segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A exigência do perdão

                                                             

A exigência do perdão

“Prestai atenção: se o teu irmão pecar, repreende-o.
Se ele se converter, perdoa-lhe.” (Lc 17,3) 

Na segunda-feira, da 32ª Semana do Tempo Comum, ouvimos a passagem do Evangelho, que nos convida a refletir sobre a misericórdia expressa no perdão vivido, consistindo numa das maiores exigências da fé que professamos (Lc 17, 1-6).

Somos eternos aprendizes da misericórdia divina, que é um dos valores evangélicos mais importantes, e que nos interpela constantemente.

Se fé no Senhor professamos, somos capazes de perdoar verdadeiramente, porque somente quem acredita no Deus misericordioso, com a experiência de também por Ele ser amado e perdoado, se capacita para agir verdadeiramente com misericórdia, na prática do perdão. Tão somente amados e perdoados podemos amar e ser amados.

Mas é preciso que compreendamos o perdão não como esquecimento, o deixar de lado, numa aparência de que nada mais se sente e que nenhuma cicatriz tenha deixado na alma.

O verdadeiro perdão não pode negar a verdade nem a responsabilidade da pessoa diante dos pecados cometidos. Neste sentido, perdoar é muito mais que não querer a punição para quem é culpado, mas exige que se criem reais condições para que o pecador se reerga com possibilidade de reparação do mal realizado.

Aprendizes da misericórdia divina o somos, até o último suspiro de nossa existência, para que então sejamos misericordiosos como o Pai, entendendo a misericórdia,  antes de tudo, na capacidade de colaboração com a Salvação das pessoas, concedendo o perdão, quando necessário.

Com isto, evidencia-se que Deus abomina o pecado, mas quer que o pecador se converta e viva. Porém, o perdão recebido exige novas posturas, com novos pensamentos, sentimentos e atitudes.

Deste modo, para que mal e o pecado não floresçam, o perdão divino jamais pode ser compreendido com sinônimo de conivência e permissividade.

O perdão vivido faz nascer a semente da vida, que não pode morrer no coração do pecador que se propõe, contrito, por num caminho de contínua conversão e uma nova vida, porque experimentou a realidade do amor e do perdão divinos que nos libertam das amarras e da escravidão do pecado, e nos faz verdadeiramente livres.

“Entranhas de misericórdia”

                                                    

                              “Entranhas de misericórdia”

Das Cartas de Sulpício Severo, temos um breve relato deste luminar da fé, o Bispo São Martinho (Séc. V); um homem pobre e humilde, cuja memória celebra-se no dia 11 de novembro.

“Martinho soube com muita antecedência o dia da sua morte e comunicou aos irmãos estar iminente a dissolução de seu corpo.

Entretanto, surgiu a necessidade de ir à Diocese de Candax, pois os eclesiásticos desta Igreja estavam em discórdia. Desejando restabelecer a paz, embora não ignorasse o fim de seus dias, não recusou partir, julgando que seria um excelente fecho de suas obras deixar a Igreja em paz.

Demorou-se por algum tempo na aldeia e na Igreja aonde fora, e a paz voltou para os clérigos. Quando já pensava em regressar ao mosteiro, começaram de repente a faltar-lhe as forças e, chamando os irmãos, disse-lhes que ia morrer.

Diante disto todos se entristeceram grandemente, chorando e dizendo, a uma só voz: 'Por que, pai, nos abandonas? A quem nos entregas, desolados? Lobos vorazes invadem teu rebanho; quem, ferido o pastor, nos livrará de seus dentes?

Sabemos que desejas a Cristo, mas teus prêmios já estão seguros e não diminuirão com o adiamento! Tem compaixão de nós, a quem desamparas!'

Comovido com estas lágrimas, ele que sempre possuíra entranhas de misericórdia, também chorou, segundo contam.

Voltando-se então para o Senhor, respondeu aos queixosos somente com estas palavras: 'Senhor, se ainda sou necessário a Teu povo, não recuso o trabalho. Que se faça Tua vontade'.

