quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A unidade do culto e da vida

                                                          

A unidade do culto e da vida

“A vida celebra-se, o culto vive-se”

A passagem bíblica do Livro do Profeta Ageu, proclamada na quinta-feira da 25ª Semana do Tempo Comum - ano ímpar- (Ag 1,1-8) apresenta um tema muito significativo para a História do Povo de Deus: a edificação da Casa do Senhor.

Num período dificílimo, período do pós-exílio, tempo de reconstrução de tudo, a comunidade se encontrava em ruínas, com o imperativo da reconstrução do templo. Assim se uniram os repatriados que se ajudaram uns aos outros.

O profeta Ageu via a profunda unidade entre o culto e a vida, por isto a necessidade desta reconstrução com a participação de todos.

Assim lemos no comentário do Missal Cotidiano:

“Os cristãos não devem engolfar-se no mundo ou dele fugir. ‘Quem vai além ou não permanece na doutrina de Cristo não possui a Deus’ (2 Jo 9), mas Cristo nos ‘enviou ao mundo’ (Jo 17,18). A relação entre culto e vida pode mudar com os tempos, porém não pode ser destruída: a vida celebra-se, o culto vive-se.” (1)

Roguemos a Deus as graças e luzes necessárias para não sermos envolvidos e seduzidos pela mentalidade do mundo, com suas propostas sedutoras enganadoras, mas que também não fujamos, e não vivamos alheios ao que acontece em nossa volta.

Bem diz um dos Documentos da Igreja, aludindo sobre a íntima união da Igreja com toda a família humana:

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração”. (2)

A autenticidade de vida cristã exige de nós que jamais divorciemos a vida do culto e o culto da vida, como bem expressou o Missal Cotidiano: “A vida celebra-se, o culto vive-se”, e tão apenas com a força e ação do Espírito, viveremos a Boa-Nova de Jesus, comprometidos com o Reino de Deus por Ele inaugurado.

(1) Missal Cotidiano - Editora Paulus - 1995 - página 1308
(2) Gaudium Et Spes – Vaticano II – n.1

Um olhar transcendente

                                                           

Um olhar transcendente

Caminhando pela praça, meus olhos se fixam ao que me toca a alma. Em um cenário diferenciado, com um chão tortuoso, tendo o cuidado para não tropeço descuidado, volto meu olhar de modo especial sobre aqueles que edificam e fazem iluminar minha alma, e me levam a voos diferenciados às alturas de um céu azulado.

Meus pensamentos voam contemplando as crianças correndo ao encontro dos braços da mãe, e por elas fotografadas, deitadas na cama que a natureza nos presenteia: a grama do jardim, roseada pelas pétalas do ipê caídas depois do tempo útil e necessário, num eterno círculo de reflorescimento: cair, morrer, fecundar, e um tempo depois novamente vir a florescer e florir.

Na praça, por vezes, somos surpreendidos com pessoas, que rompendo o anonimato, se aproximam, para uma informação ou com o simples propósito de conversar, ainda que aparentemente futilidades, podendo até mesmo vincular relacionamentos, acolhida, orientação, palavras partilhadas, renovando-se para pôr-se a caminho.

Outras vezes os pensamentos voam contemplando pessoas trêfegas, cansadas, agitadas, depois de um dia extenuante, que não percebem que o sol está se pondo no horizonte, para um novo amanhecer, com seus raios e luz que virão nos iluminar e aquecer; e num retorno em meio ao tráfego, quando o semáfaro que não abre, embora  programado, como que tivesse que se esperar uma eternidade.

Olho a praça como lugar do aprendizado da expressão da beleza da vida, da convivência harmoniosa, para além das diferenças e anonimatos a serem rompidos. Meus olhos, pela natureza encantados, pelo canto dos pássaros, meus ouvidos e alma tocados.

A sensibilidade para os mínimos acontecimentos nos dão a devida dimensão da grandiosidade e sacralidade e dignidade da vida humana e o zelo pela totalidade da divina criação.

