segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O cuidado do rebanho

 

O cuidado do rebanho 

“...enfermo quer dizer não firme,
e doente o que se sente mal”

 

Sejamos enriquecidos pelo Sermão do Bispo e Doutor da Igreja, Santo Agostinho (séc. V).

Ao enfermo, diz o Senhor, não fortificastes (Ez 34,4). Diz aos maus pastores, aos pastores falsos, que buscam seu interesse, não o de Jesus Cristo. Aos que se alegram com as dádivas do leite e da lã, mas descuram totalmente as ovelhas e não cuidam das doentes. Parece-me haver diferença entre enfermo e doente – pois costuma-se chamar de enfermos os doentes; enfermo quer dizer não firme, e doente o que se sente mal.

Na verdade, irmãos, esforçamo-nos de algum modo por distinguir estas coisas, mas talvez com maior aplicação poderíamos nós ou outro mais entendido e com o coração mais cheio de luz discernir melhor.

À espera disto, para que não sejais privados em relação às palavras da Escritura, falo o que penso. É de se temer sobrevenha uma tentação ao enfermo que o debilite. O doente, ao contrário, já adoeceu por alguma ambição e por esta ambição se vê impedido de entrar no caminho de Deus, de submeter-se ao jugo de Cristo.

Observai esses homens que desejam viver bem, já decididos a viver bem. São, no entanto, menos capazes de suportar os males do que fazer o bem. Pertence à firmeza do cristão não apenas fazer o bem, mas também tolerar os males.

Aqueles, pois, que parecem ardentes nas boas obras, mas não querem ou não podem suportar as provações iminentes, estes são enfermos. Por outro lado, aqueles que amam o mundo e, por qualquer desejo mau, se afastam até das obras boas, jazem gravemente doentes, visto que pela doença, sem forças, nada de bom podem realizar.

O paralítico era um destes, na alma. Os que o carregavam, não podendo levá-lo até junto do Senhor, descobriram o teto e fizeram-no descer. É isto que terias de fazer: descobrir o teto e colocar junto do Senhor a alma paralítica, com todos os membros frouxos, e vazia de obras boas, curvada sob o peso dos pecados e doente com o mal de sua cobiça.

Portanto, se todos os seus membros estão frouxos e há paralisia interior para levá-la ao médico – talvez o médico esteja escondido no teu interior: seria este um sentido oculto nas Escrituras – se queres descobrir-lhe o que está oculto, descobre o teto e faze descer diante dele o paralítico.

A quem assim não procede e desdenha fazê-lo, ouvistes o que lhe dizem: Aos doentes não fortalecestes, ao fraturado não pensastes (Ez 34,4); já explicamos esta passagem.

Estava alquebrado pelo terror das provações. Mas surge algo que restaura a fratura, estas palavras de consolo: Fiel é Deus que não permitirá serdes tentados além do que podeis suportar, mas com a tentação vos dará o meio de sair dela para que a possais suportar (1Cor 10,13)”.

Como discípulos missionários do Senhor, eis a nossa missão: cuidar do rebanho, por vezes enfermo ou doente, como tão bem expressou o Bispo – “...enfermo quer dizer não firme, e doente o que se sente mal”.

Sobretudo nestes tempos marcados pela pandemia, com histórias multiplicadas de sofrimentos, enfermidades, lutos e prantos, há a necessária criatividade, para que tenhamos inciativas possíveis (ainda que virtuais) para ir ao encontro daqueles que mais precisam, debilitados (enfermos ou doentes).

Para as feridas abertas, temos em cada Eucaristia, quando comungamos, o remédio de imortalidade e o antídoto para não morrer, pois assim disse o Senhor: “Quem comer da minha Carne e beber do meu Sangue não morrerá para sempre” (Jo 6,54).

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4º Bispo da Diocese de Guanhães - MG