Que homem incomparável! O trabalho não o vence, a morte não o vencerá! Ele, que não se inclinava para nenhum dos lados, não temeria morrer e nem recusaria viver!

No entanto, olhos e mãos sempre erguidos para o céu, não abandonava a Oração o espírito invicto; e quando os Presbíteros, que se haviam reunido junto dele, lhe pediram aliviar o frágil corpo, virando-o para o lado, disse:

'Deixai-me, deixai-me, irmãos, olhar para o céu de preferência à terra, para que o espírito já se dirija ao caminho que o levará ao Senhor'.

Dito isto, viu o demônio ali perto. 'Por que estás aqui, fera nefasta? Nada em mim, ó cruel, encontrarás! O seio de Abraão me acolhe'.

Com estas palavras entregou o espírito ao céu. Martinho, feliz, é recebido no seio de Abraão; Martinho, pobre e humilde, entra rico no céu".

Somente um homem assim, um pastor com “entranhas de misericórdia”, poderia ser um grande pacificador.

Somente com entranhas de misericórdia:

- cuida do rebanho não por obrigação externa, mas como expressão de amor pelo Bom Pastor, que quer uma resposta de amor para o cuidado do rebanho;

- envolvidos pelo Amor de Deus, que não se vê, olha para a morte com olhar que a transcende, e por ela passando, um encontro com Deus, Amor pleno e eterno, no céu, junto a todos os que nos precederam, “no seio de Abraão”;

- o que aparentemente é impossível pode ser alcançado, como fez Maria ao conceber o Verbo pela ação do Espírito Santo de Deus, e na esterilidade e idade avançada de Isabel também se viu nascer o maior de todos os Profetas;

- é que não recuaremos do combate da fé, de tal modo que ela será solificada e enraizada na Divina Fonte do Amor, Cristo Jesus.

Partícipes do Banquete do Amor, a Eucaristia, que nosso coração seja  como o coração de São Martinho, com entranhas de misericórdia. Pois, também nos falou o Senhor: “Sede misericordiosos, como vosso Deus é misericordioso!” (Lc 6,36).

Em poucas palavras...

                                                       


A vida do cristão

“A fé, a verdade e a esperança devem ser alimentadas e caracterizadas por comportamentos, atitudes que, na fidelidade à doutrina e ao ensinamento transmitido, manifestem também exteriormente o rosto da fé.

A vida do cristão não é uma vida tomada ao de leve, que se adapta ao comportamento comum ou àquilo que é mais cômodo, mas é uma vida que compromete continuamente a pessoa na coragem da escolha da fé.” (1)

 

 

(1)Lecionário Comentado – Tempo Comum – Volume II – Editora Paulus – Lisboa – 2011 – pág. 763 

Comentário sobre a passagem da Leitura: Tt 1,1-9

 

Em poucas palavras...

 


A generosidade é plural

“Notemos que a generosidade, como todas as virtudes, é plural, tanto em seu conteúdo como nos nomes que lhe emprestamos ou que servem para designá-la.

Somada à coragem, pode ser heroísmo.

Somada à justiça, faz-se equidade.

Somada à compaixão, torna-se benevolência.

Somada à misericórdia, vira indulgência.

Mas seu mais belo nome é seu segredo, que todos conhecem: somada à doçura, ela se chama bondade” (1)

 

 (1)André Comte Sponville

 

 

Testemunhemos a Deus pelas obras

 


Testemunhemos a Deus pelas obras

Sejamos enriquecidos por uma homilia de um autor do segundo século.

“O Senhor usou para conosco de uma misericórdia tão grande que, primeiramente, nós, seres vivos, não sacrificássemos a deuses mortos nem os adorássemos, e levando-nos por Cristo ao conhecimento do Pai da verdade. E qual é o conhecimento que nos conduz a Ele? Não é acaso não negar Aquele por quem O conhecemos? Ele mesmo declarou: Ao que der testemunho de mim, Eu darei testemunho dele diante do Pai (cf. Lc 12,8). É este o nosso prêmio: testemunhar Aquele por quem fomos salvos.