Urge que nossas praças sejam mais valorizadas e cuidadas; um lugar agradável de caminhadas, para cuidado do corpo e do espírito, dos sonhos, dos encontros e reencontros, do refazer-se para o árduo caminho; espaço da convivência, das manifestações, da cordialidade e fortalecimentos de vínculos de justiça, paz e fraternidade.

Enfim, seja a praça a prefiguração da praça celestial, o novo céu e a nova terra, onde caminharemos entre anjos e santos, com a graça da comunhão plena de vida e de amor, em que o Senhor reinará no coração de toda a humanidade, quando o Filho, Jesus, submeterá Àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos.

“E quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho Se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, 
para que Deus seja tudo em todos. 
E quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, 
então o próprio Filho se submeterá Àquele 
que tudo lhe submeteu, 
para que Deus seja tudo em todos”

(1 Cor 15,28).

Ninguém nos amou tanto assim!

                                                     

Ninguém nos amou tanto assim!

À luz de um dos Sermões do Bispo Santo Agostinho (Séc. V), reflitamos sobre a preciosa morte dos mártires, cujo preço foi a morte de Cristo.

“Pelos feitos tão gloriosos dos mártires, que fazem a Igreja florescer por toda parte, provamos com nossos próprios olhos como é verdadeiro o que cantamos: É preciosa aos olhos do Senhor a morte de seus santos (Sl 115,15). Portanto, é preciosa não só aos nossos olhos, mas aos olhos daquele por cujo nome se sofreu. Contudo o preço destas mortes é a morte de um só.

Quantas mortes comprou um só com a sua morte? Se ele não morresse, o grão de trigo não se multiplicaria. Ouvistes suas palavras, estando próxima a paixão, quer dizer, quando se aproximava nossa redenção: Se o grão de trigo, caindo em terra, não morrer, ficará sozinho; morrendo, porém, produzirá muito fruto (Jo 12,24).

Houve na cruz um grande comércio: abriu-se ali a bolsa para pagar nosso custo; quando seu lado foi aberto pela lança do que feria, dali correu o preço do mundo inteiro. Foram comprados fiéis e mártires; mas a fé dos mártires suportou a prova: o sangue é testemunha. Retribuíram o que tinha sido pago por eles e realizaram as palavras de São João: Assim como Cristo entregou sua vida por nós, também nós devemos entregar nossas vidas pelos irmãos (cf. 1Jo 3,16).

E em outro lugar se disse: Sentaste à grande mesa, observa com cuidado o que te oferecem porque deves preparar o mesmo (Pr 23,1-2). A grande mesa é aquela em que as iguarias são o próprio Senhor da mesa. Ninguém alimenta os convivas com sua pessoa, mas assim procede o Cristo Senhor: ele é que convida, ele é o pão e a bebida. Portanto, os mártires reconheceram o que comeram e o que beberam, para retribuírem o mesmo.

Mas como retribuir, a não ser que lhes desse com que retribuir aquele que primeiro pagou? Que retribuirei ao Senhor por tudo quanto me deu? Tomarei o cálice da salvação (Sl 115,12-13). Que cálice é este? O cálice da paixão, amargo e salutar; cálice que, se dele não bebesse antes o médico, o doente temeria tocá-lo.

É ele este cálice. Nós o reconhecemos nos lábios de Cristo que dizia: Pai, se possível for afaste-se de mim este cálice (Mt 26,39). Deste mesmo cálice disseram os mártires: Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor (Sl 115,13).

Não temos então medo de fraquejar? Por quê? Porque invocaremos o nome do Senhor. Como venceriam os mártires, se neles não vencesse aquele que disse: Alegrai-vos porque eu venci o mundo? (Jo 16,33).

O soberano dos céus governava-lhes a mente e a língua e, através deles, derrotava o diabo na terra e coroava os mártires no céu. Felizes os que assim beberam deste cálice: terminaram as dores, receberam as honras!”.

Fomos resgatados pelo Senhor em Sua morte na cruz, como nos falou o Bispo: “Houve na cruz um grande comércio: abriu-se ali a bolsa para pagar nosso custo; quando seu lado foi aberto pela lança do que feria, dali correu o preço do mundo inteiro”.

