ressurreição?

A Liturgia nos convida também a refletir sobre a nossa esperança: tem as derrotas e as desgraças ofuscando e minando nossa esperança.

- Quais são as esperanças que nos movem?
- Como vivemos esta virtude teologal?

O Evangelho é sempre uma Boa Nova que possui força vital e criadora, pois é o próprio Deus quem nos fala, e a sua acolhida nos coloca numa dinâmica profética, num caminho de conversão, gratuidade, missão acompanhada do anúncio e testemunho com a própria vida.

Concluo com as Palavras da Oração Eucarística VI D (para as diversas circunstâncias):

Pai misericordioso e Deus fiel. Vós nos destes Vosso Filho Jesus Cristo, Nosso Senhor e Redentor. Ele sempre Se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-Se ao lado dos perseguidos e marginalizados.

Com a vida e a Palavra anunciou que sois Pai e cuida de todos como filhos e filhas...

Dai-nos olhos para ver as necessidades e os sofrimentos dos nossos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos; fazei que, a exemplo de Cristo, e seguindo o Seu Mandamento, nos empenhemos lealmente no serviço a eles”.

De fato, a Igreja será testemunha viva da verdade e da liberdade, da justiça e da paz, e toda a humanidade se abrirá à esperança de um mundo novo, por isto, renovemos a alegria de participarmos do cortejo da vida, em maior fidelidade ao Senhor e à Sua Igreja, na acolhida, anúncio e testemunho da boa nova, reavivando a chama profética que um dia foi acesa em nosso Batismo.

As faces da lágrima nas faces...

                                                             

As faces da lágrima nas faces...

Lágrimas são mais que lágrimas... Mas o que elas nos revelam?
Com um olhar transcendente contemplemo-las e ouçamos o que nos dizem...

Sou a lágrima que derramou no silêncio escuro de um quarto, por ter vergonha de ser, diante do outro, vertida...

Sou a lágrima que não derramou no silêncio escuro do mesmo quarto, porque disseram que não posso chorar; que o choro é expressão de minha fraqueza...

Sou a lágrima que saiu dos olhos do amigo de Lázaro quando foi ao seu encontro, morto há quatro dias... Expressão de amizade do divino com o humano, da compaixão que consumiu todo o Seu existir...

A mesma lágrima que o Bom Pastor, ao ver Jerusalém, um dia chorou: O Amor que não foi compreendido, acolhido... Que ainda hoje, nos faz pensar nas repetidas incompreensões, da não abertura ao Seu Projeto de amor, vida, salvação...

Sou a lágrima que verteu, copiosamente, nos olhos de Maria aos pés da Cruz, recebendo o corpo do Filho amado.

Sou a lágrima dos bem-aventurados do Reino que, por Deus, serão consolados, pois por Ele foi prometido, porque incompreendidos, caluniados, perseguidos...

Sou a lágrima que caiu porque, ao longo do ano findado, milhões de inocentes, a luz do dia, não viram nascer, porque abortados, mortos o foram...

Sou a lágrima da vitória aparentemente impossível que nada difere da derrota inesperada: o que difere são as suas motivações, tão opostas...

Sou a lágrima do resultado mais que esperado de um concurso, ou um exame, entrevista, podendo ser expressão de êxito ou frustração.

Sou a lágrima dos olhos dos pais ao verem aquele que, ao mundo, veio; seus primeiros choros, primeiros traços, primeiros colos, primeiros toques...

Sou a lágrima das primeiras quedas, sustos; das primeiras ausências sentidas por vezes para sempre; das primeiras aulas em busca de intermináveis saberes...

Sou a lágrima que acompanha a inevitável despedida, ora provisória de uma viagem, ora de uma viagem que será para sempre, portanto voltará a verter...

Sou, portanto, a mesma lágrima da despedida que não conseguimos admitir, a lágrima da saudade de alguém que se foi para aqui dentro ficar...

Sou a lágrima da dor, do esforço, da superação, mas também a lágrima de que valeu a pena não sucumbir diante da exclusão, humilhação...

Sou a lágrima do reencontro, por vezes planejado, outras vezes nem tanto, talvez em mesma intensidade. Mas o que têm em comum? A emoção do reencontro de quem se ama.

Sou a lágrima do sonho destruído, do tudo ou quase tudo perdido, naufragado em intempéries desoladoras, inesquecíveis, inesperadas... Mas a mesma lágrima que rega a semente do recomeço...

Sou a lágrima que goteja diante de altares, em Sacramentos, com indescritível espiritualidade, por todos celebrados, vivenciados com intensa profundidade...