Como O testemunharemos? Fazendo o que diz, sem desprezar Seus mandamentos, honrando-O não com os lábios só, mas de todo o coração e inteligência. Pois Isaías disse: Este povo me honra com os lábios, seu coração, porém, está longe de mim (Is 29,13).

Portanto, não nos contentemos em chamá-Lo de Senhor; isto não nos salvará. São Suas as Palavras: Não é quem me diz Senhor, Senhor, que se salvará, mas quem pratica a justiça (cf. Mt 7,21). Por isso, irmãos, demos testemunho pelas obras: amemo-nos mutuamente, não cometamos adultério, não nos difamemos uns aos outros nem nos invejemos, mas vivamos na continência, na misericórdia, na bondade.

E sejamos movidos pela mútua compaixão, não pela cobiça. Confessemo-lo por estas obras, não pelas contrárias. Não temos de temer os homens, mas a Deus. Porque o Senhor disse aos que assim procediam: Se estiverdes comigo, reunidos em meu seio e não cumprirdes meus mandamentos, Eu vos repelirei e direi: Afastai-vos de mim, não sei donde sois, operários da iniquidade (cf. Mt 7,23; Lc 13,27).

Por conseguinte, irmãos meus, lutemos, sabendo que o combate está em nossas mãos. Muitos se entregam a lutas corruptíveis, mas somente são coroados aqueles que mais tiverem lutado e combatido gloriosamente.

Lutemos, pois, também nós, para sermos todos coroados. Para isto, corramos pelo caminho reto, pelo combate incorruptível. Naveguemos em grande número para Ele e pelejemos, a fim de obter a coroa. Se não pudermos todos ser coroados, que ao menos dela nos aproximemos. Convém-nos saber que se alguém se entrega a um combate corruptível, mas é surpreendido como corruptor, é flagelado, afastado e expulso do estádio.

Que vos parece? Que deverá padecer quem corrompe o combate da incorrupção? Sobre aqueles que não guardam o caráter, se diz: Seu verme não morre, seu fogo não se extingue e serão dados em espetáculo a toda carne (Is 66,24).”

Somos exortados a testemunhar a Deus pelas obras, e não apenas pelas palavras.

Supliquemos ao Senhor que nos conceda a sabedoria do Espírito Santo, para nos iluminar e nos conduzir, sobretudo nas situações mais adversas no bom combate da fé, para que nosso testemunho se dê pelas obras, sobretudo quando nos empenhamos em viver a proposta que Ele nos apresentou no monte: as Bem-Aventuranças (Mt 5,1-12).

Com a Sabedoria divina saibamos buscar sempre as coisas do alto onde Deus habita, na fidelidade ao Bem Maior, Deus, usando as coisas que passam (bens menores), e abraçando as que não passam (nosso Bem Maior).

Nisto consiste o caminho de santidade, a que todos somos chamados e vocacionados: testemunhar uma fé inquebrantável em Deus, mantendo viva a nossa esperança, acompanhada de inflamada e generosa caridade. Amém.


PS: Oportuno para reflexão do Evangelho de Lucas (Lc 16,1-8).

domingo, 10 de novembro de 2024

Jesus, o Mediador da Nova e Eterna Aliança (XXXIIDTCB)

                                      


Jesus, o Mediador da Nova e Eterna Aliança

A passagem da Epístola aos Hebreus (Hb 9,24-28) nos apresenta Jesus Cristo como o Sumo Sacerdote perfeito, que  entregou Sua vida em favor da humanidade, tornando-Se o mediador da Nova e Eterna Aliança.

A entrega de Cristo, com o sacrifício consumado do dom total de Sua Vida, teve eficácia total e universal: Ele conseguiu a destruição da condição pecadora do homem, a salvação foi nos alcançada.

O autor da Carta aos Hebreus, dirigindo-se aos cristãos em dificuldade, com a perda do entusiasmo inicial, pois grandes eram as dificuldades, os reanima, para que não corram o risco de renunciar ao compromisso assumido no dia do Batismo. É nítido seu esforço em animar e revitalizar a experiência de fé de seus destinatários. 

Do mesmo modo, é preciso que renovemos nossa adesão incondicional a Jesus, fazendo de nossa vida um dom de amor aos irmãos, apesar de nossas fragilidades e debilidades. 