Resgatados, reconciliados e alimentados pelo Seu Corpo e Sangue, como partícipes do Banquete Eucarístico, para levar adiante a sua missão com coragem, como peregrinos da esperança, enfrentando as adversidades e até mesmo o martírio, como inúmeros assim testemunharam ao longo da história.

Correspondamos cada vez mais ao imenso amor de Deus que tendo nos amado, nos amou até o fim por meio do Seu Filho, como nos falou o Evangelista São João - Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o Seu Filho único, para que todo o que n’Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16), e assim estaremos trilhando o caminho da verdadeira felicidade e vida plena e eterna.

Em poucas palavras...

                                                  


O testemunho de fé

“Zacarias insinua que quem conhece a Deus deve fazê-lo conhecido dos demais.

Nosso testemunho de fé deveria ser tal que pudéssemos ouvir: ‘Queremos ir convosco, porque compreendemos que Deus está convosco’” (1)

 

 

(1)               Comentário do Missal Cotidiano – Editora Paulus – pág. 1325 sobre a passagem bíblica: Zc 8,20-23

Impermeabilidade...

                                                      

Impermeabilidade...

Há impermeabilidades não desejáveis e outras que devem nos acompanhar em todos os instantes.

Não quero a impermeabilidade indesejável do que me faça feliz,
Sobretudo, do coração ao convite de Amor que Deus sempre me faz.

Não quero a impermeabilidade do ouvido à Sua Palavra Santa e Divina,
Que, adentrando no mais profundo de minha alma, maviosamente ilumina.

Não quero impermeabilidade a tudo que me faz mais humano e fraterno;
Ao que permita abrir-me constantemente e absorver o melhor que Deus possa me oferecer.

Não quero a impermeabilidade dos incrédulos que não renovam sua fé,
Tão pouco revigoram sua esperança em gestos humanos e divinos de caridade.

Quero a impermeabilidade da mente para o que for fútil;
de modo que não seja invadida pelo relativismo das verdades pouco duráveis.

Quero a impermeabilidade da mente para tudo que me fragilize;
Também para que a coerência das atitudes tristemente não se pulverize.

Quero a impermeabilidade do coração para a maldade que o circunda;
Também para não ser corrompido pelas paixões que me desviam da Fonte Plena de Amor, Jesus.

Quero a impermeabilidade do coração para tudo que for abominável;
Também para que aberto tão apenas seja ao que for por Deus desejável.

Quero a impermeabilidade da alma para que não seja maculada
Pelos tentáculos dos pecados capitais que a vida destroem e obscurecem.

Quero a impermeabilidade da alma para que não se torne vulnerável,
Para não sucumbirem no vale do desamor, alma, espírito e corpo.

Quero a impermeabilidade do ouvido às palavras que não edificam,
Com suas seduções e conteúdos vazios que me empobreceriam.

Quero a impermeabilidade do ouvido para os profetas derrotistas,
Que não me comunicam, nem me renovam a esperança na humanidade.

Quero a impermeabilidade do olhar para o bem material não ambicionar;
Para saber com o pouco e necessário me alegrar, que a felicidade não passe pelo ter.

Entre as impermeabilidades abomináveis e outras desejáveis,
Continuo minha existência sem a impermeabilidade ao que me faça crescer...

Travessia em tempo de pandemia

 


  Travessia em tempo de pandemia 


A travessia pelo deserto em tempo de pandemia nos desafia:

Noticiário invade nossas casas, comunidades e outros espaços,

Inquietando-nos, roubando e adiando sonhos e projetos,

Mas haveremos de vencer juntos na solidariedade,

Comunhão, proximidade real ou virtual, quando possível,

Com a firme convicção de que lições haveremos de aprender.


Travessia com suas subtrações num rol imensurável:

Daqueles que partiram para a eternidade cedo demais;

Dos encontros, festas, aulas, formações e celebrações.

Travessia vivida como um pesadelo sem fim,

Em que somos desafiados a dar razão da esperança viva,

Fé inquebrantável e caridade vivida mais necessária.


Travessia com suas adições da mesma forma sucedem:

Soma de sorrisos que não empalidecem, apesar de toda a dor.

Soma de experiências que marcarão para sempre nossa vida,

Que não mais voltará a ser como antes, pois  

Navegávamos como que numa nave à deriva;

Ao encontro da tragédia que vivenciamos.


Travessia com suas multiplicações, contemplamos:

Multiplicaram-se esforços de crescimento, superação;

Esforços de vidas sacrificadas para que outros vivessem.

Quer nos espaços da comunidade ou do cotidiano,

Multiplicações de mil nomes de pessoas ora visíveis

Ora em anonimatos em heroicas atividades lembramos.

Travessia com suas divisões em gestos tantos vistos.


Aprendizado para repartir o pouco que se tem,

Para que, juntos, nos fortaleçamos e consigamos atravessar,

E a margem do horizonte do inédito que nos move, alcançar.

Divisão de responsabilidades sem lamentos, com dedicação,

A fim de que nada e a ninguém falte o essencial para sobreviver.

Travessia se faz sofrendo e aprendendo, incansavelmente.


Como assim o fez o Povo de Deus, narra a Sagrada Escritura;

Travessia que nos aproxima uns dos outros ao encontro do Outro,

Do Deus do Êxodo, da libertação, da solidariedade sempre presente,

Que jamais à nossa dor se faz cego, surdo, mudo e indiferente.

Amor que ama para que não desistamos da travessia.


“Iahweh disse: ‘Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito.

Ouvi seu grito por causa dos opressores; pois eu conheço as suas 

angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios,

E para fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta,

Terra que emana leite e mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dos 

amorreus, dos ferezeus, dos heveus e jebuzeus’” (Ex 3,7-8).


PS: Escrito em 2020

 

Rezando com os Salmos - Sl 61 (62)

 


Somente em Deus confiamos e esperamos

“–1 Ao maestro do coro. Sobre Iditun. Salmo de Davi.
–2 Só em Deus a minha alma tem repouso,
porque d’Ele é que me vem a salvação!
–3 Só Ele é meu rochedo e salvação,
a fortaleza, onde encontro segurança!

–4 Até quando atacareis um pobre homem,
todos juntos, procurando derrubá-lo,
– como a parede que começa a inclinar-se,
ou um muro que está prestes a cair?

–5 Combinaram empurrar-me lá do alto,
e se comprazem em mentir e enganar;
– enquanto eles bendizem com os lábios;
no coração, bem lá do fundo, amaldiçoam.

–6 Só em Deus a minha alma tem repouso,
porque d’Ele é que me vem a salvação!
–7 Só Ele é meu rochedo e salvação,
a fortaleza, onde encontro segurança!

–8 A minha glória e salvação estão em Deus;
o meu refúgio e rocha firme é o Senhor!
=9 Povo todo, esperai sempre no Senhor,
e abri diante d’Ele o coração:
nosso Deus é um refúgio para nós!

–10 Todo homem a um sopro se assemelha,
o filho do homem é mentira e ilusão;
– se subissem todos eles na balança,
pesariam até menos do que o vento:

–11 Não confieis na opressão, na violência
nem vos gabeis de vossos roubos e enganos!
– E se crescerem vossas posses e riquezas,
a elas não prendais o coração!

=12 Uma palavra Deus falou, duas ouvi:
"O poder e a bondade a Deus pertencem,
pois pagais a cada um conforme as obras".

O Salmo 61(62) nos convida a colocar em Deus nossa esperança.

O salmista vive uma realidade de perseguição, mas coloca toda a confiança em Deus, que é o Seu apoio e força. Deste modo, exorta o povo a confiar em Deus e não nas ilusórias demonstrações de forças humanas (1).

De fato, a esperança deve estar em Deus, pois ela não nos decepciona (Rm 5,5), e tão somente n’Ele encontramos a verdadeira paz.

Em outra passagem, assim falou o Apóstolo Paulo aos Romanos:

“Que o Deus da esperança vos encha de toda alegria e paz em vossa fé. Assim, vossa esperança abundará, pelo poder do Espírito Santo (Rm 15,13).

Coloquemos também em Deus toda a nossa confiança e esperança. Amém.

(1) Comentário da Bíblia Edições CNBB – p.776


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