Sou a lágrima pela lágrima não derramada.
Sou a lágrima pela lágrima dos incompreendidos.
Sou a lágrima pela lágrima dos que não choram.
Sou a lágrima por aqueles que desconhecem sua força.

Sou a lágrima que soma com a lágrima daqueles que procuram compreender-me, ouvir-me sem rotulações, definições, proibições...

Lágrima, quem sois?
Sou isto e muito mais
Lágrima, quem sois?
Decifra-me, permita-me, compreenda-me...

Deixe-me ser a lágrima de múltiplas leituras.
Apenas não me ignore, procure ser o que escrevo, ouvir o que grito, mais ainda o que calo...

Lágrima, quem sois?
Sou...

Quem disse que é possível falar com elas?
Não sei se é, ou até sei... Mas que elas falam conosco, não tenho dúvida. Precisamos de coragem para ouvi-las, derramá-las, secá-las, evitá-las, quando possível, no olhar do outro... 

Há lágrimas e lágrimas…

                                                              

Há lágrimas e lágrimas…

Assim começa a matéria “Cientistas tentam decifrar o complexo caminho das lágrimas”, do The New York Times, na Folha de São Paulo de 16 de fevereiro de 2009, de Benedict Carey:

“Elas, as lágrimas, são consideradas um alívio, um tônico psicológico e, para muitos a visão de algo mais profundo: A linguagem gestual do coração, a transpiração emocional vinda do poço de uma humanidade comum. As lágrimas lubrificam o Amor e as canções de Amor, os casamentos e os funerais, os rituais públicos e a dor privada e talvez nenhum estudo científico possa, algum dia, capturar todos os seus muitos significados…”

Não tenho a pretensão de comentar a matéria, que acredito muito interessante, apenas cito o início que me levou a refletir no efeito catártico, de purificação que a lágrima pode realizar.
Os diversos sentidos que uma lágrima pode ter...
Os inúmeros conteúdos que ela carrega em si.

Lágrima dos olhos daquele que nasce e daqueles que acolhem a nova vida. Qual a diferença que há entre a lágrima da criança, da mãe, e a lágrima do pai?
Lágrimas de um nascimento, lágrimas de uma morte…

Lágrimas que vertem ao receber trágica notícia, lágrimas que abundam ao acolher uma noticia portadora de alegria.
Qual a diferença? Muita! Mas são sempre lágrimas.
Lágrimas de uma derrota, lágrimas de uma vitória.

Lágrimas de uma partida, lágrimas de uma chegada.
Lágrimas por ter medo de enfrentá-las, lágrimas pelas dificuldades superadas.

Lágrimas de uma amizade partilhada, lágrimas de uma amizade perdida. Sempre lágrimas de matizes diferenciados.
Lágrimas por uma derrota experimentada, lágrimas por uma vitória alcançada.

Lágrimas são sempre lágrimas. O importante é saber captar seu conteúdo, sua mensagem. O importante é saber compartilhá-las.

No Evangelho há uma passagem comovente:
Jesus vai ver Seu amigo Lázaro e o encontra morto, enterrado há quatro dias, sem esperança alguma.
Numa página inesquecível diz textualmente que Jesus ficou comovido e chorou…
Lágrimas de Jesus: Lágrimas do Homem, lágrimas de Deus.
Lágrimas do amigo da humanidade decaída e mergulhada no sono de morte.

É maravilhoso contemplar o homem Jesus que chora...
Que abre, sobretudo, para nós, a possibilidade do choro. Alguns nos disseram que homem não chora, e alguns de nós acreditamos e por isto carregamos este peso.

Lágrimas são mais que uma produção, elas são, antes de tudo, uma expressão! Ao verterem, escorrerem, levam consigo um grito, um clamor, uma súplica, uma resposta, uma expressão de finitude, limitação, solidariedade, esperança e Ressurreição...

Dorme-se com lágrimas nos olhos, acorda-se com esperança no coração; acorda-se às vezes com lágrimas nos olhos, mas a noite pode-se dormir com outras lágrimas. As lágrimas por ter alcançado a resposta, buscado e encontrado a superação.

Deixemos as lágrimas falarem…
Aprendamos sua linguagem.
Quem disse que as lágrimas não falam?
E como falam!
Sua ausência também fala. Entender a linguagem de sua ausência talvez seja mais difícil, mas é possível captá-la, compreendê-la.

Lágrimas são fragmentos de momentos que não passam em mim.
Lágrimas como experiência de humanização, que cala fundo.

Lágrimas silenciosas, reveladoras de desespero profundo.
Lágrimas de amor que ama, mesmo no desencanto do desamor, ou do amor não correspondido...

Lágrimas de coração machucado podem regar sementes de esperança e germinar um mundo novo.
Lágrimas de um coração que pulsa feliz, caindo abundantemente, também regam e eternizam sementes de momentos felizes a florescerem num jardim do amanhã não distante.

Lágrimas entre sorrisos de dor ou de alegria.
Lágrimas que brotam e saem do coração, como transbordamento da alma, que aliviam e acalmam.

Lágrimas lembram nossa meta de Amor, num misto de metade dor, metade alegria, em perfeita harmonia.
Lágrimas sempre  presentes em todas as estações da vida: secadas pelo calor do verão, congeladas às vezes pelo frio do inverno, teimosamente cadentes como um anúncio de outono, mas apontando a beleza e o perfume da primavera.

Ó  matéria prima das lágrimas!
Um olhar que transcenda a lágrima nos permitirá compreender a fonte de sua existência, muitas vezes feitas de sonhos ou  pesadelos, alegrias ou tristezas, angústias ou consolo, desespero ou  esperança, ilusões ou realidade, bondade ou iniquidade, de morte ou vida, de ódio ou de amor, transitoriedade ou eternidade…

Ó lágrima!
Que ao verter seja-nos devolvida a serenidade no rosto; a pureza e ação de graças nos lábios e no coração a alegria! 

Lágrimas...

                                                              


Lágrimas...

As lágrimas nos olhos da viúva verteram,
Ao carregar o corpo morto do filho único,
Enterrava sua esperança, sua segurança,
Seu porto seguro, não mais consigo.

Restava tão apenas seguir o cortejo,
Depositar o corpo no local preparado
Para que se cumpra a Palavra:
“Do pó viestes, ao pó retornas”

Que mais podia ela esperar, agora tão solitária,
Sem o fruto nascido de suas entranhas?
Enterrar um pedaço de si mesma,
Pois assim se sente toda mãe ao fazer isto.

Agora ficariam as lembranças corrosivas da alma
O vazio da ausência, preenchido pela saudade,
Que tende a crescer a cada dia que passa,
Crescerá a saudade, porque expressão de amor.

Vendo as lágrimas nos olhos da viúva,
O coração do Senhor mais uma vez foi tocado,
Por ela compaixão sentindo, a vida ao filho devolvendo...
"Levanta-te, Eu te ordeno!"

As Palavras do Senhor se fizeram ouvir,
Manifestando Seu poder sobre a vida e a morte.
Nada pode impedir a ação do Deus de Amor,
Nem mesmo a dor, a enfermidade e a morte.

É próprio do Amor de Deus, glorifico:
Romper a barreira do aparentemente impossível,
Para nos devolver a vida, a serenidade,
A esperança, os sonhos, as alegres conquistas.

Lágrimas...

Dos olhos de outra mulher, lágrimas foram vertidas,
E, com elas, os pés do próprio Senhor banhou,
Com seus cabelos, rompendo preconceitos,
Os secou, com perfume ungiu, de beijo cobriu.

É a pecadora publicamente conhecida,
Que carregava o peso de uma vida vazia e sem sentido,
Vida agora renovada, pelo Amor Encarnado, perdoada,
Pela fé que tinha, salva, em paz, novos caminhos.

Jesus não seca suas lágrimas, mas permite que caiam,
Que elas vertam, porque são suave expressão de amor,
De acolhida, sede de perdão, e ainda mais, compreensão,
Para um reencontro consigo mesma, para feliz ser.

Ela acreditou que tão somente Jesus
Com jeito novo a amaria, sem dúvida alguma,
Que suas lágrimas em vão não cairiam,
Sabe que é bem pouco o que oferece, pelo muito recebido.

Prostra-se aos pés do Senhor, que ama e perdoa,
Uma lição para a humanidade deixaria.
Alegria encontramos quando o mesmo fazemos,
Descendo de nossa arrogância e hipocrisia.

Jesus não seca as suas lágrimas, ao contrário,
Permite que elas copiosamente se multipliquem,
Pois somente quando nossos pecados choramos,
Com penitência e propósitos acompanhados, renascemos.

Lágrimas...

As lágrimas da viúva e as lágrimas da pecadora
Encontram do Senhor resposta diferente:
A uma Ele ama e a alegria e a vida do filho devolve,
A outra ama e a alegria da vida nova comunica.

Vertamos nossas lágrimas diante do Senhor,
Também com sede de vida, alegria e esperança,
Imensurável sede de perdão, compreensão,
Acolhida, confiança e o Amor do Senhor encontramos.

Lágrimas...

PS: Poema inspirado nas passagens do Evangelho de São Lucas  (Lc 7, 11-17 e 7,36-50). 

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