Não podemos nos afastar da comunhão com Deus e da vida eterna, mas nos colocarmos numa constante “metanoia”, transformando-nos radicalmente para viver no amor, serviço, perdão e dom da vida. 

É sempre oportuno refletirmos de que modo isto se manifesta em nossa vida e em nossos compromissos pastorais, bem como em toda a nossa vida.

Seja nossa vida uma oferenda agradável ao Senhor, em sagrados e multiplicados gestos de amor e solidariedade, no trilhar do caminho de santidade por Deus querida.

A esmola, o bem e a semeadura (XXXIIDTCB)

 


A esmola, o bem e a semeadura

“Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7)

Sejamos iluminados pelo Tratado sobre as coletas, escrito pelo Papa e Doutor da Igreja, São Leão Magno (séc. V):

“Amadíssimos, que ninguém se vanglorie dos pequenos méritos de uma vida boa se lhe faltarem as obras de caridade; nem se refugie na falsa segurança de sua pureza corporal, quem não busca a sua purificação na esmola.

A esmola apaga o pecado, mata a morte e extingue a pena do fogo eterno. Mas quem estiver desprovido do fruto da esmola, também não poderá receber a indulgência do remunerador, pois diz Salomão: Quem fecha os ouvidos ao clamor do necessitado, não será escutado quando grite. Por isso Tobias dizia ao seu filho, incutindo-lhe os preceitos da piedade: Dá esmola dos teus bens e não sejas mesquinho. Se vês um pobre, não desvies o teu rosto, e Deus não afastará sua face de ti.

Esta virtude torna úteis todas as outras virtudes: sua união vivifica a própria fé, da qual o justo vive, e que, se não tem obras, é considerada morta: mas se é verdade que a fé é a razão de ser das obras, não é menos que as obras são a força da fé. Por isso, como diz o apóstolo, enquanto temos oportunidade, trabalhemos pelo bem de todos, especialmente pelo bem da família da fé. Não nos cansemos de fazer o bem, que, se não esmorecermos, no tempo certo colheremos.

A vida presente é tempo de semeadura, e o dia da retribuição é tempo de colheita, quando cada um recolherá uma colheita proporcionada à quantidade da semeadura.

Ninguém ficará defraudado do rendimento desta messe, pois ali se atenderá tanto o volume das contribuições como a qualidade das intenções; de maneira que se equipararão os pequenos donativos procedentes de escassos rendimentos e os suntuosos de fortunas imensas.

Em consequência, amadíssimos, acatemos o que foi estabelecido pelos apóstolos. E como no próximo domingo terá lugar a coleta, disponham-vos para a voluntária devoção, para que cada um coopere, segundo as suas possibilidades, para a sacratíssima oblação. Vossas próprias esmolas serão uma oração em vosso favor, assim como para aqueles a quem ajudareis com vossa generosidade. Assim estareis disponíveis para toda boa iniciativa, em Cristo Jesus, nosso Senhor, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.”

Destaco três trechos:

“A esmola apaga o pecado, mata a morte e extingue a pena do fogo eterno”;

“Não nos cansemos de fazer o bem, que, se não esmorecermos, no tempo certo colheremos.”;

“A vida presente é tempo de semeadura, e o dia da retribuição é tempo de colheita, quando cada um recolherá uma colheita proporcionada à quantidade da semeadura.”.

Como Igreja sinodal que somos, caminhando juntos, peregrinando na esperança, nossas orações devem ser acompanhadas por estas práticas: a esmola, a promoção do bem e a participação na semeadura.

Oremos:

Ó Deus, que jamais nos cansemos de fazer o bem, e saibamos vencer o mal com o bem, multiplicando gestos de esmola, partilha, compaixão e solidariedade, alegres discípulos missionários a cultivar o Vosso divino Jardim, com a semente do Verbo, com a ação e presença do Santo Espírito. Amém.

(1) Lecionário Patrístico Dominical – Editora Vozes – 2013 – pp.505-506

 

Quem sou eu

Minha foto
4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG